Avaliação de aspectos inatos e adaptativos do sistema imune na psoríase: análise fenotípica e... por Mariana Dias Batista - Versão HTML
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Mariana Dias Batista
Avaliação de aspectos inatos e adaptativos do sistema imune na psoríase: análise
fenotípica e funcional de células natural killer e células T
Tese apresentada à Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo para obtenção do título
de Doutor em Ciências
Programa de Alergia e Imunopatologia
Orientador: Prof. Dr. Jorge Elias Kalil Filho
Coorientador: Prof. Dr. Esper Georges Kallás
São Paulo
2012
!
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
!reprodução autorizada pelo autor
Bati sta, Mariana Dias
Avaliação de aspectos inatos e adaptativos do sistema imune na psoríase: análise
fenotípica e funcional de células natural killer e células T / Mariana Dias Batista--
São Paulo, 2012.
Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Programa de Alergia e Imunopatologia.
Orientador: Jorge Elias Kalil Filho.
Coorientador: Esper Georges Kallas.
Descritores: 1.Psoríase 2.Imunidade inata 3.Células natural-killer 4.Antígenos
CD57 5.Imunidade adaptativa 6.Citocinas 7.NKG2A
USP/FM/DBD-348/12
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Maria do Carmo e Nildo,
pelo incentivo da vida toda, com amor e
gratidão.
!
AGRADECIMENTOS
Aos pacientes, por terem consentido em participar deste trabalho de forma altruísta, por
acreditarem que pesquisas na área da psoríase poderão contribuir na melhora da
qualidade de vida das pessoas afetadas.
Ao Prof. Dr. Esper Kallás, por todas as oportunidades oferecidas, por acreditar no meu
trabalho, por me fazer enxergar a possibilidade de ingresso no universo da pesquisa e,
mais que tudo, pelo acolhimento e amizade.
Ao Prof. Dr. Jorge Kalil, pelas boas palavras de orientação, pelo aprendizado, e pela
oportunidade de desenvolver meu projeto junto ao programa de Alergia e
Imunopatologia, com admiração.
Ao Prof. Dr. Douglas Nixon, pelo enorme aprendizado no período em que estive em seu
laboratório, pela possibilidade de desenvolver projeto relacionado à dermatologia mesmo
que esse não fosse o foco do laboratório, por dividir comigo seu entusiasmo com a
ciência e a pesquisa.
À Prof. Dra. Emily Ho, por ter me ensinado técnicas laboratoriais necessárias ao
desenvolvimento deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Jeffrey Milush, pelas discussões, interpretações de resultados e
planejamento de experimentos.
À Prof. Dra. Emily Eriksson e à Vanessa York, pela experiência e trabalho conjunto.
À Dra. Camilla Tincati, pela assistência e colaboração nos experimentos funcionais.
À Prof. Dra. Karina Carvalho, pelo auxílio na interpretação dos resultados e pela leitura
crítica da metodologia.
Aos colegas da Dermatologia da UCSF, Drs. Patrick Unemori, Wilson Liao, Kieron
Leslie e Toby Maurer, pela colaboração e pelo recrutamento dos pacientes.
Aos membros da minha banca de qualificação, pelas sugestões valiosas no
aprimoramento do trabalho.
Aos colegas do LIM-60, pelas sugestões referentes à interpretação dos resultados e pelas
discussões produtivas.
Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Alergia e Imunopatologia, pelas
discussões produtivas nas reuniões.
À Ana Luiza Dias Batista, pelo auxílio na elaboração e edição das figuras.
Ao Thiago e à Alice.
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SUMÁRIO
Lista de abreviaturas e siglas
Lista de figuras
Lista de tabelas
Resumo
Summary
1 INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 1
1.1 Epidemiologia, aspectos clínicos e histo-patológicos _________________________ 1
1.2 Fatores Genéticos _____________________________________________________2
1.3 Sistema Imune e psoríase _______________________________________________3
1.3.1 Imunidade Inata ___________________________________________________3
1.3.1.1
Queratinócitos, células dendríticas plasmocitóides, células NKT __________3
1.3.1.2
Células natural killer (NK) _______________________________________ 5
1.3.1.2.1 Desenvolvimento, diferenciação e aspectos funcionais de células NK ______5
1.3.1.2.2 Células NK na psoríase __________________________________________ 8
1.3.2 Imunidade Adaptativa ______________________________________________ 9
1.3.2.1
Células dendríticas mielóides e apresentação de antígeno _______________ 9
1.3.2.2
Células T residentes no tecido ____________________________________10
1.3.2.3
Células T CD4+: Th-1 e Th-17 ___________________________________ 11
1.3.2.4
Células T CD8+: Tc-1 e Tc-17____________________________________13
2 OBJETIVOS_______________________________________________________16
2.1 Objetivos gerais_____________________________________________________ 16
2.2 Objetivos específicos_________________________________________________ 16
3 METODOLOGIA___________________________________________________17
3.1 Casuística__________________________________________________________ 17
3.2 Processamento de amostras de pele______________________________________ 18
3.3 Processamento de amostras de sangue____________________________________ 20
3.4 Citometria de Fluxo__________________________________________________ 20
3.5 Sorting de células T CD4+ e CD8+______________________________________ 22
3.6 Cultura de células T__________________________________________________ 23
3.7 Ensaios de multiplex__________________________________________________23
3.8 Análise estatística ____________________________________________________24
4 RESULTADOS_____________________________________________________25
4.1 Manuscrito de artigo científico sobre células NK_________________________ 25
4.1.1 Folha de rosto ____________________________________________________25
4.1.2 Abstract_________________________________________________________26
4.1.3 Introduction______________________________________________________27
4.1.4 Methods_________________________________________________________30
4.1.5 Results__________________________________________________________32
4.1.6 Discussion_______________________________________________________40
4.1.7 References_______________________________________________________43
4.2 Manuscrito de artigo científico sobre células T___________________________47
4.2.1 Folha de Rosto___________________________________________________ 47
4.2.2 Abstract________________________________________________________ 48
!
