Fisiologia, Medicina e Metafisica Do Magnetismo por Jules Charpignon - Versão HTML
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INTRODUÇÃO
“Procuro um governo que perceba a neces-
sidade de não deixar introduzir levianamente no
mundo uma verdade que, pela sua influência sobre
o físico dos homens, pode operar mudanças que
desde seu nascimento a sabedoria e o poder devem
conter e dirigir num curso e rumo a um objetivo sa-
lutar.”
MESMER.
Quando uma doutrina filosófica, um sistema científico
ou uma descoberta industrial, submetidos a exame, podem a-
presentar provas de fatos e de raciocínio, a validade de suas
pretensões e a utilidade de sua aplicação são irrevogavelmente
consagradas. Resta pôr em prática o princípio formulado, cir-
cunstância que pode ser mais ou menos difícil devido aos inte-
resses sociais que o novo aparecimento vem agitar.
Há mais de meio século o magnetismo aspira a ser re-
conhecido como ciência, e ainda não o obteve. Será porque
esta ciência nova é impotente para fornecer as duas ordens de
provas que consideramos exigíveis, ou somente porque ela não
foi suficientemente examinada pelos cientistas? Tal é a dupla
pergunta que todos se fazem vendo de um lado as proscrições,
com as quais os corpos de cientistas respondem às reivindica-
ções dos magnetizadores, e de outro lado observando o incan-
sável proselitismo dos partidários do magnetismo.
Certamente não é a parte experimental que falta a favor
do magnetismo, pois hoje seria impossível contar todos os fatos
que se produziram desde Mesmer. Podem-se aplicar ao magne-
tismo estas palavras do professor Trousseau: Quando um re-
médio se tornou popular, quando charlatães o exploram há
muito tempo, e sempre com sucesso para eles, é preciso que
ele mostre seu mérito por algumas propriedades úteis, que a
teimosia ou o mau humor dos médicos lhe negarão em vão.
Mas o magnetismo foi suficientemente examinado pe-
los cientistas? Alguém que conhecesse a natureza do espírito
humano diria logo: Não, as Academias não estudaram o que é
o magnetismo. A história de todas as ciências, de cada grande
descoberta, está aí para mostrar a proscrição que sempre aco-
lheu e perseguiu, durante períodos frequentemente bem lon-
gos, toda verdade cujos desenvolvimentos deviam modificar
profundamente as opiniões reinantes.
O magnetismo, amplamente concebido, é a síntese de
todas as ciências que têm o homem por objeto de estudo; é o
elo que une a antropologia racional à doutrina do espiritualis-
mo revelado. Vasto feixe, do qual cada ramo estudado separa-
damente se torna a fonte de luzes novas sobre cada parte dos
conhecimentos antropológicos. A vida não é mais um mistério
nem uma abstração mecânica. Pode-se seguir sua essência na
filiação dos fluidos imponderáveis que a física especializou, e
ii
que o magnetismo nos mostra como sendo somente modifica-
ções da unidade etérea, do princípio criado, causa segunda da
vida dos mundos. O homem torna-se compreensível, e sua dua-
lidade é demonstrada, não mais pelo poder da filosofia, mas
por outro muito mais impressionante, o poder experimental.
Quando aqueles que têm por missão dirigir os estudos
superiores tiverem sabido fazer entrar o magnetismo na sua
obra de ensino, os sofismas terão perdido a força que têm hoje
para afastar os espíritos das sublimes verdades da filosofia do
cristianismo. Mas esses tempos ainda estão longe, e a humani-
dade estará ainda por muito tempo privada das vantagens que o
magnetismo lhe pode proporcionar: vantagens para seus sofri-
mentos físicos, vantagens para suas crenças religiosas. Os dois
corpos científicos que compartilham esta dupla ação não se
opõem igualmente a receber a nova ciência? O clero não imita
os médicos? Dos dois lados encontram-se sem dúvida mem-
bros esclarecidos que estudaram a questão, que a aceitaram e
põem em prática, mas é o menor número, é fraco e não ousa
levantar a voz. É verdade que a autoridade eclesiástica, a corte
de Roma, mostrou um julgamento profundo e uma imparciali-
dade completa em suas sentenças, as quais sempre proferiu
como individuais e separadas da causa em si mesma. Quanto à
Academia de Medicina e à de Ciências, não hesitaram em ne-
gar a possibilidade mesma dos fatos, e, por conseguinte, em
recusar uma cooperação sincera e laboriosa ao estudo do mag-
netismo.
O magnetismo é portanto uma obra intelectual que re-
úne todas as condições para experimentar os maiores obstácu-
los a fim de se harmonizar com as inteligências de sua época de
concepção científica e prática.
As convicções devem proceder individualmente para
invadir os poderes de onde emanam as sanções. É uma infeli-
iii
cidade, porque esse modo de ação progressiva traz consigo he-
sitações, lutas e desordens.
Desde 1784 o magnetismo continua a se espalhar. Mui-
tos homens o professaram e praticaram, cada qual à sua manei-
ra. Ora com a gravidade que convém a tudo que é nobre e
sério, ora outras vezes com a leviandade da ignorância e o des-
caramento mesmo da imoralidade. Todas as classes da socie-
dade aprenderam assim o que era o magnetismo e o que ele
podia ser. Viu-se desde então nascer o bem ao lado do mal. O
homem de conhecimento e consciencioso confundido com o
ignorante, o ímpio e o charlatão. Este estado de coisas existe
hoje.
Muitos magnetizadores tentaram diminuir o mal, e uma
sociedade exigia de seus membros a promessa de não realizar
nenhuma sessão de experiências públicas. Eles pensavam com
alguma razão que mostrar o sonambulismo em espetáculos era
prostituir a ciência. Mas as experiências públicas são um bem
ou um mal, segundo sejam feitas por tal ou qual pessoa, e é
imprudente generalizar o anátema. Efetivamente, conhecemos
homens muito devotados e verdadeiramente instruídos no
magnetismo, que agiram convenientemente por experiências, as
quais eles foram bastante corajosos e bastante desinteressados
para irem produzir em muitos países, e ante incrédulos de to-
dos os tipos. Esses têm realmente direito ao reconhecimento da
humanidade, seu nome será distinguido de tantos outros que
divulgaram apenas o escândalo.
