Efeito da analgesia obstétrica combinada raqui-peridural no tônus uterino e na frequência cardíaca.. por Karen Cristine Abrão - Versão HTML
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K A R E N C R I S T I N E A B R Ã O
Efeito da analgesia obstétrica combinada raqui-peridural no
tônus uterino e na freqüência cardíaca fetal:
ensaio clínico randomizado comparativo
com a analgesia peridural
Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de Doutor em
Ciências
Área de Concentração: Obstetrícia e Ginecologia
Orientadora: Dra Rossana Pulcineli Vieira Francisco
S Ã O P A U L O
2 0 0 8
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Este trabalho deve muito a algumas pessoas, às quais quero agradecer especialmente:
Ao Professor Marcelo Zugaib, digníssimo Professor Titular de Obstetrícia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pela oportunidade, confiança e
incentivo para a concretização deste trabalho.
À minha orientadora, Dra. Rossana Pulcineli Vieira Francisco: orgulho-me muito
de ter sido merecedora de sua confiança. Seu caráter, competência profissional e
equilíbrio emocional são exemplos admiráveis.
À toda a equipe do Serviço de Obstetrícia do Hospital Universitário da
Universidade de São Paulo: médicos, enfermeiras, auxiliares de enfermagem e
secretárias, não apenas pelo grande empenho na execução desse laborioso projeto,
mas também pelos ensinamentos de obstetrícia, que certamente me acompanharão
por toda a carreira obstétrica.
À equipe de Anestesiologia do Hospital Universitário da USP, em especial aos
doutores Domingos Dias Cicarel i e Elke Frerichs pela valiosa contribuição tanto no
planejamento do presente estudo, quanto na sua execução. Um projeto interdisciplinar
como este não seria possível sem o comprometimento que todos tiveram.
Ao doutor Carlos Alberto Maganha, pelo constante incentivo e estímulo nos
momentos mais difíceis deste trabalho. Agradeço, sinceramente, por sua amizade.
AGRADECIMENTOS
Aos Professores Maria de Lourdes Brizot e Roberto Eduardo Bittar e aos
doutores Eduardo Sérgio Valério Borges da Fonseca, Mário Henrique
Burlacchini de Carvalho e Mário Macoto Kondo, pelas excelentes sugestões
oferecidas durante o exame de qualificação.
Às amigas, Cristiane Ortigosa, Fernanda Valentim Telles e Carolina Guedes
por compartilharem comigo os momentos tristes e felizes da minha vida. Sei que posso
sempre contar com vocês.
À Sra. Inêz Muras Fuentes Jazra, secretária da pós-graduação, pela disponibilidade
em sempre descomplicar a vida dos pós-graduandos.
Ao Sr. Alan Garcia da Silva, pela competência e determinação na realização de um
subprojeto desta tese em conjunto com o Departamento de Ciência da Computação da
USP.
À CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -
pelo suporte financeiro.
À minha família, pelo carinho e apoio incondicional, suportando a distância e sempre
me incentivando a buscar meus sonhos. A vocês, dedico esta tese.
À minha segunda família paulistana, Olinda e José Costenaro, que me desde meus
primeiros dias em São Paulo me acolheram, tornando a saudade da família distante
mais fácil de suportar.
A Felipe Imianoski, por tornar minha vida mais leve e me fazer ver o mundo com
novos olhos, todos os dias.
Às pacientes acompanhadas no presente estudo, pela confiança depositada e pela
contribuição prestada ao avanço do conhecimento obstétrico.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.
SUMÁRIO
Página
Lista de Abreviaturas e Siglas
1 Introdução ......................................................................... 1
2 Proposição ........................................................................ 7
3 Revisão da Literatura........................................................... 9
4 Casuística e Método ........................................................... 20
5 Resultados ......................................................................... 44
6 Conclusões ......................................................................... 75
7 Anexos ............................................................................. 78
8 Referências Bibliográficas .................................................. 86
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FCF
freqüência cardíaca fetal
CTG
cardiotocografia fetal intraparto
PIU
pressão intra-uterina
DB
duplo bloqueio – analgesia combinada raqui-peridural
EAV
escala analógica visual de dor
IG
idade gestacional
RN
recém-nascido
et al.
e outros
DP
desvio-padrão
mmHg
milímetros de mercúrio
bpm
batimentos por minuto
cm
centímetro(s)
cm/h
centímetro(s) por hora
min
minuto(s)
s
segundo(s)
h
hora(s)
mU/min
miliunidade(s) por minuto
mg
miligrama(s)
mcg
micrograma(s)
Δ
“delta” - diferença finita entre dois valores de grandeza
>
maior
≥
maior ou igual
<
menor
≤
menor ou igual
NNH
“number needed to harm”
HC-FMUSP
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo
RESUMO
ABRÃO, K.C. Efeito da analgesia obstétrica combinada raqui-peridural no
tônus uterino e na freqüência cardíaca fetal: ensaio clínico randomizado
comparativo com a analgesia peridural [tese].São Paulo: Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo; 2008. 90p.
A fim de investigar a associação entre alterações do tônus uterino e a ocorrência de
anormalidades da freqüência cardíaca fetal (FCF) após analgesia obstétrica, em especial
após o bloqueio combinado raqui-peridural, foi conduzido estudo prospectivo randomizado
e encoberto, com setenta e sete parturientes que solicitaram analgesia regional durante o
trabalho de parto. As pacientes do grupo estudo (41 casos) receberam duplo bloqueio com
sufentanil e bupivacaína e as do grupo controle (36 casos) foram submetidas à peridural
com as mesmas drogas. Monitorizou-se o tônus uterino por meio de cateter intra-
amniótico de aferição da pressão intra-uterina e a freqüência cardíaca fetal durante 15
minutos antes e 30 minutos após a indução da analgesia. Pesquisaram-se os seguintes
desfechos após a administração da analgesia: ocorrência de aumento do tônus uterino
superior ou igual a 10mmHg em relação aos valores pré-analgesia e presença de
desacelerações prolongadas da FCF ou bradicardia. Foram ainda quantificados os escores
maternos de dor, a pressão arterial materna e o uso de ocitocina, antes e após o bloqueio.