4.2.3 Introduction_____________________________________________________ 49
4.2.4 Methods________________________________________________________ 50
4.2.5 Results_________________________________________________________ 54
4.2.6 Discussion______________________________________________________ 60
4.2.7 References______________________________________________________ 63
5 DISCUSSÃO_______________________________________________________67
5.1 Casuística __________________________________________________________67
5.2 Fenótipo de células NK_______________________________________________ 67
5.3 Fenótipo de células T CD8+____________________________________________70
5.4 Ensaios funcionais de células T_________________________________________ 71
6 CONCLUSÕES_____________________________________________________73
7 ANEXOS__________________________________________________________ 74
Anexo A Aprovação Comitê de Ética em Pesquisa UCSF_____________________74
Anexo B Aprovação Comitê de Ética em Pesquisa FMUSP___________________ 75
Anexo C Termo de Consentimento Livre e Esclarecido______________________ 76
Anexo D Comprovação de submissão ao periódico Experimental Dermatology___ 81
Anexo E Comprovação de submissão ao periódico PLoS One_________________82
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS__________________________________83
!
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CCL
C-chemokine ligand
CCR
C-chemokine receptor
CD
cluster of differentiation
CLA
cutaneous lymphocyte-associated antig!" !
CMSP
células mononucleares do sangue periférico
CMKLR
chemokine-like receptor
CMV
citomegalovírus
CXCL
CX-chemokine ligand
CXCR
CX-chemokine receptor
EDTA
ácido etilenodiamino tetra-acético
HIV
vírus da imunodeficiência humana
HLA
human leukocyte antigen
IFN
interferon
IL
interleucina
KIR
killer-cell immunoglobulin receptor
MHC
major histocompatibility complex
NF-!B
nuclear factor kappa-light-chain-enhancer of activated B cells
NK
natural killer
NKT
natural killer T
PBS
tampão fosfato
PMA
acetato de forbol miristato
SPE
exotoxina do Streptococcus pyogenes
SEB
enterotoxina estafilocócica B
Tc
células T citotóxicas
TCR
receptor de células T
Th
células T helper
TLR
toll like receptor
TNF
fator de necrose tumoral
!
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 – Mecanismos patogenéticos na psoríase____________________________15
Figura 3.1 – Determinação de tempo de cultura de células isoladas da pele__________19
Figura 3.2 – Estratégia de gating para citometria de fluxo_______________________ 22
Manuscrito 4.1
Figure 1 - Características fenotípicas de células NK CD56+CD16+ na psoríase______34
Figure 2 – Co-expressão de CD57, NKG2A e NKG2C em células NK CD56+CD16+_35
Supplemental figure 1 – Comparação de células NK CD56+CD16+ entre subtipos de
psoríase______________________________________________________________ 36
Figure 3 – Características fenotípicas de células NK CD56+CD16- na psoríase______38
Supplemental figure 2- Comparação de células NK CD56+CD16- entre subtipos de
psoríase______________________________________________________________ 39
Manuscrito 4.2
Supplemental Figure 1- Estratégia de gating, amostra de pele lesional_____________53
Figure 1- Distribuição de células T na pele lesional e não afetada de pacientes com
psoríase______________________________________________________________55
Figure 2 – Expressão de CD57 em células T na psoríase________________________56
Figure 3 – Produção de citocinas por células T CD4+ de pacientes com psoríase isoladas
por cell-sorting ________________________________________________________ 58
Figure 4 - Produção de citocinas por células T CD8+ de pacientes com psoríase isoladas
por cell-sorting ________________________________________________________ 58
Figure 5 – Correlação de níveis de IL-22 com outras citocinas___________________ 59
!
LISTA DE TABELAS
Tabela 3.1 – Características amostrais e demográficas dos pacientes_______________17
Tabela 3.2 – Características amostrais e demográficas dos controles_______________18
Tabela 3.3 – Anticorpos utilizados para citometria de fluxo______________________21
Tabela 3.4- Anticorpos utilizados para sorting celular__________________________ 23
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RESUMO
Batista MD. Avaliação de aspectos inatos e adaptativos do sistema imune na psoríase:
análise fenotípica e funcional de células natural killer e células T [Tese]. São Paulo:
Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2012.
INTRODUÇÃO: A psoríase é doença inflamatória hiperproliferativa da pele, na qual
mecanismos imunológicos são cruciais para o processo patogênico. O marcador CD57
denota inabilidade de replicação e imuno-senescência de células T CD8+, e sua expressão
foi demonstrada em diversas condições inflamatórias. CD57 também pode ser expresso
por células natural killer (NK), nas quais é considerado marcador de maturidade, por ser
em geral adquirido pelas formas mais diferenciadas CD56+CD16+. A expressão de
CD57 e outros receptores de células NK não foi amplamente investigada na psoríase.
OBJETIVOS: Este estudo buscou examinar o fenótipo de células NK em biópsias de pele
e células mononucleares do sangue periférico (CMSP) de pacientes com psoríase em
relação a controles sadios. Este estudo investigou também o fenótipo e características
funcionais de células T isoladas da pele lesional e não afetada de pacientes com psoríase.
MÉTODOS: Foram isoladas células NK dos subtipos CD56+CD16- e CD56+CD16+ de
pele lesional, não afetada e CMSP de pacientes com psoríase, comparadas com pele
normal e CMSP de controles sadios. A expressão de CD57, NKG2A e NKG2C foi
determinada nesses subtipos de células por citometria de fluxo. Células T CD4+ e CD8+
foram isoladas da pele lesional e não afetada de pacientes com psoríase, e a expressão de
CD57 foi avaliada. Características funcionais de células T foram estudadas através da
análise da secreção de diversas citocinas inflamatórias (IL-17A, IFN-", IL-2, IL-33, TNF-
#, IL-21, IL-22 and IL-27) produzidas por células T CD4+ e CD8+ isoladas por sorting
celular, a partir de amostras de pele lesional e não afetada de pacientes com psoríase.