Entretanto, hoje que o magnetismo é difundido univer-
salmente, que ele é bastante conhecido para ser conveniente-
mente estudado e praticado, não hesitamos em nos levantar
contra as experiências públicas. Delas provém sempre mais mal
do que bem. A doutrina não está em relação com a prática, a
ciência dogmática é ensinada de maneira incompleta, e entregar
iv
a prática sem uma doutrina que seja científica, moral e religiosa
é pôr nas mãos de todos um veneno que pode vir a ser mortal.
Estas considerações são graves; assim, colocar o magne-
tismo nas mãos dos cientistas é um pensamento que todos os
homens que apreciaram justamente o valor íntimo desta ciência
nova tentaram realizar.
Qualquer outro pensamento seria insensato e ilusório.
O que nasceu no oceano das inteligências não pode mais desa-
parecer. Não se pode senão criar diques e corretivos. Ora, aqui,
e certamente aqueles que estudaram o magnetismo nos com-
preenderão, o princípio é virtualmente grande, belo e bom,
mas o gênio malfazejo do homem vicia sua aplicação. É então
contra a prática do magnetismo que é preciso dirigir meios de
aperfeiçoamento. Ao mesmo tempo, as altas inteligências de-
vem apoderar-se do fraco raio que os pensadores fizeram bro-
tar, para coordenar os fenômenos, penetrar em sua essência e
descobrir alguma grande lei que torne enfim mais estáveis essas
oscilações que existem no magnetismo prático, oscilações de-
sesperantes que ainda não puderam ser fixadas.
Então ocorrerá na França o que aconteceu em vários
países do Norte, o magnetismo será exercido somente pelos
médicos ou por práticos especiais, legalmente reconhecidos.
Muitas serão as susceptibilidades alarmadas pelo desejo que
expressamos; mas é preciso saber sacrificar os interesses parti-
culares em prol do bem geral. A ciência aliás tem sua história, e
os nomes daqueles que trouxeram ao magnetismo um trabalho
de devotamento e de inteligência aí permanecerão para sempre.
As circunstâncias foram as mesmas para que a organi-
zação médica seja o que ela é hoje. Não há tanto tempo que as
leis concentraram o poder de exercer a arte da cura somente
nas mãos daqueles que se impuseram certas formalidades de
recepção médica. Os tempos em que o irmão Cosme e o irmão
Tiago percorriam a França, operando os calculosos, ainda são
v
recentes, e passaria agora pela cabeça de alguém querer ressus-
citar a liberdade do exercício da medicina? Os estudos e os
graus que cada médico tem obrigação de fazer e de obter são
garantias tão sérias quanto é possível exigir para a sociedade.
Não tememos dizer que aquele que quer praticar e professar o
magnetismo deve dar garantias de uma ordem talvez ainda mais
elevada.
Que fique claro que o magnetismo tem mais inimigos
nos charlatães e sonâmbulos falsos do que nas academias. A
resistência dos corpos de cientistas é um obstáculo que faz
amadurecer a nova ciência, ao passo que o zelo dos ignorantes
e dos charlatães envenena e faz morrer os frutos dos trabalhos
conscienciosos.
Não ignoramos que o poder de um magnetizador é
proporcional à vivacidade de seus sentimentos, e que nada con-
tribui mais para extinguir tudo o que o coração do homem tem
de fé e de caridade, do que os estudos escolásticos mal dirigi-
dos; mas sabemos também que na maior parte daqueles que
fazem magnetismo, a natureza dos sentimentos é mais ou me-
nos falseada pelas ideias mais bizarras e mais errôneas, fruto de
uma instrução incompleta. Há portanto inconvenientes dos
dois lados, e acreditamos que o melhor meio de fazê-los desa-
parecer seria modificar a instrução filosófica da Universidade e
criar cátedras de magnetismo na Faculdade de Medicina, na de
Ciências e na Sorbonne.
Quanto a nós, as circunstâncias foram tais que conhe-
cemos o magnetismo desde nossa primeira juventude. Estuda-
mos muito, vimos muito, fizemos muito. Hoje em dia, nossa
convicção é formal sobre a realidade dos fenômenos, sobre os
perigos e sobre as vantagens do magnetismo. A balança está
equilibrada no estado atual das coisas! O que devíamos fazer no
fim de nosso trabalho? Sempre praticar e propagar? Ou então
vi
abandonar tudo ou permanecer indiferente? Esses dois extre-
mos teriam sido um erro.
A humanidade deve atingir um objetivo, e o homem,
sem ter sempre consciência da contribuição que traz à marcha
ascensional, é obrigado a trabalhar na grande obra.
Todas as ciências, todas as artes que se inspiram nas lu-
zes da verdadeira filosofia são os degraus da perfectibilidade, e
cada ideia nova que jorra entre as inteligências é um progresso,
um progresso não para o século que a gera, mas para o que
vem depois.
Seria preciso deixar-se abater em vista das amarguras
que acompanharam a vida de todos os inovadores? Seria preci-
so, porque Mesmer e todos os que defenderam e divulgaram a
ciência do magnetismo foram tratados de visionários e de pati-
fes, seria preciso guardar para si o que se sabe ser verdadeiro e
útil? Sem dúvida aquele que preferisse, ao triunfo da verdade,
alegrias e repouso durante seus dias, deveria agir assim; mas
essa indiferença não é possível para todos, pois há homens para
os quais uma verdade é um raio emanado do alto, que os in-
cendeia e os impele, mesmo contra sua vontade, a proclamar e
propagar aquilo que conheceram.
O magnetismo terá uma influência poderosa sobre o
futuro da fisiologia e da filosofia, e em seguida sobre a vida mo-
ral da humanidade. Pode-se efetivamente considerá-lo como
uma doutrina que revela ao homem o mistério de sua organiza-
ção física e psíquica. Quão culpados são então aqueles que, por
interesse, por ignorância ou por ridículas prevenções, vêm en-
travar a marcha desta ciência nova. O que pode o egoísmo, o
que pode a tolice, o que pode a apatia, o que podem os vãos
escrúpulos diante da verdade? Algum tempo de parada, algu-
mas lutas, alguns homens sacrificados, eis o que pode a verti-
gem insensata de um espírito revoltado. E o que pesa isso na
vii
eternidade?... O que é verdadeiro triunfa sempre; os homens
passam e a verdade fica.
Quantas coisas há a dizer sobre o magnetismo! Ele toca
com efeito em tudo o que interessa ao homem. O estudo das
leis que regem o mundo físico não recebe novos esclarecimen-
tos a partir das observações do sonambulismo? Esses fenôme-
nos de antipatias e de simpatias, observados em cada reino da
natureza, são agora explicados muito naturalmente pela de-
monstração da origem comum de todos esses agentes de forças,
esses fluidos diversos que a física especializara como essenciais.