Observou-se associação significativa tanto do aumento de tônus uterino quanto das
alterações da FCF com a analgesia combinada, nos primeiros 15 minutos após sua
administração. O aumento de tônus foi encontrado em 17 de 41 casos no grupo estudo e
em 6 de 36 pacientes nos controles (p=0,02). Alterações da FCF foram vistas em 11 dos
17 casos de aumento de tônus nas parturientes que receberam analgesia combinada,
versus 1 de 6 no grupo peridural (p<0,001) A análise de regressão logística apontou o tipo
de analgesia como fator independentemente associado ao aumento de tônus uterino,
mesmo inserindo-se o uso de ocitocina como covariável. Também revelou o aumento de
tônus como único fator independentemente associado ao desenvolvimento de
anormalidades da FCF, mesmo com a hipotensão materna como covariável. Demonstrou-
se ainda correlação entre o rápido declínio da dor com a técnica combinada e a
probabilidade estimada de ocorrência simultânea de aumento do tônus e alterações da
FCF. Os presentes achados reforçam a teoria de que o duplo bloqueio pode levar a
aumento transitório de tônus uterino e culminar em anormalidades da FCF.
Descritores: 1. Monitorização uterina 2. Monitorização fetal 3. Analgesia obstétrica
4. Contração uterina 5. Trabalho de parto 6. Analgesia epidural
SUMMARY
ABRÃO, K.C. The effect of combined spinal-epidural labor analgesia on uterine
tone and fetal heart rate: randomized comparison with epidural analgesia
[thesis]. São Paulo:” Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo”; 2008. 90p
In order to investigate the association between uterine tone elevation and fetal
heart rate (FHR) abnormalities fol owing labor analgesia - mainly with combined spinal-
epidural (CSE) technique - a prospective double-blinded randomized study was conducted
with seventy seven parturients who requested labor analgesia. Study group (41 cases)
received CSE with sufentanil and bupivacaine and control group (36 cases) received
epidural analgesia with the same drugs. Intra-uterine pressure was monitored with intra-
amniotic pressure device and FHR with external transducer, both for at least 15 minutes
before and 30 minutes after analgesia induction. The primary outcomes were the
occurrence of an elevation of 10mmHg or more on uterine tone compared to the values
before analgesia and the presence of prolonged fetal heart rate decelerations or fetal
bradycardia. Maternal pain scores, blood pressure and use of oxytocin were also
computed. A significant association was noticed between elevation of uterine tone and
fetal heart rate abnormalities with combined spinal-epidural analgesia, at the first 15
minutes of administration. Uterine tone elevation was observed in 17 out of 41 CSE
subjects and only 6 out of 36 controls (p=0.02). Fetal heart rate abnormalities were seen
in 11 out of 17 cases that had hypertonus with combined analgesia and in only one of the
6 epidural patients (p<0.001). Logistic regression analysis revealed the mode of analgesia
as the independent factor for the elevation of uterine tone, even with oxytocin use as a
covariate. It also pointed out the uterine tone elevation as the only independent factor
related to the development of fetal heart rate abnormalities, even with maternal
hipotension as a covariate. A correlation was found between the fast onset pain relief
provided by CSE analgesia and the estimated probability of uterine tone elevation and
simultaneous fetal heart rate abnormalities. The present results strengthen the hypothesis
that CSE analgesia can lead to a transient increase in uterine tone, leading to fetal
bradycardia.
Descriptors: 1. Uterine monitoring 2. Fetal monitoring 3. Obstetrical analgesia
4. Uterine contraction 5. Obstetric labor 6. Epidural analgesia
INTRODUÇÃO
1
A introdução da analgesia para o alívio da dor do parto é certamente um
dos marcos na evolução da prática obstétrica.
Em 1847, o obstetra escocês James Simpson utilizou a inalação de éter
para minimizar a dor do parto, inaugurando uma nova modalidade de assistência às
parturientes. Em 1900, James Oscar Kreiss foi o primeiro obstetra a administrar um
anestésico pela via raquidiana - a cocaína - para o alívio da dor em parturientes com
dilatação cervical completa[1].
Por várias décadas, no entanto, evitou-se o uso das técnicas neuraxiais em
pacientes obstétricas, devido à alta incidência de efeitos colaterais como cefaléias
pós-punção e vômitos. Tal entrave só foi solucionado no final da década de 1970,
com o advento das agulhas atraumáticas em ponta-de-lápis, fazendo com que as
técnicas de bloqueio regional se popularizassem ao redor do mundo, em especial a
técnica peridural[2].
_________________________________________________________________ 1
_________________________________________________________ Introdução
Estima-se que atualmente, nos Estados Unidos (EUA), mais de 50% das
parturientes recebam algum tipo de analgesia regional durante o trabalho de parto,
com alguns centros referindo taxas superiores a 80% [3]. O Brasil não possui
estatísticas disponíveis a esse respeito, no entanto, pelo aumento de publicações
sobre analgesia obstétrica na última década, pode-se inferir que está também
difundida no país [4-6]. No Serviço de Obstetrícia do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), nos anos de
2001 a 2003, 77% das parturientes deram à luz sob analgesia de condução[7].
A técnica de analgesia combinada raqui-peridural, também conhecida
como duplo bloqueio foi relatada pela primeira vez em 1981 por Baraka et al.,
entretanto, durante a década de 1980 o método permaneceu com rara utilização
até 1989, quando Bárbara Leighton et al. na Filadélfia resgataram o bloqueio
combinado na tentativa de contornar as limitações técnicas da analgesia peridural:
o tempo para alívio da dor e bloqueio motor. Os autores propuseram a utilização de
narcóticos intratecais para promover alívio rápido, profundo e prolongado da
analgesia [8, 9].