RESULTADOS: Células NK isoladas das lesões de psoríase apresentaram um fenótipo
particular, caracterizado por baixa expressão de CD57 e alta expressão de NKG2A na
pele lesional e não afetada em relação aos controles. Em relação às células T, encontrou-
se frequência de células T CD4+CD57+ e CD8+CD57+ significativamente maior na pele
não afetada em relação à pele lesional de pacientes com psoríase. Células T CD4+
isoladas por sorting celular a partir de amostras de pele lesional produziram níveis
maiores de IL-17A, IL-22 e IFN-" em relação às amostras de pele não afetada. Células T
CD8+ isoladas da pele lesional secretaram maiores níveis de IL-17A, IFN-", TNF-# e IL-
2 em relação à pele não afetada. CONCLUSÕES: Esses dados sugerem que células NK
presentes nas lesões de psoríase apresentam fenótipo imaturo, que foi previamente
associado a maiores capacidades funcionais, e poderiam ser implicadas na patogênese da
psoríase. Em relação às células T, as características fenotípicas sugerem menor
sobrevivência de células com baixa capacidade replicativa na pele lesional, pelo ambiente
inflamatório local ou pelo alto turnover celular da psoríase.
Descritores: psoríase, imunidade inata, células natural-killer, antígenos CD57, imunidade
adaptativa, citocinas, NKG2A
!
SUMMARY
Batista MD. Innate and adaptive features of the immune system in psoriasis: phenotypic
and functional analyses of natural killer cells and T cells [Thesis]. São Paulo: Faculdade
de Medicina, Universidade de São Paulo; 2012.
INTRODUCTION: Psoriasis is a hyper-proliferative inflammatory disease of the skin in
which immunological mechanisms play a direct role in disease pathogenesis. CD57 is a
marker of replicative inability and immunosenescence on CD8+ T cells and its expression
is increased in a number of inflammatory conditions. CD57 is also expressed by NK cells
and is considered a marker of NK cell maturity, being acquired by more differentiated
CD56+CD16+ NK cells. The expression of CD57 and other NK cell markers in psoriasis
has not been thoroughly investigated. OBJECTIVES: This study sought to examine the
phenotype of NK cells in skin biopsies and peripheral blood mononuclear cells (PBMC)
from patients with psoriasis and healthy controls. We also investigated the phenotype and
functional characteristics of T cells from psoriasis patients, comparing lesional and
unaffected skin. METHODS: CD56+CD16- and CD56+CD16+ NK cells were isolated
from lesional skin, unaffected skin and PBMC of psoriasis patients, and normal skin and
PBMC from healthy controls. The expression of CD57, NKG2A, and NKG2C was
assessed by flow cytometry. CD57 expression was also determined on T cells from
lesional and unaffected skin by flow cytometry. We assessed functional characteristics of
T cells by evaluating the secretion of several inflammatory cytokines (IL-17A, IFN-", IL-
2, IL-33, TNF-#, IL-21, IL-22 and IL-27), from cell-sorted purified CD4+ and CD8+ T
cells isolated from lesional and unaffected skin of psoriasis patients, by multiplex assays.
RESULTS: NK cells in psoriasis skin lesions exhibited a distinct phenotype, with CD57
expression significantly reduced and NKG2A expression increased on NK cells in
lesional and unaffected skin compared to controls. In relation to T cells, we observed that
the frequency of CD57+CD4+ and CD57+CD8+ T cells was significantly increased in
unaffected skin of psoriasis patients compared to lesional skin. Sorted CD4+ T cells from
psoriasis lesional skin produced higher levels of IL-17A, IL-22 and IFN-" compared to
unaffected skin. CD8+ T cells isolated from lesional skin produced higher levels of IL-
17A, IFN-", TNF-# and IL-2 compared to unaffected skin. CONCLUSIONS: These data
suggest that NK cells in psoriasis lesions exhibit an immature phenotype, that has been
previously associated with higher functional abilities, and could implicate NK cells in
psoriasis pathogenesis. For T cells, the findings of this study suggest lower survival of
cells with low replicative ability in lesional skin, due to the local inflammatory
environment or to the high cellular turnover in psoriasis.
Key words: psoriasis, innate immunity, natural killer cells, CD57, adaptive immunity,
cytokines, NKG2A
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 Epidemiologia, aspectos clínicos e histopatológicos
A psoríase é doença inflamatória cutânea caracterizada por aumento do turnover
celular, diminuição da diferenciação de queratinócitos e desequilíbrio imunológico
(1). Sua prevalência varia entre 2 e 3% da população (2) e caracteriza-se por pápulas e
placas eritematosas recobertas por escamas branco-acinzentadas (1, 3). As escamas
resultam de epiderme hiperproliferativa, que se inicia com aumento do índice mitótico
dos queratinócitos basais, seguido por maturação prematura de queratinócitos na
camada espinhosa, e retenção dos núcleos na camada córnea, levando ao achado
histopatológico característico de paraqueratose (1, 4). Em decorrência do caráter
hiperproliferativo da doença, o turnover epidérmico, que na pele normal é estimado
em 40 dias, está acelerado para 4-6 dias na psoríase (5, 6). A forma mais comum da
doença, denominada psoríase vulgar, ocorre em 85-90% dos pacientes; outras
variantes clínicas incluem a psoríase em gotas ou gutata e a psoríase pustulosa (3).
Sua causa é multifatorial, com contribuição de efeitos ambientais em indivíduos
geneticamente predispostos, havendo diversos fatores desencadeantes, que incluem
estresse (7, 8), medicações como lítio, antimaláricos, indometacina e beta-
bloqueadores (9), doenças infecciosas recentes (especialmente para a forma gutata)
(7), fumo (10), alta ingesta de álcool (11) e ferimentos cutâneos (fenômeno de
Koebner). A psoríase pode evoluir com comprometimento articular, que ocorre em 5 a
40% dos pacientes (12, 13). Embora a psoríase não acarrete risco de vida, tem curso
crônico e impacta diretamente na qualidade de vida dos indivíduos acometidos, que
têm maior risco de isolamento social e depressão (14-16). Pacientes com psoríase
apresentam síndrome metabólica, doenças cardiovasculares e neoplasias em
prevalência aumentada, que apontam para o caráter inflamatório sistêmico da doença
(3, 17, 18).
O estudo de aspectos imuno-patológicos da psoríase contribui para a elucidação de
possíveis fatores causais e colabora para o desenvolvimento de arsenal terapêutico.