A arte de curar também será profundamente modifica-
da em seus princípios e sua prática. Mas essa transformação se
realizará com mais dificuldades do que a que esclarecerá as ci-
ências físicas, pois aqui há paixões a combater.
E a filosofia, o que receberá de nossos trabalhos? Ad-
quirirá bases certas; o ceticismo terá satisfação, pois poderá
quase tocar nesses mistérios do espiritualismo que chocavam
sua razão.
Estas três categorias respondem às necessidades mais
imperiosas do espírito humano: desejo de conhecer, instinto de
conservação, sentimento das coisas metafísicas. Os gênios que
brilharam na terra sempre procuraram, cada um em sua esfera,
roubar este triplo segredo; mas todos aqueles que não quiseram
como guia senão a razão humana, desviaram-se do caminho:
são prova disso os médicos, que esqueceram completamente a
medicina instintiva; e também os filósofos, que fizeram mil sei-
tas.
Acreditamos que o estudo aprofundado do magnetis-
mo deve ajudar a entrar na via que leva à verdade a física, a
medicina e a filosofia.
Para fazer compreender nossas ideias sobre o valor do
magnetismo, foi preciso tratarmos junto os três pontos de vista
sobre os quais desejamos chamar a atenção dos cientistas. É
viii
evidente que o quadro era vasto demais para ser perfeitamente
preenchido. Embora tenhamos refeito inteiramente a primeira
edição da obra que entregamos hoje ao público, a ponto de
considerar nossa obra como inteiramente nova e não inscrever
em seu título segunda edição, ainda não pudemos contudo en-
trar em todos os desenvolvimentos que sabemos dever serem
dados; mas tentamos reunir o que era indispensável à inteligên-
cia dos fenômenos do magnetismo. Estamos convencidos de
que será possível, após o estudo que seguimos, reconhecer o
valor médico e a importância filosófica que pode alcançar a
ciência cujos princípios expomos.
Orleães, maio de 1848.
ix
FISIOLOGIA, MEDICINA
E METAFÍSICA
DO MAGNETISMO
PRIMEIRA PARTE.
FISIOLOGIA DO MAGNETISMO.
CAPÍTULO PRIMEIRO.
GERAÇÃO DO FLUIDO MAGNÉTICO E SUAS ANALOGIAS COM
OS OUTROS FLUIDOS IMPONDERÁVEIS
Quando o homem, fazendo uso de suas faculdades refle-
xivas, se põe a contemplar num golpe de vista a natureza inteira,
impressiona-o ver cada objeto revelar, de maneira mais ou me-
nos expressiva, o movimento que germina em seu âmago. Ele
vê tudo se agitar, passar, se transformar neste imenso lar que se
chama mundo; e se ele interroga a filosofia sobre a causa desses
grandes fenômenos, aprende que é a vida. Mas se, querendo ir
mais longe, o homem pergunta à filosofia moderna o que é a
vida e de onde ela vem, ele experimenta um sentimento de in-
suficiência ouvindo-a responder que a vida é “o estado comple-
xo dos efeitos produzidos pela harmonia das partes do todo.”
Esta definição é a da fisiologia relativamente à vida humana;
pois ela rejeita também uma força vital essencial em si mesma,
causa primeira e não o efeito de um mecanismo organizado.
Há um fato bastante curioso na história da inteligência
humana, que é ver a aproximação que acaba ocorrendo entre as
ideias dos antigos e as dos modernos sobre as grandes questões
de ontologia, embora os métodos de trabalho sejam completa-
mente opostos. Assim, a antiguidade procurava, por visões ge-
rais e experiências de uma filosofia sintética, ligar à unidade as
individualidades fenomenais, por mais distintas que apareces-
sem, ao passo que os cientistas modernos procedem por um
método inverso e aplicam a análise aos fatos, sem recorrer à
síntese.
A análise, como método de estudo nas ciências, é um
guia seguro que deixa dificilmente a razão se perder, mas seus
resultados são sempre incompletos, no sentido em que trazem
fatos isolados, e que, na falta de um vínculo comum, retardam
os progressos e os benefícios de uma filosofia transcendente, à
qual a época atual tem direito de aspirar.
Poder-se-ia aplicar aos partidários exclusivos do método
analítico este pensamento de Chaptal:
“O estudo dos detalhes desseca as faculdades morais, ex-
tingue a imaginação, cansa a memória, sufoca o gênio; ao passo
que o estudo dos grandes princípios engrandece a alma, repou-
sa o espírito, dá alimento ao gênio, e faz engolir, por assim di-
zer, a ciência de um só trago. O homem incapaz desse impulso
sublime pode se afastar do santuário; fraco demais para domi-
nar sua arte, tornar-se-ia seu joguete; limitado demais para
comparar fatos numerosos, empurraria penosamente o roche-
do de Sísifo, e sua vida, traçada numa linha estreita, só lhe a-
presentaria a natureza em retalhos.”
A síntese ao contrário é própria do gênio. O gênio, com
efeito, procede de uma maneira exclusiva, e estabelece subita-
-2-
mente uma lei que rege algum grande fenômeno, sem ter preci-
sado passar pelas elaborações, sempre lentas e frequentemente
estéreis, da análise. Mas o gênio é apanágio de raras inteligên-
cias, ao passo que o estudo está à disposição de todos os que
procuram conhecer a natureza. O gênio é a intuição de uma
das leis da criação.
A ciência moderna reconheceu que os fenômenos da na-
tureza não eram o resultado das qualidades próprias e íntimas
dos corpos. A matéria, com efeito, não tem nenhuma proprie-
dade intrínseca; pode-se dizer que ela tem somente uma pro-
priedade negativa, a inércia.
É preciso então, para que as inúmeras formas e as pro-
priedades infinitas que apreciamos nas diversas combinações
dos corpos e dos seres da criação se realizem, que uma força
particular e distinta da matéria inerte aja sobre os elementos
moleculares dos corpos 1.
A cristalização, a germinação, a meteorologia, a gravita-
ção dos astros, e mil outros fenômenos que agitam o mundo
criado e que constituem sua vida, são efeitos da ação de pode-
res imponderáveis e opostos à matéria inorgânica por seu esta-
do elementar, simples e essencialmente ativo. Fez-se uma classe
separada desses agentes da vida e chamaram-se: fluidos impon-
deráveis.