A analgesia combinada rapidamente se popularizou entre médicos e
pacientes, devido à qualidade e rapidez do alívio da dor proporcionada além da
redução no bloqueio motor, permitindo inclusive a deambulação durante o trabalho
de parto [10]. Muitos centros a adotaram nos Estados Unidos (EUA), seguidos de
serviços no mundo todo, inclusive no Brasil [11-15]. Alguns autores consideram a
técnica combinada como de escolha quando a analgesia é iniciada na segunda fase
do trabalho de parto e necessita ser rápida, uma vez que em menos de cinco
________________________________________________________________
2
_________________________________________________________ Introdução
minutos atinge-se grande alívio da dor, mesmo em mulheres com dilatação cervical
completa [16].
No HC-FMUSP, nos anos de 2001 a 2003, o duplo bloqueio foi o tipo de
analgesia obstétrica mais utilizada durante o trabalho de parto, respondendo por
37% dos casos que receberam analgesia de bloqueio regional e ultrapassando a
tradicional peridural, que foi empregada em apenas 15% dos casos. Vinte e cinco
porcento das parturientes receberam analgesia espinhal exclusiva para o período
expulsivo e 23% outros tipos de analgesia, incluindo opióides intravenosos ou
bloqueio anestésico perineal [17].
Outro marco na evolução da prática obstétrica foi o estudo da fisiologia do
trabalho de parto, a qual, até o momento, não é completamente elucidada. As
décadas de 1940 a 1960 foram décadas de ouro para o conhecimento da fisiologia
do trabalho de parto, com especial atenção para a contratilidade uterina. Ilustres
autores, como Roberto Caldeyro-Barcia, Hermogenes Alvarez, Juan Poseiro e Arpad
Csapo, lançaram os fundamentos da compreensão da contratilidade uterina durante
a parturição [18-20]. A curva de cervicodilatação, proposta por Emanuel Friedman,
com seus estudos sobre a progressão do trabalho de parto levou à introdução dos
partogramas para controle clínico obstétrico de maneira mais objetiva, e hoje tais
condutas estão difundidas no mundo todo[21]. Antes da divulgação desses
conhecimentos, a condução do trabalho de parto era baseada em dados subjetivos
e executada de maneira empírica.
A memorável contribuição desses autores é aplicada na condução do parto
até os dias de hoje. No entanto, o manejo do trabalho de parto nos dias atuais,
________________________________________________________________
3
_________________________________________________________ Introdução
muito se modificou em relação àquela época, por vários motivos[22]. A utilização de
ocitócicos era pouco freqüente e hoje acontece em aproximadamente 30 a 40% dos
partos. As mulheres tinham menores índices de massa corpórea e os fetos, menor
peso de nascimento, conforme constatam Lu et al. [23]. A monitoração fetal
intraparto era precária, enquanto hoje, muitas vezes por motivos médico-legais,
emprega-se com freqüência a monitoração contínua. As indicações de cesarianas
eram menos liberais e as mulheres mais motivadas para os partos vaginais. A
analgesia de parto engatinhava e atualmente é de ampla utilização. Todo esse
cenário faz refletir se a condução do parto, embasada nos prévios conhecimentos
da fisiologia da atividade uterina e da resposta fisiológica fetal ao trabalho de parto,
mantém-se adequada na atualidade. Recentes, embora escassos, estudos têm
mostrado indícios que o padrão de progressão do trabalho de parto com práticas
contemporâneas difere significativamente da curva de Friedman[22]. Esses dados
sugerem que as bases fisiopatológicas do trabalho de parto merecem ser revistas à
luz dos recursos da obstetrícia moderna.
Um dos pontos que merece ser esclarecido é a segurança da analgesia
combinada em relação a um dos efeitos adversos dessa técnica relatado na
literatura: a associação com alterações da freqüência cardíaca fetal (FCF), e o papel
que desempenha a contratilidade uterina, em especial o tônus uterino no
desenvolvimento dessas alterações.
No início da década de 1990, logo após as primeiras divulgações da
utilização da técnica combinada durante o trabalho, começaram a surgir relatos de
sua associação com alterações da freqüência cardíaca fetal. O primeiro deles, em
1992, na Filadélfia (EUA) constatou ocorrência de desacelerações após injeção
________________________________________________________________
4
_________________________________________________________ Introdução
intratecal opióides (meperidina, fentanil ou sufentanil), não associados ao uso de
anestésicos locais em 60 parturientes. No grupo que recebeu fentanil foram
observadas desacelerações variáveis em 10 de 20 pacientes e desacelerações
tardias em 2/20 e no grupo sufentanil 9/20 e 4/20, respectivamente. Não foi
relatado prejuízo neonatal em nenhum dos grupos de acordo com os índices de
Apgar e valores da gasometria do cordão umbilical[24].
No ano seguinte, Cohen et al. realizaram estudo retrospectivo de 73
parturientes submetidas ao bloqueio combinado com 10mcg de sufentanil
subaracnóide, no qual foram observados onze casos (15%) de alterações da FCF
que incluíam desacelerações variáveis, bradicardia e diminuição da variabilidade da
linha de base. Os autores consideraram esses dados como potencialmente
preocupantes, no entanto observaram que não estavam acompanhados de
resultados neonatais adversos. Para explicar a ocorrência de tais alterações,
sugeriram que o rápido declínio da dor com a nova técnica pudesse levar a
desbalanço na atividade simpática e assim alterar o tônus uterino, devido ao
predomínio da atividade uterotônica sobre a uterolítica[25].