2
1.2 Fatores Genéticos
O estudo dos genes implicados na susceptibilidade à doença pode elucidar
mecanismos patogenéticos e apontar alternativas terapêuticas (19). O principal
determinante genético da psoríase está localizado na região do MHC do cromossomo
6, no locus PSORS1 (20, 21), porém 9 loci cromossômicos podem ser associados à psoríase, denominados PSORS1 a PSORS9 (22). Nesta região, o HLA-C*06:02 está
mais intensamente associado à psoríase (23). Há grande variabilidade genética entre
os subtipos de psoríase, com maior associação do gene PSORS1 à forma gutata da
doença (24). Entre populações de caucasianos, o alelo HLA-Cw6 confere maior efeito
genético, especialmente em casos de psoríase de início recente (25, 26).
Múltiplos outros loci já foram identificados como fatores de risco para o
desenvolvimento da psoríase, incluindo polimorfismos nos genes do receptor de IL-23
e seu ligante, IL-12B (27-29), além de outros genes, como CDKAL1, associado
também à doença de Crohn e diabetes mellitus, ADAM33, PTPN22 (30-32) e outros,
principalmente associados ao eixo IL-23/IL-17, a via NF-!B, e o complexo de
diferenciação epidérmico (29, 33). Recentemente, mutações no gene CARD14, que
codifica um regulador epidérmico de NF-!B, foram associadas à psoríase, e
correspondem ao locus PSORS2. Queratinócitos que contêm essas mutações são
capazes de incitar resposta inflamatória a partir da ativação de genes responsivos a
NF-!B (34, 35).
A complexidade da genética da psoríase levou ao desenvolvimento de escores de risco
genético globais ( global genetic risk scores), que levam em conta o risco associado a
diversos loci potencialmente implicados, com aumento na capacidade preditiva de
doença (36). Neste sentido, na psoríase há dominância do HLA-C como fator de risco,
uma vez que esse teve isoladamente risco equivalente a outros 9 loci combinados em
estudo de escore de risco genético global (37).
A associação entre HLA-C e psoríase é interessante a partir da perspectiva de implicar
as células natural killer (NK) na patogênese da doença. Os alelos do HLA-C
codificam ligantes para os receptores KIR ( Killer Cell Immunoglobulin Receptors)
expressos por células NK. A interação entre HLA-C e KIR foi investigada na
3
psoríase, e há associação entre a expressão do receptor ativador de células NK
KIR2DS1 com psoríase vulgar e artrite psoriática (38, 39).
1.3 Sistema Imune e Psoríase
Apesar da importância das alterações epiteliais na psoríase, a contribuição de
alterações do sistema imune para a patogênese da doença é evidente. Células T e
dendríticas presentes em grandes números nas lesões psoriáticas, aliadas ao sucesso
terapêutico obtido com drogas imunossupressoras falam fortemente a favor do
conceito de doença inflamatória imuno-mediada (1). A interação entre fatores
ambientais desencadeantes em indivíduos geneticamente predispostos inicia uma
cascata de eventos que englobam tanto mecanismos da imunidade inata como
adaptativa, e culminam com a ativação da doença.
1.3.1 Imunidade Inata
1.3.1.1 Células dendríticas plasmocitóides, queratinócitos, células NKT
Após a exposição da epiderme aos fatores desencadeantes (infecções, estresse, fumo,
drogas, trauma), os queratinócitos lesados liberam catelicidina LL-37 e outros
peptídeos antimicrobianos, como beta-defensinas e psoriasina (S100A7), envolvidos
na função de barreira e defesa da pele (40, 41). Peptídeos antimicrobianos também
podem ser produzidos por bactérias comensais da pele como Staphylococcus
epidermidis, e na psoríase alterações da flora microbiana poderiam aumentar a
expressão de catelicidinas e beta-defensinas que contribuem para o processo
inflamatório (41). Os peptídeos antimicrobianos se complexam a fragmentos de DNA
ou RNA próprios, liberados na pele após lise ou morte celular (42, 43). Estes
complexos de DNA/RNA próprios associados a LL-37 podem ativar células
dendríticas plasmocitóides a produzir IFN-", de maneira dependente de TLR-9.
Assim, o DNA do hospedeiro pode se transformar em estímulo pró-inflamatório que
quebra a tolerância imunológica, contribuindo para a cascata inflamatória (43). LL-37
também pode induzir aumento da expressão de TLR-9 por queratinócitos, e em
queratinócitos expostos ao ligante de TLR-9 CpG DNA, a produção de IFN tipo I é
aumentada por LL-37 (44).
4
As células dendríticas plasmocitóides estão presentes e ativadas em lesões precoces
de psoríase, e o IFN-" pode agir como indutor de lesões de psoríase (45). Além da
ativação por peptídeos antimicrobianos, as células dendríticas plasmocitóides podem
ser ativadas por outros mecanismos. A interação entre a quemerina e seu ligante, o
receptor ChemR23 (também conhecido como CMKLR1- chemokine-like receptor 1),
é responsável pela migração de células dendríticas plasmocitóides para os tecidos. A
expressão de quemerina está aumentada em fibroblastos dérmicos, mastócitos e
células endoteliais nas fases iniciais da psoríase, em paralelo à infiltração de células
dendríticas plasmocitóides e neutrófilos. Por outro lado, lesões crônicas de psoríase
têm baixa expressão de quemerina (46). A histamina também pode influenciar a
migração das células dendríticas plasmocitóides para a pele lesional na psoríase, em
resposta à estimulação do receptor de histamina H4R (47).
Os queratinócitos têm papel fundamental na patogênese da psoríase. Além de sua
diferenciação alterada acarretar hiperplasia epidérmica e paraqueratose, também
funcionam como efetores diretos da resposta imune (48). Os queratinócitos
respondem às citocinas presentes nas lesões de psoríase (IFN-#, TNF-", IL-17)
através da produção de IL-1$, IL-6 e TNF-", e expressão quimiocinas, como CCL20,
CXCL9, CXCL10 e CXCL11, que induzem a migração de células dendríticas
mielóides e células T efetoras para as lesões (48, 49). IL-17 e IL-22, presentes no
ambiente inflamatório da psoríase, aumentam a produção de peptídeos
antimicrobianos por queratinócitos, e assim intensificam a resposta inflamatória (50).