1 O Sr. Debreyne comete um grande erro dizendo: a força atrativa para a ma-téria bruta, a força vital para o reino vegetal, e a força vital sensitiva para os animais, são grandes leis primordiais, independentes da ação dos fluidos imponderáveis.
É colocar uma abstração como uma causa de efeitos; em ciência não é permitido raciocinar assim. “Essas forças que, continua o mesmo autor, dão, como causas segundas, o movimento e a vida à matéria inerte e passiva, são imateriais, pois o que dá o movimento e a vida é ativo, e o que é ativo nada tem de comum com a matéria.”
Sem dúvida com a matéria inerte! Mas seguramente um imponderável, a luz ou o fluido elétrico, e mesmo o fluido nervoso, são forças reais e de natureza material, dotadas de atividade por Deus, e é pela ação delas que se operam os fenômenos da vida nos diferentes reinos da matéria.
-3-
A descoberta dessas forças essenciais foi obra do tempo
e do método analítico; também estes agentes são múltiplos e
correspondem a diversos grupos de fenômenos, ou à luz, o ca-
lórico, a eletricidade.
Eis o que trabalhos seculares produziram, mas não é a
última palavra da ciência. O tempo gerará a concepção de uma
doutrina sintética que, seguindo os diversos imponderáveis em
suas propriedades absolutas, descobrirá sua geração unitária
num imponderável elementar. Este imponderável elementar e
primordial é, a nosso ver, o que a física chama o fluido lumi-
nescível; é a Lux do Gênesis.
Se este princípio criado, elemento primeiro entre as cau-
sas segundas, principal ministro de Deus na vida íntima das coi-
sas materiais neste mundo, é para nós um agente motor que,
pela propriedade de atividade da qual é dotado, preside às a-
gregações e segregações dos elementos constitutivos dos corpos
e das moléculas que entram na sua composição, não somos tão
excludentes quanto Newton que tendia a considerar a luz como
a unidade material e criada da qual tinham saído todos os cor-
pos da criação.
Esse grande homem, que criou a teoria da emissão, aba-
lado pelas dificuldades encontradas por esse sistema em suas
mais altas apreciações, acabou por pensar que existia no univer-
so apenas uma e única substância criada, cujas moléculas podi-
am, somente pela diferença de seu modo de agregação, produ-
zir todos os corpos que existem, apesar da disparidade que pa-
rece reinar entre eles. A luz era para ele essa substância única,
criada, causa segunda e princípio de todos os seres. (Opt.
quest., p. 531.)
Esta opinião está em germe na primeira página do Gêne-
sis, pelo menos quanto à maneira como a professamos pesso-
almente, ou seja, considerando a luz, ou melhor, o fluido lumi-
nescível, como o elemento da vida da matéria inerte.
-4-
O Gênesis diz efetivamente: No começo Deus criou o
céu e a terra.
A terra era informe....
E Deus disse: Faça-se a luz! Fiat lux!
A matéria informe precedeu portanto a criação de seu
agente vital, e foi somente quando o princípio de vida foi dado,
que as propriedades intrínsecas dos átomos precisaram, pelas
leis das afinidades, compor as individualidades, as quais, desde
então, tornadas centros de ação, puderam agir como causas
modificadoras do princípio de vida, e assimilá-lo segundo os
fins de sua criação.
Esta doutrina era a de Descartes, para quem o movimen-
to era uma substância distinta da matéria; tudo estava cheio de
um fluido, e era por ele que os planetas circulavam. Newton, ao
contrário, antes de exprimir a teoria de que acabamos de falar,
fizera do movimento uma propriedade da matéria; ele assegu-
rava que tudo era vazio, e que os astros gravitavam em virtude
de uma força relativa agindo através de grandes espaços, sem
que houvesse qualquer intermediário.
Para legitimar nossa proposta, precisamos invocar o a-
poio das ciências humanas.
A luz, o calórico e a eletricidade, eis os três agentes que a
física considera como potências essencialmente diferentes de
todos os corpos conhecidos. Mas se o estudo analítico, que a
lentidão das descobertas obrigou a aplicar a cada uma das po-
tências para melhor as conhecer, determinou uma série fracio-
nada de elementos que parecem outras tantas unidades elemen-
tares, não é provável que uma explicação perfeitamente sintéti-
ca tivesse substituído a análise especialista dos fluidos incoercí-
veis, se no começo, a inteligência do homem tivesse sido tão
esclarecida quanto ela se torna pela sucessão dos tempos? Sem
dúvida, mas não podia ser assim. Talvez somente hoje seja pos-
sível estabelecer as bases de uma síntese exata dos fatos físicos
-5-
que a análise, resultado de trabalhos seculares, pôs à nossa dis-
posição.
O esboço rápido que vamos traçar pode dar uma ideia
desta síntese ontológica que uma filosofia superior poderia cri-
ar.
A luz, o calórico e a eletricidade parecem agentes distin-
tos por suas propriedades, todavia os progressos da física e da
química demonstraram entre esses fluidos analogias tão íntimas
que é permitido considerá-los como congêneres e saídos de um
mesmo princípio substancial, e crer que suas qualidades lhes
sobrevêm somente por circunstâncias particulares de reação, de
contato ou de combinação.
Newton, vendo o diamante e a água refratar os raios lu-
minosos com mais força do que sua densidade comportava,
não deduzia daí que essa grande afinidade dos corpos pela luz
supunha neles um princípio de luz e de calórico?
Entre os trabalhos dos físicos modernos que concorrem
para estabelecer a analogia dos fluidos incoercíveis, nós nos
limitaremos a lembrar:
As observações de Herschell sobre a potência calorífica
de cada raio de luz decomposta. Este cientista achou que essa
potência se relacionava com o grau de refrangibilidade;
As experiências do professor Barlocci, o qual, fazendo
cair os raios vermelhos e violeta de um feixe luminoso sobre
dois discos de cobre, fazia contrair os músculos de uma rã
quando se lhes aplicavam as extremidades dos fios condutores.
Também as do Sr. Matteuci que, expondo ao sol um ele-
trômetro condensador de extrema sensibilidade, obtém daí su-
ficiente eletricidade para que as lamelas de ouro divirjam. As
paredes da gaiola de vidro, expostas à luz solar, dão igualmente
sinais de eletricidade, e esse efeito não é devido ao calor, pois
os mesmos aparelhos, aquecidos por outro meio, não dão ne-
nhum sinal de eletricidade.