A hipótese lançada por Cohen foi reiterada por Clarke et al., em 1994, que
observaram nove casos de desacelerações prolongadas ou bradicardia em 30
parturientes consecutivas submetidas a bloqueio combinado com injeção intratecal
de 50 mcg de fentanil. Cinco delas apresentaram hiperatividade uterina vista na
tocodinamometria externa, uma apresentou taquissistolia verificada por
monitoração interna com transdutor de pressão intrauterino e outra aumento clínico
do tônus observado à palpação manual do útero. Entre as pacientes relatadas pelo
grupo, foram realizadas duas cesáreas de emergência devido à persistência da
________________________________________________________________
5
_________________________________________________________ Introdução
bradicardia, sendo que um dos neonatos teve Apgar três no primeiro minuto, com
melhora no quinto minuto. Todos os outros recém-nascidos tiveram escores de
Apgar de quinto minuto acima de sete[26].
Diversos estudos, desde então, têm encontrado resultados variáveis, não
havendo dados consistentes que esclareçam a associação entre a bradicardia fetal
observada após a analgesia combinada e o aumento de tônus uterino[27-30]. De fato,
a contratilidade uterina após a analgesia de parto têm sido insuficientemente
estudado na literatura obstétrica[31].
A possível associação entre alterações da FCF após a analgesia combinada e
aumento do tônus uterino merece ser melhor estudada, para que a segurança da
técnica combinada seja confirmada e suas indicações bem estabelecidas. Para
tanto, propõe-se o presente estudo, com objetivo de avaliar prospectivamente a
contratilidade uterina, com enfoque no aumento de tônus uterino, e a ocorrência de
anormalidades da FCF antes e após a analgesia de duplo bloqueio, comparando-a
com a analgesia peridural.
________________________________________________________________
6
PROPOSIÇÃO
2
_____________________________________________________________Proposição
O presente estudo, que incluiu parturientes submetidas a analgesia de bloqueio
regional durante o trabalho de parto, teve por objetivo avaliar o tônus uterino, por meio
de tocodinamometria interna, antes e após a analgesia de parto com a técnica combinada
raqui-peridural, comparando-a de maneira randomizada com a técnica peridural, a fim de:
• Verificar se existe aumento no tônus uterino relacionado à analgesia de
bloqueio combinado raqui-peridural, em comparação à tradicional
peridural;
• Estudar se o aumento do tônus uterino está associado a anormalidades
da freqüência cardíaca fetal;
• Determinar se fatores maternos e o uso de ocitocina na condução do
trabalho de parto influenciam no tônus uterino e nas alterações da
freqüência cardíaca fetal após a analgesia de bloqueio.
___________________________________________________________________ 8
REVISÃO DA
LITERATURA
3
9
______________________________________________ Revisão da literatura
Apesar do reconhecido interesse da literatura por elucidar os efeitos da
analgesia obstétrica na fisiologia materna e fetal durante o trabalho de parto, há
grandes dificuldades para a realização de trabalhos metodologicamente adequados
durante esse delicado período. Isso explica a escassez de estudos e os resultados
controversos freqüentemente observados [5, 32].
Frente aos primeiros relatos de bradicardia fetal após analgesia combinada,
dúvidas pairaram sobre a real existência de associação com a técnica, uma vez que
desacelerações da FCF subseqüentes ao uso da analgesia de parto já haviam sido
relatadas após diversos tipos de analgesia de parto efetiva[33]. Vários estudos
prospectivos e retrospectivos realizados desde então, mostraram resultados
contraditórios, alguns encontrando maior associação entre a técnica e bradicardia
fetal e outros não[30].
Em 1996, Nielsen et al. apresentaram o primeiro estudo comparativo entre
a técnica peridural padrão e o duplo bloqueio com opióide intratecal,
especificamente em relação à incidência e significância clínica das alterações da
freqüência cardíaca fetal após a analgesia. Foram considerados como patológicos
traçados que apresentassem desacelerações prolongadas, bradicardia fetal ou mais
10
______________________________________________ Revisão da literatura
do que três desacelerações tardias consecutivas. Não foram observadas diferenças
estatisticamente significativas entre os dois grupos em relação à presença das
alterações citadas (21,5% no grupo opióide intratecal x 23,4% no grupo
peridural)[34]. Os resultados neonatais e a freqüência de contrações uterinas
observadas na tocodinamometria externa foram semelhantes entre os grupos.
Outros parâmetros da atividade uterina não foram avaliados[34].
Em 2002, foi publicada meta-análise sobre o assunto, combinando 24
estudos randomizados até o ano de 2001 que comparassem opióides intratecais
com ou sem anestésicos locais a outros regimes que não utilizassem opióides
intratecais como grupo controle. O objetivo do estudo foi identificar a incidência de
bradicardia fetal não relacionada à hipotensão materna, índices de cesárea por
alterações da cardiotocografia (CTG), tipo de parto, uso de ocitocina e escores de
Apgar. Um total de 2020 mulheres que receberam duplo bloqueio e 1493 controles
foram comparados. Quando os dados de todos os estudos foram combinados, a
incidência de bradicardia fetal foi significativamente aumentada no grupo dos
opióides intratecais, com odds ratio de 1,81 (95% CI 1,04 a 3,14). O “number
needed to harm (número necessário para um evento negativo)” foi de 28, o que
significa que para 28 parturientes recebendo analgesia um feto terá bradicardia
dentro de uma hora da injeção [30].
Essa meta-análise é a única até o momento sobre o assunto, entretanto a
aplicabilidade de seus resultados foi questionada pelos próprios autores, pois
compara grupos muito heterogêneos. O grupo de estudo incluiu pacientes que
receberam morfina intratecal, a qual apresenta características farmacológicas muito
diferentes do fentanil e sufentanil. Os controles incluíam anestésicos locais
11
______________________________________________ Revisão da literatura
diferentes e em doses diversas, usando técnica peridural e combinada, e em alguns
casos, opióides peridurais. Os conceitos utilizados para bradicardia não eram
descritos em todos os estudos e alguns não eram cegos.