Outro tipo celular que pode ter participação na resposta imune inata na psoríase são as
células natural killer T (NKT). Estas células são linfócitos que além de expressarem o
receptor de células T (TCR), expressam também moléculas clássicas de células NK,
como CD56, CD16, CD161 e CD94 (51). São ativadas por antígenos glicolipídicos
apresentados pela molécula CD1d. O CD1d pode ser expresso por queratinócitos, e na
psoríase na pele lesional sua expressão está aumentada (52). A cultura concomitante
de células NKT com queratinócitos leva à produção de grandes quantidades de IFN-#,
podendo contribuir para o ambiente inflamatório na psoríase (52). Há evidências que
apontam para a presença de números aumentados de células NKT nas lesões de
psoríase, porém os mecanismos patogenéticos ainda não foram totalmente elucidados
(51).
5
1.3.1.2 Células natural killer (NK)
1.3.1.2.1 Desenvovimento, diferenciação e aspectos funcionais de células NK
As células natural killer (NK) são linfócitos tradicionalmente classificados como
pertencentes à resposta imune inata, por sua capacidade de responder rapidamente às
células alvo tumorais ou infectadas por vírus sem necessidade de sensibilização prévia
(53). São caracterizadas pelo fenótipo CD3- CD56+ (54). Assim como células T e B,
as células NK são provenientes de células progenitoras linfóides, e dependem de
citocinas como IL-15 para seu desenvolvimento e maturação (55). A partir de células
NK imaturas, apenas aquelas que se tornam tolerantes a antígenos próprios no
processo de maturação são capazes de desempenhar função efetora na periferia (56).
As células NK migram para locais de infecção ou inflamação em resposta à expressão
aumentada de quimiocinas, e produzem níveis consideráveis de IFN-# e TNF-" em
resposta a estímulos mediados por receptores ativadores ou citocinas pró-
inflamatórias (57). Além de sua capacidade de produção de citocinas, as células NK
têm em comum com as células T CD8+ a capacidade citotóxica mediada por perforina
e granzimas (53, 57).
As células NK expressam um repertório heterogêneo de receptores inibitórios e
ativadores, que são responsáveis pelo seu processo de maturação e pela regulação de
sua função efetora na periferia (58). Dentre os receptores expressados, encontram-se
as lectinas tipo C, que incluem o receptor inibitório NKG2A e o receptor ativador
NKG2C, além do receptor ativador NKG2D, cujos ligantes são as moléculas MICA e
MICB (59). Os receptores NKG2A e NKG2C têm uma ação imunoregulatória através
de sua ligação ao HLA-E (60). O receptor inibitório NKG2A se liga ao HLA-E com
maior afinidade que o receptor ativador NKG2C, o que determina um resultado
predominantemente inibitório nos casos de co-expressão (60, 61). Durante o processo
de maturação das células NK, há uma tendência à maior expressão de NKG2C em
relação ao NKG2A (62). Outros receptores expressos por células NK incluem
receptores de citotoxicidade natural, como NKp46, NKp44, NKp30, e os receptores
KIR ativadores ou inibitórios (59).
6
Dentre os mecanismos centrais de defesa do sistema imune contra células infectadas
por vírus, encontra-se o reconhecimento direto por células T citotóxicas através de
antígenos apresentados pelo MHC classe I (63). Alguns patógenos desenvolveram
mecanismos de evasão, nos quais interferem com o processamento ou apresentação de
antígenos, levando à diminuição da expressão da molécula de MHC classe I na
superfície, para assim prevenir o reconhecimento e lise por linfócitos T citotóxicos
(63). As células NK têm a capacidade de lise de células que não expressam o MHC
classe I, sendo importantes na contenção dos mecanismos de evasão viral. Assim, se a
célula NK entra em contato com uma célula normal, que expressa a molécula de
MHC classe I, seus receptores inibitórios ligam-se à molécula de MHC e previnem a
lise. Por outro lado, quando encontram células tumorais ou transformadas por vírus
que não expressam a molécula de MHC, não há ligação do receptor inibitório de NK,
e há ligação direta de receptores ativadores que determinam a lise da célula alvo (64).
As células NK são divididas em dois subtipos de acordo com sua expressão de CD56
e CD16. O fenótipo CD56bright CD16- representa o subtipo mais imaturo e
corresponde a 10% das células NK no sangue periférico, sendo fonte importante de
citocinas após o reconhecimento das células-alvo (65). Já as células CD56dim CD16+
correspondem a 90% das células NK no sangue periférico (66). O processo de
diferenciação das células NK pode ser caracterizado nas fases mais imaturas pela alta
expressão de CD56 em associação ao receptor inibitório NKG2A, sem a presença de
CD16, passando para o fenótipo mais diferenciado no qual há expressão de CD56 e
CD16 associado a CD57. À medida que as células NK se tornam mais diferenciadas,
perdem sua capacidade de replicação in vitro. Assim, células NK CD57+ têm baixa
capacidade de replicação e são menos responsivas a estímulo por IL-12 e IL-18 que as
células NK mais imaturas CD57- (67, 68).
CD57, também conhecido como HNK-1 ou Leu-7, é um glicoepítopo presente em
glicoproteínas de células do sistema nervoso, como por exemplo moléculas de adesão
(69). Em linfócitos, pode ser expresso por células T CD4+ ou CD8+ e por células NK,
e sua expressão indica senescência replicativa ou exaustão clonal, que se caracterizam
por alta susceptibilidade à morte celular, inabilidade de novos ciclos celulares, com
capacidade preservada de secreção de citocinas (70). Outro marcador de senescência
em linfócitos inclui a redução da expressão de CD28, porém a expressão de CD57 é
considerada mais sensível que os demais marcadores para identificar células com
7
instabilidade proliferativa (71, 72). A expressão de CD57 se correlaciona diretamente
com o número de divisões celulares e inversamente com o comprimento do telômero,
e assim denota células que sofreram maior número de divisões (70).
As células senescentes, que expressam CD57, podem se acumular em diversas
condições patológicas (69). O acúmulo dessas células, apesar de sua baixa capacidade
replicativa, é possível através da alteração de mecanismos de apoptose (72). Células
CD57+ são mais sensíveis a apoptose espontânea in vitro que células CD57-, por
expressarem Fas/ Fas ligante, porém em condições como a infecção por HIV há
redução da apoptose concomitante ao aumento de expressão de CD57 (73). A
expressão de receptores inibitórios de NK, como NKG2A, poderia justificar a redução
da susceptibilidade das células CD57+ à apoptose, por induzir ao aumento da
produção da molécula anti-apoptótica Bcl-2 (74, 75).