-6-
A imantação não se desenvolve sob a influência do es-
pectro solar, segundo o estado particular do sol, no lugar onde
a experimentação se efetua?
E ainda, a influência dos ímãs, limitada a certos corpos
metálicos segundo a opinião geral, não se exerce também sobre
substâncias orgânicas e inorgânicas?
Mas deixemos essas considerações gerais de analogia pa-
ra seguir com mais cuidado a força elétrica em suas diferentes
manifestações.
Quando por volta dos primeiros anos do século 18, os
gênios dos físicos Gray e Dufay criaram toda uma ciência sobre
o fenômeno tão simples e por tanto tempo estéril de Tales,
grandes mistérios se explicaram na natureza.
Uma vez traçada a via, o gênio do homem não se deteve
mais, e o mesmo século não havia chegado ao fim quando Gal-
vani e Volta davam à eletricidade uma forma tão nova que cria-
ram uma verdadeira ciência de sua descoberta.
O mundo científico ficou tão impressionado que o fluido
galvânico pareceu um novo agente, incomparavelmente mais
puro e mais potente que o fluido elétrico, e pensou-se ter en-
contrado o princípio da vida, esse mistério que atormentava tão
fortemente os sábios da Idade Média.
Entretanto os trabalhos incessantes dos físicos fizeram
reconhecer a analogia, e se poderia dizer a identidade essencial
dos fluidos elétricos e do fluido galvânico. O modo de geração
desses fluidos, diferenciando seus caracteres e suas proprieda-
des, é a única causa que fez dividir esses fluidos em duas forças
distintas.
Aconteceu para a eletricidade desenvolvida pelo contato
o que acontecera para a eletricidade estática. Dois cientistas,
contemporâneos de nosso século, Œrsted e Ampère, descobri-
ram nas correntes elétricas a fonte de uma nova ciência. Eles
acharam o magnetismo na eletricidade voltaica.
-7-
Os fenômenos do ímã, conhecidos antes de Pitágoras, es-
tudados e perfeitamente explicados no século 18, formavam
entretanto uma ciência à parte, sem relações diretas com a das
eletricidades. Com efeito, os fluidos magnéticos, admitidos por
analogia, não haviam podido ser apreciados por experiências
que os vinculassem intimamente aos fluidos elétricos conheci-
dos pelos trabalhos de Dufay, Franklin, Volta e do próprio
Œrsted.
Ampère, portanto, detém a glória de ter criado a ciência
do eletromagnetismo, e de ter vinculado os fenômenos do
magnetismo às leis dos fenômenos elétricos.
Esses trabalhos, continuados pelos físicos Arago, Biot,
Becquerel, começaram realmente a estabelecer os elementos da
síntese das forças elétricas; e essa síntese que tende a reunir em
uma única essas forças tão diversas na aparência, não teria cer-
tamente parecido nem provável nem possível, há poucos anos.
Mas seria a eletricidade dinâmica o último termo das
descobertas sobre a luz, o calórico e a eletricidade, esses poten-
tes agentes da vida dos mundos? E esta força que nos explica
tantos fenômenos de combinação, de desagregação, de reação,
de vitalidade enfim, nos seres inorgânicos e nos seres orgânicos,
seria também a força que rege os sistemas nervosos dos ani-
mais, e que gesta esses admiráveis fenômenos da vida física do
homem?
Sem dúvida a vida é um fenômeno complexo dos efeitos
produzidos pela harmonia das partes do todo, ou, como dizia
Bichat, o conjunto das leis que resistem à morte; mas há uma
causa da vida que é independente do corpo e de seu mecanis-
mo, embora lhe seja congenitamente solidária.
Fizemos compreender que, nas coisas criadas que não
são do reino animal, este elemento de vida derivava de um
primeiro elemento, criado como potência antagonista da maté-
ria inerte.
-8-
Indicamos rapidamente que a ciência estudara essa po-
tência em seus estados de luz, calórico, fluidos elétricos e mag-
nético, e tentamos fazer compreender que as qualidades des-
semelhantes que parecem individualizar os fluidos que exami-
návamos, não eram senão relativas e subordinadas aos meios
que recebem o princípio gerador. Assim as cores não existem
no raio luminoso a não ser quando este é modificado por cer-
tos corpos, e cada raio é, em decorrência de sua posição, mais
ou menos afastado da potência primeira, ou seja, reúne mais ou
menos as virtudes elétrica, galvânica, magnética. Com efeito,
sabemos que o raio vermelho é mais elétrico que o violeta. Pois
bem! Ele é também mais magnético, o que quer dizer que tem
mais analogia com o fluido nervoso do homem, e que só ele
pode ter a mesma ação sobre os temperamentos impressioná-
veis pelo magnetismo. Constatou-se que o vermelho, não só no
estado luminescível, mas no estado de cor fixa, induzia ao so-
nambulismo certos doentes, ao passo que o violeta os irritava e
cansava constantemente.
Os metais são os corpos mais eletromagnéticos: isto se
deve a que suas moléculas têm mais afinidade para concentrar
o princípio vital e imprimir-lhe a modificação eletromagnética.
Segundo a natureza dessas moléculas, a modificação é mais ou
menos perfeita; ela tem mais ou menos relações com a que o
organismo humano faz o fluido gerador sofrer.
Esta propriedade fez classificá-los numa certa ordem de
potência eletromagnética, e é justamente esta ordem que toma
os sistemas nervosos e os impressiona à maneira do magnetis-
mo animal. Assim todos os sonâmbulos magnéticos ou catalép-
ticos são tanto mais desagradavelmente afetados quanto o metal
que os toca ocupa uma posição mais inferior, ao passo que seu
sofrimento diminui ao subir a escala; de modo que o ouro e a
platina, os primeiros metais, lhes fazem experimentar um sen-
-9-
timento de bem-estar e aumentam suas forças. Voltaremos a
esta interessante parte do eletromagnetismo.
Se agora fixarmos nossa atenção sobre o reino animal,
vamos ver o organismo assimilar o princípio de vida segundo os
fins de cada espécie, e chegaremos ao homem, o qual, síntese
de todos os animais, do ponto de vista físico, prepara em seu
sistema nervoso um fluido, última expressão de transformações
sofridas pelo espírito de vida, e podendo então operar a união
do indivíduo organizado com o ser simples ou espiritual. Te-
remos então no homem duas substâncias: a Alma e este princí-
pio de vida; estas substâncias, em consequência de sua união
com o corpo, fazem do homem uma unidade trinária.