Estudo retrospectivo, realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo em 2003, avaliou 52 parturientes
submetidas a analgesia de bloqueio combinado durante o trabalho de parto e
encontrou 17 casos de desacelerações prolongadas ou bradicardia fetal nos 30
minutos subseqüentes à analgesia, correspondendo a 33% dos casos. A avaliação
da tocodinamometria externa revelou aumento na freqüência das contrações
uterinas em 28 dos 52 casos estudados. Na grande maioria das parturientes, as
alterações foram transitórias e regrediram após manobras como a mudança de
decúbito, diminuição da infusão de ocitocina e oferta de oxigênio para a mãe[17, 35].
Algumas das primeiras comunicações de bradicardia fetal após analgesia
combinada referiram casos nos quais houve necessidade de cesárea de emergência,
todavia, os trabalhos subseqüentes têm sido unânimes em afirmar que a maioria
das alterações tem resolução espontânea, não sendo necessária a extração fetal
imediata[30]. Albright e Forster, em 1997, realizam análise retrospectiva de 1240
pacientes que receberam bloqueio combinado com sufentanil, comparando-as com
1140 gestantes que receberam analgesia sistêmica ou nenhuma analgesia. Não
houve diferença na incidência de cesáreas de emergência por suspeita de
sofrimento fetal entre os grupos (1,3% no grupo DB x 1,4% no grupo sem
analgesia). A incidência geral de alterações da FCF nos dois grupos não foi
apresentada[36].
12
______________________________________________ Revisão da literatura
Apenas Gambling et al. encontram significância estatística para maior taxa
de cesáreas de emergência associadas a traçados cardiotocográficos anormais, não
observando, no entanto, alterações no resultado neonatal quanto aos escores de
Apgar e gasometria do cordão umbilical. No entanto, os controles desse trabalho
receberam meperidina intravenosa[37].
A literatura tem sido ainda concordante em relação ao prognóstico neonatal
dos casos que apresentaram alterações da FCF após a analgesia. Não encontram-se
menores índices de Apgar ou pH de cordão umbilical entre os casos com bradicardia
fetal quando comparados com os casos que não evoluíram com tal alteração após a
analgesia[17, 28, 38].
No entanto, mesmo com resultados neonatais normais, há que se
considerar as desacelerações prolongadas da FCF como eventos geradores de
ansiedade na sala de parto para obstetras, anestesistas e pacientes, com isso, o
manejo inadequado dos casos pode levar a intervenções obstétricas de urgência
desnecessárias [36].
A busca por fatores que predisponham à ocorrência da bradicardia fetal
após o duplo bloqueio também não mostra dados consistentes. Palmer et al.
encontram a diminuição de variabilidade da FCF antes da analgesia como único
fator preditor de alterações da FCF após o bloqueio, sem específicidade para
bradicardia fetal[39].
Smiley refere que nas pacientes com patologias de base que apresentam
alterações da FCF após o bloqueio, estas demoram mais para recuperar-se que em
13
______________________________________________ Revisão da literatura
pacientes saudáveis, provavelmente pela menor reserva fetal[40] . No entanto, como
a maioria dos estudos inclui somente pacientes saudáveis, essa afirmação ainda não
pode ser comprovada.
Recente estudo avaliou fatores implicados na ocorrência de bradicardia
fetal após o bloqueio combinado em comparação com bloqueio peridural,
encontrando maiores escores maternos de dor e a idade materna como preditores
independentes da ocorrência de bradicardia. Tal estudo não avaliou a contratilidade
uterina nos grupos [41].
Várias hipóteses foram formuladas para explicar a maior incidência de
bradicardia fetal com a técnica de duplo bloqueio. No entanto, a resposta fetal e a
regulação da contratilidade uterina após a analgesia obstétrica ainda não são
completamente compreendidos [42].
A dor e ansiedade associadas ao trabalho de parto podem causar aumento
nos níveis plasmáticos maternos de catecolaminas. A adrenalina, via estímulo beta-
adrenérgico diminui a contratilidade uterina, enquanto a noradrenalina a aumenta,
via receptor alfa-adrenérgico. Um desarranjo do ajuste fino nas concentrações de
adrenalina e noradrenalina pode estar associado à incoordenação uterina, que pode
apresentar-se com curso protraído do trabalho de parto até o parto taquitócico [43].
Desta maneira, teoricamente, qualquer intervenção que alivie efetivamente a dor do
trabalho de parto pode interferir nas contrações. Os resultados da literatura sobre
essa afirmação são igualmente escassos e controversos[44]. Em relação à peridural,
observa-se que apesar da redução circulante de catecolaminas, a freqüência de
contrações permanece a mesma durante a primeira hora do bloqueio[45].
14
______________________________________________ Revisão da literatura
No bloqueio combinado, cujo início da analgesia é mais rápido, o nível
materno de agonistas beta-adrenérgicos pode cair muito rapidamente e levar a
predominância da atividade alfa-adrenérgica, com aumento das contrações uterinas,
hipertonia e diminuição do fluxo sangüíneo placentário. O feto, assim submetido a
um teste de estresse, poderia exibir desacelerações da FC.
Dados experimentais de 24 pacientes que receberam fentanil subaracnóideo
ou lidocaína peridural mostraram queda nos níveis de adrenalina maternos, com
pouca alteração nos níveis de noradrenalina. As concentrações de adrenalina caíram
45% em relação aos níveis basais no grupo intratecal nos primeiros cinco minutos
da analgesia, em comparação com apenas 24% no grupo que recebeu peridural
com anestésico local. A diferença entre os grupos desapareceu por volta do
trigésimo minuto após a analgesia, com queda de 52% e 51% dos valores basais de
adrenalina nos respectivos grupos[46-48].
A hiperatividade uterina é reconhecida como fator que pode levar alterações
cardiográficas fetais, sofrimento fetal e resultados neonatais adversos. O aumento
da contratilidade uterina, aferido por tocodinamometria interna durante a primeira e
segunda fase do trabalho de parto, está associado com maior incidência de acidose
ao nascimento[49].
Apesar do mecanismo fisiopatológico para explicar a bradicardia fetal ser
bastante plausível, pode não ser o único a explicar a ocorrência de tal alteração.