O conceito de que as células NK participam apenas da resposta imune inata está
atualmente em questionamento devido a relatos iniciais de memória em células NK
(76). Foi demonstrada expansão clonal de células NK após infecção viral por
citomegalovírus (CMV) em camundongos e humanos, e após exposição a haptenos
químicos na dermatite de contato alérgica (62, 77, 78). Estas células NK previamente
sensibilizadas ao antígeno possuem características de memória, como vida média
aumentada e capacidade de mediar respostas imunes secundárias (53). Na infecção
murina por CMV, há expansão clonal de células NK que expressam o marcador
Ly49H, que se liga de forma específica à molécula m157 presente em células
dendríticas infectadas por CMV. Após o período de expansão clonal, estas células NK
Ly49H+ passam por fase de contração e são capazes de nova resposta nas re-
exposições ao vírus (78). Na infecção humana por CMV, observa-se expansão clonal
de células NK que expressam NKG2C, o que poderia indicar mecanismo de memória,
porém o ligante viral ainda não foi identificado (62). As células NK NKG2C+ que
expandem após infecção por CMV adquirem CD57 progressivamente e em maior
magnitude que células NKG2C-, o que poderia denotar que CD57 seria um marcador
de células NK que foram levadas a expansão clonal após encontro com patógenos (79,
80). A resposta de memória em células NK está associada a estimulação com
combinações de IL-12, IL-15 e IL-18, e células NK pré-ativadas com essas citocinas
exibem produções significativamente maiores de IFN-# em relação àquelas que não
sofreram pré-ativação (81). O fenótipo associado à maior produção de IFN-# após a
8
pré-ativação in vitro incluiu expressão de CD94, NKG2A, NKp46 e CD69, associado
à baixa expressão de KIR e CD57 (81).
1.3.1.2.2 Células NK na psoríase
A ação das células NK na patogênese da psoríase é ainda pouco estudada. Células NK
são pouco encontradas na pele normal de indivíduos sadios (82). Na pele lesional de
pacientes com psoríase, células NK foram demonstradas na junção dermo-epidérmica,
e poderiam agir sem sensibilização prévia, através da liberação de IFN-# e, em
conjunto com células dendríticas plasmocitóides e mielóides, contribuir para as etapas
iniciais do processo de formação das placas (83, 84). Células dendríticas mielóides
presentes na psoríase podem contribuir para a ativação de células NK através da
secreção de citocinas, especialmente IL-12, potente ativador da produção de IFN-#
por células NK (85), e IL-23, que além de determinar a diferenciação de células T
CD4+ em Th-17, age sobre células NK induzindo a produção de IL-22, citocina
também implicada na patogênese da psoríase (86).
Células NK já foram isoladas na pele lesional na psoríase, e correspondem a 5-8% das
células encontradas no infiltrado inflamatório local (84). Essas células pertenciam
principalmente ao subtipo CD56bright, correpondendo a células NK mais imaturas
com maior capacidade de secreção de citocinas, e expressavam o marcador de
ativação CD69. Os sobrenadantes destas células estimuladas por IL-2 determinaram
nos queratinócitos a expressão de quimiocinas como CXCL10, CCL5 e CCL20, que
são responsáveis pela migração de células NK para a pele. Por sua vez, as células NK
presentes nas lesões de psoríase apresentaram alta expressão de CXCR3 e CCR5,
ligantes para CXCL10 e CCL5 respectivamente, e moderada expressão de CCR6,
ligante de CCL20, o que poderia justificar a migração destas células para a pele (84).
Os receptores CXCR3, CCR5 e CCR6 também foram implicados na migração de
células NK para a pele na dermatite de contato alérgica (87, 88).
O subtipo de células NK CD56dim CD16+ também pode migrar para a pele e outros
tecidos em momentos de inflamação. Esta migração, de maneira semelhante às células
dendríticas plasmocitóides, é guiada pela interação entre a quemerina e seu receptor,
Chem 23 ou CMKLR1, expresso por células NK CD56dim CD16+ (89). Na psoríase,
foi demonstrada a presença da quemerina na pele lesional, e foi também demonstrada
9
a migração de células NK CD56dim CD16+ isoladas de PBMCs em resposta à
quemerina (90).
Há controvérsias a respeito do comportamento das células NK presentes na circulação
nos pacientes com psoríase. Alguns estudos encontraram redução na frequência de
células NK CD56bright e CD56dim circulantes em pacientes com psoríase em relação
aos controles (83, 91), que poderia decorrer da migração preferencial destas células
para os tecidos inflamados, ou de uma menor sobrevivência destas células devido às
condições inflamatórias crônicas (91). Por outro lado, outros relatos encontraram
níveis normais de células NK circulantes em pacientes com psoríase e controles (88,
90, 92). Nas células NK circulantes de pacientes com psoríase, há aumento da
expressão do receptor Fas, que ao se ligar ao seu receptor Fas-ligante induz a
apoptose e aumento da produção de TNF-", citocina chave no processo inflamatório
na psoríase (92). Foi também descrita diminuição da expressão de NKG2A em
células NK e células T circulantes em casos de psoríase de início recente (até 1 ano de
história), enquanto em casos de psoríase crônica em placas foi evidenciado aumento
da expressão de NKG2A em células T (92, 93).
1.3.2 Imunidade Adaptativa
1.3.2.1 Células dendríticas mielóides e apresentação de antígeno
Após a ativação inicial das vias de imunidade inata, o IFN-" liberado pelas células
dendríticas plasmocitóides ativa outro subtipo de células dendríticas dérmicas,
conhecidas como células dendríticas mielóides. Nas lesões de psoríase há números
aumentados de células dendríticas mielóides, que ativam células T e têm capacidade
pró-inflamatória através da produção de TNF-" e óxido nítrico (94, 95). Células
dendríticas mielóides ativadas migram da pele para o linfonodo, para apresentar um
antígeno ainda não determinado para células T, levando à diferenciação das células
naïve a células efetoras, que são capazes de desempenhar citotoxicidade e produção
de citocinas (96). Na psoríase, a diferenciação se dá para células CD4+ T helper
subtipos 1 e 17 (Th-1 e Th-17, respectivamente), e para células CD8+ T citotóxicas
subtipos 1 e 17 (Tc-1 e Tc-17, respectivamente) (97).