Vistes aquele pontinho de matéria flácida perdido na á-
gua desta poça? Era inerte ontem, e hoje vive! É o animal cha-
mado infusório... O que foi preciso para vivificar esta matéria?
Calor, eletricidade!.... Daí ao zoófito, ao pólipo, e deste à mi-
nhoca, a passagem é insensível; todavia, um aparelho centrali-
zador da vida começa já, pois na minhoca percebem-se gânglios
nervosos, os indicadores de uma medula espinhal. Estes gân-
glios são separados, cada um elabora sozinho, e de maneira
semelhante ao seu congênere, o fluido vital; assim um único
basta para a vida do indivíduo, e se se cortar a minhoca em pe-
daços, ela não morrerá, crescerá de novo.
Esta divisibilidade e esta repululação, que na minhoca já
era menor do que no pólipo, pois era preciso poupar um gân-
glio, diminui ainda nos crustáceos; no animal de sangue verme-
lho frio ela quase não é mais possível, e enfim cessa completa-
mente no animal de sangue quente. O organismo deste último
forma um todo cujas partes são doravante solidárias uma da
outra.
Assim, à medida que se sobe na escala dos seres, vêem-
se as organizações se complicar, e estas combinações orgânicas
produzir um centro novo de ação que tem poder sobre o prin-
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cípio de vida e o faz sofrer as modificações necessárias. O indi-
víduo isola-se assim gradualmente da cadeia dos seres, no sen-
tido de que tem relações mais amplas, mais livres e menos soli-
dárias com o todo, com o qual estabelecerá relações mais ex-
tensas, sem entretanto jamais poder chegar a uma independên-
cia completa; pois então o substratum vital, o Espírito2, aban-donaria seus órgãos matrizes; e este isolamento, esta separação,
seriam a morte do corpo.
Por esta solidariedade de todos os seres da natureza co-
meça sua influência recíproca, e esta influência, submetida a leis
elétricas, constitui o que chamamos magnetismo, denominação
criada pelos sábios da Idade Média.
Mas antes de empreender o estudo das leis de simpatia e
antipatia, continuemos o do molde-matriz que forma o princí-
pio da potência. Para que este estudo fosse completo, seria pre-
ciso seguir todos os cérebros dos animais e comparar seus pro-
dutos, os fluidos nervosos, primeiro entre eles, depois com o
do homem; mas o exame dos fluidos nervosos não pode ser
completo, porque em muitos animais este fluido permaneceu
até o presente imperceptível aos nossos sentidos, e se no ho-
mem pudemos estudá-lo, foi principalmente com a ajuda do
sonambulismo.
Entretanto, sabemos que alguns animais preparam em
seu cérebro um fluido completamente análogo ao fluido elétri-
co. Os mais conhecidos pertencem à classe dos peixes, e con-
2 Sabe-se que para mim o espírito não é a alma. É o princípio universal, o fluido etéreo, humanizado e especializado pelo organismo; nesse novo estado ele recebeu muitos nomes: vida, princípios de vida, vital, fluido vital, nervoso, eletro-nervoso, magnético, magnetismo animal, eletricidade animal, arkhê (princípio), espíritos animais, alma sensitiva, princípio da sensibilidade, da irritabilidade, mediador plástico, etc.
Toda esta sinonímia prova que muitos filósofos e fisiologistas consi-
deraram a vida do corpo como um ser e não como uma abstração, ou como
um mecanismo puramente funcional, erro fisiológico professado por Riche-rand, Bichat, e a maioria dos médicos da Escola de Paris.
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tam-se entre eles as lampreias do rio das Amazonas, a enguia de
Caiena, o treme-treme do Senegal, a tremelga (torpedo).
Os notáveis trabalhos do Sr. Matteuci, sobre a anatomia
do sistema nervoso da tremelga, demonstraram uma disposição
que faz dele um verdadeiro aparelho galvânico.
Se os cérebros dos outros animais estivessem no mesmo
estado orgânico que o dos peixes, eles apresentariam como es-
tes fenômenos elétricos; aconteceria o mesmo ao homem. Um
fato recente confirma o que antecipamos. Uma mulher deu à
luz uma criança que, semelhante à tremelga, dava uma espécie
de comoção elétrica ao médico que a pôs no mundo. Foi logo
colocada num berço de vime suportado por pés de vidro, e deu
sinais de eletricidade. Conservou essa propriedade notável pelo
espaço de vinte e quatro horas, a tal ponto que se pôde carregar
uma garrafa de Leyde, tirar faíscas e fazer uma porção de expe-
riências. A causa deste fenômeno insólito era devida, em nossa
opinião, à constituição do sistema nervoso da criança, que, du-
rante a vida fetal, não pudera elaborar senão fluido elétrico,
sem poder chegar ao fluido nervoso.
Uma constituição orgânica anormal nem sempre é ne-
cessária para que o fluido elétrico seja produzido pelo sistema
nervoso do homem; bastam modificações patológicas nesse
aparelho. A natureza dessas modificações não nos é conhecida.
Encontramos em nossas notas este extrato, cuja data é
1840.
– Echo de l’Orient, publicado em Esmirna, número de 9
de março.
“Um fato dos mais notáveis excita há alguns dias a aten-
ção e a curiosidade pública nesta cidade. Este fato ocorre em
duas jovens pessoas do sexo feminino, com idade de 18 a 20
anos, gozando aliás de boa saúde.
“Colocadas ao mesmo tempo em volta de uma mesa co-
berta por um oleado, ouve-se imediatamente esta experimentar
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estalos sucessivos que se poderia comparar a um movimento de
deslocamento; logo após, intensas comoções, acompanhadas
por detonações bastante sensíveis, fazem-se ouvir no aparta-
mento quando as portas estão fechadas. Viu-se a mesa em ques-
tão, desprovida de ponto de apoio contra a parede, se mover
sozinha e como empurrada por uma força repulsiva, recuar e
percorrer progressivamente, por pequenos abalos, o espaço de
cerca de um passo. Mudando de lugar uma das jovens, o mo-
vimento da mesa toma uma direção análoga; o oleado que co-
bre a mesa sendo retirado, o movimento se desacelera sensi-
velmente.
“Tudo isso se passou sob os olhos de vários médicos
respeitáveis e de pessoas recomendáveis por sua instrução e
conhecimentos. Buscando explicá-lo, elas acreditaram reconhe-
cer, até um grau vizinho da certeza, que as duas jovens de que
se trata são dotadas da propriedade de um fluido elétrico es-
pontâneo num grau desconhecido até nossos dias, e que não se
poderia comparar senão à dose da garrafa de Leyde. Em uma,
o fluido elétrico seria positivo, e na outra, negativo quase no
mesmo grau, o que constituiria um verdadeiro fenômeno.”