Nos estudos relatados, a hiperatividade uterina esteve presente em metade a dois
terços dos casos de desacelerações que ocorreram após a analgesia de bloqueio[33].
15
______________________________________________ Revisão da literatura
No entanto, não se pode determinar nesses estudos, se os casos restantes
apresentavam alterações não diagnosticadas da contratilidade uterina devido à
metodologia imprecisa empregada ou se outros fatores estiveram envolvidos na
etiologia das desacelerações.
Além da hiperatividade uterina, outros mecanismos cogitados para explicar
as anormalidades cardiotocográficas observadas após a analgesia combinada no
trabalho de parto foram: descida rápida da apresentação fetal devido à combinação
do estímulo uterino e relaxamento perineal, hipotensão arterial materna e
redistribuição do débito cardíaco ou mesmo efeitos fetais diretos ainda
desconhecidos das drogas utilizadas na analgesia [36, 50]. Também o uso da ocitocina
foi aventado como causador de anormalidades cardiotocográficas, uma vez que
freqüentemente ela é utilizada junto com a analgesia de parto[51].
Apesar de muitos autores terem se preocupado com as desacelerações da
FCF após a analgesia, a avaliação concomitante da atividade uterina foi estudada
por poucos. Riley et al., em 1999, apresentam 196 casos avaliados
prospectivamente, comparando-se a peridural (98 casos) com o bloqueio combinado
(98 casos). O primeiro grupo utilizou bupivacaína 12,5 mg + sufentanil 10mcg e
segundo grupo recebeu 2,5mg de bupivacaína e 5 a 10 mcg de sufentanil.
Bradicardia fetal ocorreu em 5% do grupo peridural contra 17% do grupo duplo
bloqueio (p<0,05) e hipertonia uterina em 3% e 11%, respectivamente. A avaliação
da hipertonia foi feita pela observação clínica[52, 53]. As pacientes nesse estudo foram
divididas nos grupos citados a critério do anestesista, o que pode ter comprometido
os resultados, uma vez que aquelas tratadas com bloqueio combinado tiveram
maiores escores de dor antes da analgesia, dilatação cervical superior no momento
16
______________________________________________ Revisão da literatura
do bloqueio do bloqueio e mais hipotensão do que as pacientes submetidas à
peridural[53].
Em relação à concomitância entre as alterações da FCF e o aumento da
atividade uterina, há que se considerar que a avaliação imprecisa desta última,
utilizando-se métodos manuais ou mesmo a tocodinamometria externa, pode ser
insuficiente para comprovar uma associação, uma vez que os dados tornam-se
subjetivos e pouco comparáveis entre si[29].
O padrão-ouro para análise quantitativa da contratilidade uterina é a
aferição da pressão intra-uterina (PIU) por meio de cateter intra-amniótico
específico, cujo registro provê informação acurada em relação a todos os
parâmetros da contratilidade do útero[54]. Utilizados primeiramente nos estudos de
Alvarez e Caldeyro-Barcia, tais dispositivos eram constituídos inicialmente de
cateteres rígidos com extremo distal aberto, que transmitiam as pressões por meio
de coluna d´água, quantificando-a fora organismo materno[55]. Modernamente, tais
cateteres foram substituídos por sondas flexíveis, cujo sensor de pressão encontra-
se na ponta do próprio dispositivo, com grandes vantagens sobre o sistema
anteriormente empregado, por diminuir os inconvenientes de obstrução do sistema,
necessidade de recalibração a cada mudança de posição da parturiente e redução
da possibilidade de infecção intra-amniótica. O uso de tais dispositivos está
extensamente documentado na literatura, com grande confiabilidade das aferições
obtidas, quando comparadas com avaliações externas das contrações uterinas tanto
clinicas quanto de tocodinamometria[56-58].
17
______________________________________________ Revisão da literatura
No Brasil, os dispositivos para avaliação da PIU não são de utilização
rotineira devido ao seu alto custo, no entanto, em outros países eles são
freqüentemente empregados como ferramenta auxiliar na condução de trabalhos de
parto distócicos, especialmente em casos de indução com ocitocina, trabalho de
parto em pacientes com cesarianas prévias ou em obesas devido à dificuldade de
avaliação manual das contrações [59-62].
Apesar de não haver trabalhos que comprovem que o seu uso rotineiro
melhore os resultados maternos ou neonatais, em situações de pesquisa clínica seu
uso é essencial a fim de se obter dados contínuos e mais precisos sobre as
contrações uterinas [59, 63].
O único estudo que relatou avaliação da monitoração interna da atividade
uterina logo após a analgesia de bloqueio combinado foi realizado por Vercauteren
et al. em 1997. Foram administrados por via subaracnóidea a três grupos de 25
pacientes: sufentanil 7,5mcg; sufentanil 5 mcg + bupivacaína 1 mg ou sufentanil
1mcg + bupivacaína 1,75 mg + adrenalina 1,75 mcg. Foram observadas alterações
cardiotocográficas em 11/25; 7/25 e 3/25 casos em cada um dos respectivos grupos
citados[29].
O aumento do tônus uterino pela monitoração interna foi considerado
presente quando não havia retorno ao tônus basal após uma contração, com
aumento superior a 10mmHg. Observou-se o referido aumento concomitante à
alteração da freqüência cardíaca fetal em 6/11, 2/7 e 1/3 nos grupos um, dois e
três, respectivamente. Houve diferença estatisticamente significativa apenas em
relação aos valores do primeiro e terceiro grupos (p<0,05) [29].
18
______________________________________________ Revisão da literatura
Apesar de a comparação ter sido realizada através de monitoração interna,
o objetivo principal do estudo não foi a avaliação da cardiotocografia, não tendo
sido relatadas na publicação o tipo de cateter utilizado, nem descritos os demais
parâmetros da contratilidade uterina. A freqüência de alterações da contratilidade
entre as parturientes com cardiografias fetais normais não foi reportada e não
houve grupo controle sem opióide pela via intratecal[29].