10
A pesquisa do antígeno que desencadeia o processo imune na psoríase levou a
diversas hipóteses, ainda sem resultados conclusivos. Algumas evidências apontam
para a hipótese de mimetismo molecular, através do qual peptídeos derivados de
patógenos, com similaridades a antígenos próprios, ativam células T ou B auto-
reativas (98).
A psoríase, em especial a forma gutata, pode ser desencadeada após infecções
estreptocócicas. Especula-se se superantígenos possam estar envolvidos nesse
processo. SPE-C (exotoxina do Streptococcus pyogenes tipo C), que é produzida por
cepas de estreptococos isoladas de culturas de secreção faríngea de pacientes com a
forma gutata da psoríase, induz a expansão de células T V$2+, que ao serem ativadas
podem expressar o marcador CLA ( cutaneous lymphocyte-associated antigen),
responsável pela migração para a pele e indução de lesões (99, 100). A partir daí, até
70% dos pacientes com lesões de psoríase em gotas podem evoluir para a psoríase
vulgar (101). Isto se deve à permanência de células T ativadas na pele, por mimetismo
molecular, através de homologias entre sequências da proteína M estreptocócica e a
queratina tipo 1 (102). Superantígenos estafilocócicos como SEB (enterotoxina
estafilocócica B) também podem participar da psoríase: sua presença está associada a
apresentações clínicas mais graves da doença (103).
1.3.2.2 Células T residentes no tecido
Na primeira exposição a patógenos ou antígenos presentes na pele, as células
dendríticas migram para os linfonodos, onde apresentam o antígeno a células T naïve,
que se diferenciam em células T de memória efetoras, com função de migração para a
pele para combate ao antígeno, e células de memória central, que serão ativadas nas
exposições subsequentes ao mesmo antígeno (104). As células T de memória efetora
que migram para a pele são encontradas em maior concentração no local de exposição
ao antígeno, mas estão presentes em toda a superfície cutânea (105).
Essas células T de memória efetoras residem no tecido, não entram em circulação e
ficam presentes na pele, preparadas como primeira linha de defesa na exposição a
antígenos. Assim, a resposta imune cutânea na re-exposição ao antígeno ocorre
através de três mecanismos. Primeiramente, células T de memória efetoras residentes
na pele iniciam a resposta diretamente. Além disso, há também o recrutamento de
11
células T circulantes, que migram para a pele através do aumento de expressão de
receptores de adesão vasculares durante a inflamação. Por fim, ocorre a migração de
células dendríticas apresentadoras de antígeno para o linfonodo, onde há novo
estímulo para a proliferação de células T de memória central, gerando células T de
memória efetoras que migrarão para a pele e contribuirão para a resposta imune (104).
Estes conceitos foram demonstrados através de experimentos nos quais se
transplantou pele não-afetada de pacientes com psoríase a camundongos
imunodeficientes, e se observou a presença de placas psoriáticas típicas, enquanto o
transplante de pele normal de indivíduos controles não induziu a formação das lesões
(106). O desenvolvimento de placas psoriáticas foi dependente da ativação e
proliferação de células T residentes no tecido, presentes mesmo na pele não-afetada,
que foram estimuladas a entrar em atividade no local por IFN-" produzido por células
dendríticas plasmocitóides em reação ao trauma do transplante (107).
As células T CD4+ e CD8+ presentes nas lesões de psoríase apresentam fenótipo
compatível com memória, por apresentarem a expressão do receptor CD45RO (108).
Há expansão seletiva de células T com a mesma especificidade antigênica,
caracterizando populações oligoclonais, caracterizadas por aumento da expressão de
genes das subfamílias V$2 e V$6 do TCR, o que sugere que estas células respondem
a um mesmo antígeno ainda não identificado (109). Outros estudos que falam a favor
da oligoclonalidade das células T nas lesões de psoríase identificaram restrição no
tamanho de subfamílias V$ da região complementar determinante 3 (CDR3) do TCR,
associadas à expansão oligoclonal de subfamílias V$ distintas em cada paciente, o
que sugere que para cada paciente um antígeno específico é responsável pela ativação
das células T levando às lesões de psoríase (110).
1.3.2.3 Células T CD4+: Th-1 e Th-17
A psoríase, assim como outras afecções auto-imunes, foi inicialmente classificada
como doença mediada por resposta Th-1, pois há nas lesões grande produção de IFN-
#, IL-2 e TNF-", citocinas classicamente caracterizadas como participantes do
espectro Th-1 (111, 112). As células T CD4+ naive se diferenciam em células Th-1
quando estimuladas por IL-12, e passam a expressar as quimiocinas CXCR3, CCR5,
CXCR6, que direcionam seu padrão migratório (113). A presença de IFN-# no
12
ambiente inflamatório da psoríase leva à expressão aumentada de CXCL9, CXCL10 e
CXCL11 por queratinócitos, que interagem com o receptor CXCR3 presente em
células Th-1 determinando sua migração para as lesões (114).
Mais recentemente, múltiplas evidências enfatizam a importância de outro subgrupo
de células T CD4+, as células Th-17, na patogênese da psoríase. Após a migração de
células dendríticas mielóides da pele para o linfonodo, estas passam a produzir IL-23,
que também é produzida por queratinócitos, e participa da diferenciação e
proliferação de células Th-17 (115, 116). Além de IL-23, outras citocinas como TGF-
$1, IL-6 e IL-21 são necessárias para a diferenciação de células T CD4+ naïve para
Th-17 (117). A presença de níveis elevados de IL-23 e IL-17 em lesões de psoríase,
além da associação de genes relacionados ao receptor de IL-23 com psoríase, apontam
a relevância do eixo IL-23/ Th-17 na patogênese da doença (113).