Em março de 1846, uma jovem apresentou fenômenos
análogos. Seu médico, que entretanto conhece o magnetismo,
acreditou agir bem enviando a garota perante a Academia de
Ciências; mas ocorreu-lhe o que adveio à Srta Pigeaire com a
Academia de Medicina.
Angélique Cottin preocupou vivamente os espíritos, em
razão dos fenômenos extraordinários que apresentava. Esta jo-
vem soltava espontaneamente descargas elétricas que imprimi-
am violentos abalos a todo objeto que se encontrava muito per-
to dela.
Como todos os fenômenos nervosos, esses efeitos eram
variáveis em sua aparição, e influenciados pelas emoções mo-
rais que Angélica experimentava. Esta circunstância, ignorada
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pelas pessoas que procuravam verificar o fenômeno, determi-
nou as denegações destas.
Vamos citar algumas linhas de uma testemunha ocular, à
casa de quem Angélique fora conduzida.
“Conduzi-a à sala de jantar, e, cinco minutos depois, o-
correram os primeiros efeitos. Primeiro foi uma cadeira que
caiu. Apresentamos-lhe outra cadeira. No momento em que ela
se dispunha a sentar-se, um violento movimento se declarou: a
cadeira, que eu segurava, se balançou para a direita e a esquer-
da depois de ter sido repelida.
“A jovem Cottin recebia um choque todas as vezes que
um efeito se produzia, e cada um desses efeitos era acompa-
nhado por um movimento de terror de sua parte. De repente,
voltando-se e tocando por acaso uma mesa, ela foi repelida a
dois ou três pés: depois logo a seguir uma, duas, três cadeiras
caíram, saltaram na sala.
“Depois que constatamos várias vezes esses efeitos como
sendo bem reais, entramos na sala, os fenômenos continuaram,
mas com menos intensidade.
“Adormeci diante dela a jovem sonâmbula Louise.
Quando Angélique Cottin a viu chegar no estado extático, pro-
vocado pelos sons do piano, ficou fortemente impressionada;
aproximou-se do piano, ao qual estava sentado nosso célebre
autor do Châlet, Sr. Adolphe Adam, e subitamente o piano
experimentou um abalo e saltou a um pé de altura. O Sr. Adam
ficou profundamente impressionado.
“Para verificar a espontaneidade desse fato, tentamos le-
vantar o piano, mas precisamos para isso fazer esforços extra-
ordinários.
“O Sr. Adam continuou a tocar música, e o piano, desta
vez, foi repelido por mais de um pé. Os olhos de todas as pes-
soas presentes não deixavam mais a jovem: ela não fez nenhum
movimento, nem tocava no piano.
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“.... Quando ela aproximava o pulso esquerdo de uma
vela acesa, a luz, de perpendicular, ficava horizontal, como se
fosse soprada continuamente.
“Dez dias depois, a jovem Cottin voltou a minha casa; os
efeitos não mais se produziram, e na terceira vez, houve alguns
aqui e ali; mas não eram francos como da primeira vez.
“Fora no momento da menstruação, em 15 de janeiro de
1846, que esses efeitos apareceram pela primeira vez; foi pelo
fim de fevereiro, um mês e meio depois, que esses efeitos de-
sapareceram e não se mostraram mais regularmente.
“Não se poderia admitir que nessa jovem, com treze a-
nos, ocorrera um fato inexplicável no momento do fluxo de
sangue, e que o sistema nervoso recebera um abalo que pertur-
bara o equilíbrio da circulação acumulando uma quantidade
maior de eletricidade no cérebro? Esta suposição é tanto mais
provável que os primeiros efeitos ocorreram após uma tempes-
tade violenta3.”
Desde que Angélique Cottin veio revelar ao público o
fenômeno de eletricidade que certos indivíduos podem desen-
volver, a atenção se dirigiu a essa ordem de fatos, e um número
considerável de outros semelhantes, tanto anteriores quanto
posteriores, foi comunicado e observado.
Encontrar-se-ão alguns detalhes a esse respeito na obra
citada e no Journal de Magnétisme [Diário de magnetismo] do
Sr. Dupotet, ano de 1846.
Devemos agora nos deter com algum cuidado sobre o
sistema nervoso do homem, e é com a ajuda dos trabalhos dos
cientistas e as luzes dos sonâmbulos que vamos estudar suas
funções.
3 Lafontaine. L’Art de magnétiser, ou le Magnétisme animal considéré sous le point de vue théorique, pratique et thérapeutique. [A Arte de magnetizar, ou o Magnetismo animal considerado sob o ponto de vista teórico, prático e terapêutico]. 1847. I vol. in-80 com fig. Página 273.
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Os fisiologistas admitem duas grandes divisões:
O sistema nervoso da vida de relação;
O sistema nervoso da vida orgânica.
Um compreende a medula espinhal, o cérebro, o cerebe-
lo com os pares de nervos que deles dependem. Existe uma
contiguidade perfeita entre essas partes. Sua substância não é
homogênea; distinguem-se aí dois elementos, um cinzento, vas-
cular, substância cortical; outro branco, substância medular.
Desses elementos, um está ora acima, ora abaixo do outro, ou
então ainda são lâminas entrecortadas. Deve-se considerar esta
disposição anatômica; ela foi a base de uma explicação para a
formação do fluido nervoso, pois pensou-se que esses elemen-
tos dessemelhantes constituíam uma espécie de pilha.
Vazios simetricamente dispostos ocupam o interior do
cérebro; eles comunicam entre si e com um outro ventrículo
alojado no cerebelo; esse ventrículo se junta por sua vez com os
dois pequenos canais cavados nos dois cordões que compõem
a medula espinhal.
Esta comunicação interior dessas diversas partes é muito
notável; ela pode ser a via de circulação do fluido nervoso, pois
é somente para os nervos que ele parece correr no exterior à
maneira do fluido elétrico.
Quanto à segunda divisão, o sistema da vida orgânica, é
um composto de gânglios dispostos lateralmente na cabeça, no
peito e no abdômen. Cordões nervosos os unem entre si, se
entrelaçam em certos lugares para formar plexos, focos ativos
de inervação.
Os dois sistemas do aparelho nervoso estabelecem entre
si uma comunicação íntima por meio de redes nervosas.