Em suas conclusões, Vercauteren et al. observam que a monitorização da
FCF e sua interpretação eram freqüentemente ignoradas pelos serviços de
anestesiologia obstétrica à época e que mais investigações focadas no efeito da
analgesia intratecal na atividade uterina e freqüência cardíaca fetal seriam
necessárias[29].
Apesar disso, mais de uma década depois do estudo mencionado, nenhum
outro trabalho com aferição interna da pressão intra-uterina foi publicado com o
objetivo de comparar a técnica combinada à peridural, confrontando os resultados
da contratilidade uterina com a ocorrência de desacelerações da freqüência cardíaca
fetal.
19
CASUÍSTICA E MÉTODO
4
20
__________________________________________________ Casuística e Método
4.1. Casuística
Foram avaliadas prospectivamente gestantes de baixo risco assistidas durante seu
trabalho de parto no Centro Obstétrico do Hospital Universitário da Universidade de São
Paulo (HU-USP) e submetidas à analgesia de parto com dilatação cervical igual ou inferior
a sete centímetros.
4.2. Método
4.2.1. Seleção das pacientes
4.2.1.1. Critérios de Elegibilidade
Foram considerados critérios de elegibilidade ao estudo:
- Estar a parturiente em fase ativa de trabalho de parto espontâneo ou induzido
com ocitocina, mas sem preparo de colo uterino com misoprostol;
- Tratar-se de gestação única, de apresentação cefálica fletida, com idade
gestacional entre 37 e 42 semanas (confirmada por biometria ultra-sonográfica realizada
21
__________________________________________________ Casuística e Método
antes da vigésima semana), sem evidência de anormalidades anatômicas e/ou
cromossômicas fetais;
- Não haver contra-indicações à analgesia de condução ou à monitoração intra-
amniótica da pressão intra-uterina;
- Concordância com o termo de consentimento aprovado pela Comissão de Ética
e Pesquisa do Hospital Universitário da USP (anexo 1).
4.2.1.2. Critério de Inclusão
Dentre as parturientes elegíveis, foram randomizadas e incluídas no estudo
aquelas que solicitassem analgesia de bloqueio regional com dilatação cervical igual ou
inferior a sete centímetros.
4.2.1.3. Critérios de Exclusão
Foram excluídas as parturientes que apresentassem qualquer um dos seguintes
critérios:
•
Sangramento vaginal aumentado;
•
Sinais de infecção intra-amniótica;
•
Líquido amniótico meconial espesso;
•
Uso de opióides intravenosos para o alívio da dor previamente à analgesia
regional;
•
Impossibilidade de registro cardiotocográfico de no mínimo quinze minutos
antes e após a analgesia.
22
__________________________________________________ Casuística e Método
4.2.2. Cálculo do tamanho amostral
O tamanho amostral foi calculado para detectar uma diferença na proporção de
casos com aumento igual ou superior a 10mmHg no tônus uterino basal pós-analgesia,
considerando como valores basais os valores pré-analgesia, com poder estatístico de 85%
e nível de significância de 5%[64].
O valor de 10mmHg para o aumento do tônus foi selecionado pela relevância
clínica, com base em estudo disponível na literatura que empregou metodologia
semelhante à do presente ensaio[29].
Uma vez que não existiam dados consistentes na literatura a respeito da
incidência de aumento do tônus uterino após os dois tipos de analgesia de parto objeto
do presente estudo, foi realizada avaliação piloto com 18 pacientes para estimar tal
proporção. A diferença entre grupos foi estimada em 30% nesta avaliação. O tamanho
amostral foi calculado em 70 pacientes, 35 em cada grupo. Considerando-se perdas
máximas de 20%, foi programada a randomização de 84 parturientes[65].
4.2.3. Coleta de dados e acompanhamento das gestantes
As gestantes elegíveis foram convidadas a participar do estudo, tendo sido
claramente informadas sobre os objetivos e condutas da pesquisa. Naquelas que
concordaram com a participação, foi obtido o termo de consentimento livre e esclarecido,
aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário da USP.
23
__________________________________________________ Casuística e Método
As parturientes que aderiram à pesquisa foram monitorizadas inicialmente com
cardiotocografia externa. Para monitoração interna, naquelas que não apresentavam
rotura espontânea das membranas amnióticas, foi realizada rotura artificial com a
cervicodilatação superior a três centímetros, assegurando-se que a apresentação não se
encontrava móvel. A monitoração era mantida até que as parturientes solicitassem
analgesia para alívio da dor do trabalho de parto ou que houvesse indicação obstétrica
para realização da mesma.
TÉCNICA DE INSERÇÃO DO CATETER DE PRESSÃO INTRA-UTERINA
Foi utilizado o cateter Intran Plus IUP-400 (Utah Medical Products Inc. 2003)
(Figura 1), adaptado ao cardiotocógrafo TOITU, modelo MT333U (Figura 2)[58]. Realizava-
se previamente o toque vaginal para identificar a apresentação e dilatação cervical. O
cateter era conectado ao monitor e zerado em relação à pressão atmosférica. A ponta do
dispositivo era então inserida utilizando os dedos que realizavam o toque vaginal como
guia, na parte interna das membranas amnióticas (Figura 3). A seguir, avançava-se o
cabo do cateter até a marca de 45cm, o que posicionava a ponta do transdutor
aproximadamente no fundo uterino. Os cateteres foram inseridos no lado oposto ao da
placenta, verificada por ultra-sonografias prévias ou realizada no próprio centro obstétrico
antes do procedimento[66, 67]. Todos os cateteres foram inseridos pela autora do trabalho.
24
__________________________________________________ Casuística e Método
Figura 1 – Modelo de cateter de tocodinamometria interna utilizado,
Intran Plus IUP-400 Utah Medical Products
Figura 2 – Cardiotocógrafo TOITU MT 333U
Após a inserção do dispositivo, verificava-se seu posicionamento pela saída de
líquido amniótico através do lúmen. O padrão do registro tocográfico era examinado e,
conforme o traçado, o cateter era mobilizado para atingir bolsão de líquido adequado para
a monitorização (Figura 4).