As células Th-17 são estimuladas por IL-23 e podem ser caracterizadas pela expressão
de CCR6, CCR4, IL-23R e CD161 (118-120). Produzem IL-17A, IL-17F além de
outras citocinas como IL-22 e IL-26 (121). IL-17 está implicada na psoríase, já que os
níveis de RNA-mensageiro de IL-17 estão aumentados na pele lesional de pacientes
com psoríase em relação aos controles (97). A presença de IL-17 contribui para a
liberação de citocinas inflamatórias por queratinócitos, induz angiogênese e expressão
de peptídeos antimicrobianos, e leva à expressão de quimiocinas como CCL20,
CXCL1, CXCL3 e outras, que contribuem para a migração de neutrófilos para a pele
(97, 114, 121). Estudos clínicos recentes com anticorpos monoclonais que bloqueiam
especificamente a IL-17 (ixekizumab) ou o seu receptor (brodalumab) encontram-se
em fase 2 de experimentação clínica com resultados promissores, o que ressalta a
importância desta citocina na patogênese da doença (122, 123).
Outra citocina relevante para a psoríase é a IL-22, que também pode ser produzida por
células T CD4+ Th-17 ou por células T CD8+ (124, 125). IL-22 tem efeitos anti-
apoptóticos e indutores de proliferação através da via Stat-3 (126). Seus efeitos na
psoríase incluem a indução de proliferação de queratinócitos, através da diminuição
da expressão de genes de diferenciação como queratina 1 e filagrina (114). IL-22 pode
também induzir peptídeos anti-microbianos como beta-defensinas (127). Na psoríase
a expressão de RNA-mensageiro de IL-22 está aumentada na pele lesional e níveis
séricos de IL-22 são correlacionados à gravidade da doença (120, 128). O subgrupo
13
de células T CD4+ que produzem IL-22 mas não produzem IL-17 foram denominadas
Th-22, e podem também participar da patogênese da psoríase (129).
As células T CD4+ podem também produzir IL-21, cuja expressão está aumentada na
pele lesional de pacientes com psoríase (130). A IL-21 pode também ser produzida
por células NKT, e níveis séricos elevados de IL-21 estão associados com a gravidade
da psoríase (130, 131). O receptor de IL-21 é expresso por queratinócitos, células T e
B, e também por células NK. Assim, IL-21 poderia contribuir para a ativação desses
outros grupos celulares na psoríase (130).
Outras citocinas possivelmente implicadas na patogênese da psoríase são IL-27,
produzida por células apresentadoras de antígeno, e IL-33, produzida principalmente
por células endoteliais (132, 133). Pacientes com psoríase apresentam aumento dos
níveis séricos de IL-27 em relação a controles sadios, que se correlacionam com a
gravidade da doença, e IL-27 induz diferenciação Th-1 enquanto suprime
diferenciação Th-2 e Th-17 (132). A expressão de mRNA de IL-33 está aumentada na
pele lesional e não afetada de pacientes com psoríase, e poderia estimular mastócitos
localmente (133).
1.3.2.4 Células T CD8+: Tc-1 e Tc17
Células T CD8+ localizam-se preferencialmente na epiderme e derme papilar de
pacientes com psoríase (134). A migração das células T CD8+ da derme para a
epiderme depende da interação entre a integrina "1-$1, presente nas células T e o
colágeno tipo IV, presente na membrana basal, e é considerada evento chave na
patogênese da psoríase (1). Células T CD8+ presentes na epiderme podem contribuir
para a patogênese da psoríase através do reconhecimento de antígenos próprios ou
externos presentes localmente, com contribuição para o processo inflamatório (125).
Células T CD8+ que expressam IL-17 estão presentes em número aumentado nas
lesões de psoríase, e produzem TNF-", IFN-#, IL-22 e IL-21 (125, 135). Células T
CD8+ IL-17+, denominadas Tc-17, têm características fenotípicas e funcionais
semelhantes às células Th-17, enquanto células T CD8+ IL-17- são mais semelhantes
às células Th-1 (135). Foi também demonstrada em frequência aumentada nas lesões
de psoríase a presença de células T CD8+ que expressam IL-22 (125).
14
As células T CD8+ podem apresentar expressão de marcadores específicos que
denotam exaustão clonal e estimulação antigênica crônica. Após múltiplas divisões
celulares, as células tornam-se incapazes de manter as mitoses, e passam a expressar
CD57 (69). Células T CD8+ expressam CD57 em diversas condições de ativação
imunológica crônica, como infecções virais, doenças inflamatórias e malignidades,
além de aumentarem após exercício físico intenso e no processo natural de
envelhecimento (136-140). Apesar de não serem capazes de proliferação e terem
sobrevivência limitada, as células T CD8+CD57+ mantêm sua capacidade citotóxica,
já que apresentam aumento da expressão de genes de citotoxicidade, como perforina,
granulolisina e granzima B, além de serem capazes de alta produção de IFN-# e TNF-
" após estimulação, sendo possivelmente destinadas a migrar para tecidos não-
linfóides (69, 70, 141, 142). Estas características determinam a senescência replicativa
que ocorre em condições de ativação celular crônica, como a infecção pelo HIV (70).
Alteração dos mecanismos de apoptose poderia justificar a expansão dessas células
CD57+ em condições de estimulação antigênica crônica. A heat shock protein 27
(HSP-27) é proteína protetora contra o estresse celular, e sua produção está diminuída
em células CD8+CD57+ em relação às células CD8+CD57-. Esta diminuição de
HSP-27 em linfócitos mais maduros poderia justificar o aumento de susceptibilidade
dessas células à morte celular induzida por ativação, um dos mecanismos clássicos de
apoptose (72). A presença e função de células T CD8+ CD57+ na psoríase não é bem
conhecida.
A figura 1.1 sintetiza os diversos mecanismos que convergem para a patogênese da
psoríase.
15
Predisposição Genética
HLA-C
IL-23R
Queratinócitos
IL-12B
lesados liberam
CCR6
Migração de
CARD14
catelicidina
CCR4
neutrófilos
(LL37) + IL-6 +
IL-17
Diferenciação
TNF-α + IL-1β
Th-17/Tc-17
CLA
IL-22
IL-23
Proliferação e
Complexos LL37/DNA
diminuição de
Fatores Desencadeantes
ou RNA próprio
Células
diferenciação de
Estresse
dendríticas
queratinócitos
Microorganismos
mielóides
Drogas
apresentam
Álcool