25
__________________________________________________ Casuística e Método
Figura 3 – Técnica de inserção intra-amniótica do cateter de pressão
intra-uterina após rotura das membranas
Figura 4 – Exemplo de traçado cardiotocográfico com monitoração
intra-amniótica da pressão intra-uterina e externa da
freqüência cardíaca fetal
A condução do trabalho de parto foi realizada de acordo com as rotinas do Serviço
de Obstetrícia do HU-USP, sendo assistida pelos obstetras constituintes da equipe, em
seus respectivos plantões[68]. O uso de ocitocina foi admitido nas pacientes estudadas, no
entanto não foi permitida variação na dose de ocitocina entre a solicitação da analgesia
até os primeiros 15 minutos após a punção anestésica.
26
__________________________________________________ Casuística e Método
4.2.4. Randomização
As pacientes incluídas neste protocolo foram randomizadas para receber analgesia
peridural ou combinada raqui-peridural, por meio de lista gerada por computador, sendo
confeccionados envelopes numerados, opacos e selados por indivíduo alheio ao estudo[69].
O anestesista responsável pelo procedimento recebia o próximo envelope da série,
contendo as instruções para o tipo de técnica a ser realizada.
Durante a punção anestésica, o obstetra encarregado da condução do parto e a
autora responsável pela coleta dos dados permaneciam fora da sala de parto e
retornavam ao final do procedimento, para que os grupos se mantivessem encobertos.
Todas as analgesias foram administradas pela equipe do Serviço de Anestesiologia
do Hospital Universitário, em seus respectivos plantões.
4.2.5. Técnica de administração da analgesia
Em ambos os grupos as pacientes foram monitorizadas previamente pelo
anestesista quanto à pressão arterial e freqüência cardíaca materna, bem como avaliadas
quanto ao nível de dor através de escala analógica visual (EAV)[70-72].
No grupo de bloqueio combinado, as pacientes foram submetidas à punção inicial
do espaço peridural, no interespaço L3-L4, seguida de punção raquidiana, segundo a
técnica da “agulha através de agulha”, sendo administrada no espaço intratecal solução
com 2,5 mg de bupivacaína a 0,5% adicionada de 2,5 microgramas de sufentanil e, a
27
__________________________________________________ Casuística e Método
seguir, posicionado cateter no espaço peridural para administração subseqüente de
medicação anestésica quando necessário.
No grupo controle peridural as pacientes foram submetidas à punção lombar do
espaço peridural, também no interespaço L3-L4, onde era injetada solução contendo 12,5
mg de bupivacaína a 0,5% adicionada a 5 microgramas de sufentanil, seguida do
posicionamento de cateter peridural.
Os testes de permeabilidade do cateter foram realizados com solução fisiológica.
4.2.6. Seguimento após a analgesia
Durante a punção da analgesia, a monitorização da freqüência cardíaca fetal foi
interrompida e, logo após a punção, reinstalada. A monitorização da pressão intra-uterina
foi mantida durante todo o procedimento.
Após a analgesia, a cardiotocografia foi registrada por trinta minutos, ou até o
momento do parto, caso este ocorresse antes dos primeiros trinta minutos após o
bloqueio. Todas as parturientes foram posicionadas em decúbito lateral esquerdo após a
analgesia.
A intensidade da dor foi avaliada utilizando-se a escala analógica visual de dor de
0 a 10 cm, na qual zero significa ausência de dor e 10 cm a maior dor imaginável (figura
5). Tal escala é amplamente utilizada para mensuração da dor e já foi validada para uso
durante o trabalho e parto. A avaliação foi realizada na solicitação da analgesia e a cada
cinco minutos após o bloqueio durante trinta minutos. Quando a pontuação fosse superior
28
__________________________________________________ Casuística e Método
a três na escala analógica visual após o bloqueio, administrava-se solução de bupivacaína
em bolus de 4ml através do cateter peridural instalado, igualmente nos dois grupos, com
concentrações dependentes da dilatação cervical, sendo respectivamente 0,125% até sete
centímetros de dilatação, 0,25% para dilatação entre oito e nove centímetros e 0,5% no
período expulsivo.
Figura 5 – Escala analógica visual de dor
As parturientes foram monitoradas continuamente até o parto em relação à
pressão arterial (PA), saturação periférica de oxigênio e cardioscopia, sendo a PA anotada
a cada cinco minutos, em conjunto com os parâmetros da cardiotocografia e avaliação do
nível de dor. Foi também computada a presença de complicações relacionadas à
analgesia.
Todos os dados foram coletados pela autora, que se manteve encoberta ao tipo de
analgesia empregada. Após o parto foram obtidas informações referentes à via de parto,
tempo decorrido entre a analgesia e o nascimento, tempo total de trabalho de parto e
complicações imediatas. Foram também anotados os dados relativos às condições de
nascimento dos recém-nascidos e colhida gasometria da artéria umbilical (Anexo3).
29
__________________________________________________ Casuística e Método
4.2.7 Manejo dos casos com alteração da freqüência cardíaca fetal
As parturientes que apresentaram alterações da FCF após a analgesia foram
submetidas ao seguinte protocolo:
- suspensão da ocitocina nas que estivessem utilizando;
- suplementação de oxigênio à mãe via cateter nasal;
- verificação da pressão arterial e correção da mesma com efedrina caso houvesse
hipotensão;
- toque vaginal para avaliar a evolução do trabalho de parto, afastando causas de
alterações cardiográficas fetais como prolapso de cordão ou descida muito rápida da
apresentação fetal.
Os quatro primeiros itens foram realizados concomitantemente, em qualquer caso
de alteração da FCF. Caso não houvesse melhora com estas medidas realizou-se