Eis sumariamente a anatomia do aparelho gerador da vi-
da do homem. Para nós, o cérebro é uma verdadeira glândula
que elabora e secreta o fluido nervoso, como o fígado e os rins
preparam a bile e a urina. Para nós, o sistema ganglionar é um
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aparelho modificador do fluido recebido do cérebro; opera-se
aí uma mudança que põe o fluido cerebral num novo estado;
por conseguinte, os nervos da vida sensorial não têm o mesmo
agente que os nervos da vida orgânica; assim os órgãos perma-
necem subtraídos à nossa consciência e à nossa vontade, en-
quanto essa diferença de fluidos existe. Mas se ela cessa, as fun-
ções orgânicas tornam-se sensíveis e são percebidas pela cons-
ciência; é o que ocorre no sonambulismo magnético, estado no
qual o mesmo fluido nervoso invade o sistema cérebro-espinhal
e o sistema ganglionar.
Essas funções, que acabamos de designar ao sistema ner-
voso, não são geralmente admitidas pelos fisiologistas. Alguns
ainda olham mesmo a existência do fluido nervoso como muito
hipotética. Não sabemos na verdade como se pode então expli-
car todos os fenômenos fisiológicos; e, por outro lado, as expe-
riências de um grande número de cientistas sobre esse assunto
nos parecem demonstrar peremptoriamente a circulação no
sistema nervoso de um fluido análogo ao fluido elétrico.
Se a esses trabalhos acrescentarmos o valor das reflexões
que fizemos estudando o modo de vitalidade de cada parte do
universo, deverá sobressair desta dupla consideração que os
atos fisiológicos do organismo humano são devidos a uma força
absoluta, independente das leis de equilíbrio e de conexão me-
cânica, mas solidária, todavia, do organismo. Esta força é o flui-
do nervoso, modificação dos outros fluidos imponderáveis.
Fisiologistas, fazendo experimentos sobre a ação dos
nervos pneumogástricos na digestão, constataram que a simples
seção desses nervos não bastava para fazer cessar completamen-
te a digestão; mas se se separasse uma porção, ou se voltassem
suas extremidades a fim de impedir o contato e mudar a dire-
ção, a função era interrompida, ao passo que era restabelecida e
se operava mesmo a quimificação estabelecendo uma corrente
galvânica no estômago.
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Não está claro que a ação nervosa é produzida por um
fluido cuja circulação não é totalmente detida pela simples se-
ção dos nervos? E a volta momentânea da digestão que o fluido
galvânico traz prova-o igualmente, assim como isso demonstra
também a analogia dos dois fluidos.
Outros, tendo cortado um nervo bastante volumoso num
animal vivo, paralisaram os músculos onde esse nervo ia dar,
depois a contração muscular despertava aproximando as duas
extremidades do nervo. Tendo aproximado do nervo dividido
uma agulha imantada, eles viram-na várias vezes desviar de dife-
rentes posições. Esta experiência traz as mesmas conclusões
que a precedente.
Eis algumas experiências de um médico inglês com um
enforcado, que se relacionam com nosso assunto.
Exposto o nervo supraorbital, aplicou-se nele um condu-
tor de uma pilha de volta, o outro foi posto no calcanhar; então
as caretas mais extraordinárias apareceram no rosto do morto;
foi um espetáculo tão hediondo, tão pavoroso, que vários es-
pectadores saíram e um deles desmaiou.
Tendo posto em relação a medula espinhal e um dos
nervos do braço, os dedos se agitaram como os de um tocador
de violino. O braço alongou-se, parecendo designar com um
dedo os diferentes espectadores, conforme o condutor variava
seu contato.
Esse cadáver teria podido mover-se com a energia de um
vivo, sob a influência do agente elétrico, se os músculos no es-
tado de vida não fossem solicitados em seus movimentos por
um fluido análogo àquele que aí se introduziu pela experiência?
Numa paraplegia que observamos, a paralisia começara
pelos dedos dos pés, pés, e depois as pernas. O doente, após
vinte meses de definhamento, e depois de ter feito todos os
tratamentos, sucumbiu. Na abertura, dirigimos nossas pesquisas
para a medula espinhal, e encontramos no canal raquidiano,
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sob a quinta vértebra dorsal, um tumor do tamanho de uma
avelã graúda, cheio de serosidade. Esse tumor se alojara à custa
da medula, que nesse lugar estava deprimida e reduzida às
membranas. Toda a medula estava saudável, somente a parte
inferior à compressão não comunicava mais com o cérebro e
não recebia mais seu agente; daí resultava a paralisia dos mem-
bros abdominais.
Para terminar nossas demonstrações práticas do fluido
nervoso, devemos desde já falar das experiências magnéticas e
dos ensinamentos fornecidos pelos sonâmbulos. Reuniremos
assim num mesmo quadro todos os fenômenos que se vincu-
lam ao estudo do princípio cuja importância é tal que ele é a
base científica sobre a qual repousa a teoria do magnetismo.
Mesmer, dominado por ideias de uma fisiologia trans-
cendente e sintética, procurara a natureza da força que vivifica-
va o homem, e excessivamente convencido da influência geral
do fluido universal, professou inicialmente as lições de Van
Swieten, seu mestre, o amigo de Booerhaave, que esse fluido
era o princípio de vida. Mas esclarecido logo por observações
feitas sobre o ímã aplicado a doentes, ele reconheceu que o
homem tinha em si uma potência própria, independente de
todo aparelho físico. Ele chamou essa força de magnetismo
animal, e acreditou que ela era uma porção do fluido etéreo,
modificado pelo molde matriz do homem.
Descartes e Newton haviam colocado os dois termos do
problema da causa da vida. Mesmer deu a solução neste afo-
rismo: “A porção do fluido universal que o homem recebeu em
sua origem, e que inicialmente modificada em seu molde ma-
triz se tornou tônica, determinou sua formação e o desenvolvi-
mento de todas as partes constitutivas de seu organismo.”
Os cientistas estavam então excessivamente preocupados
com as descobertas de Galvani, e espantados demais pela singu-
laridade dos fenômenos anunciados como caracterizando o
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novo fluido, para examinar seriamente o sistema de Mesmer.
As comissões nomeadas não puderam estudar conveniente-
mente o novo agente; observaram somente fenômenos de mo-
dificações vitais, e podendo esses fenômenos nascer por outras
causas, não se podia concluir pela existência de um novo agen-
te.
A teoria e a prática do magnetismo eram portanto tão
singulares que a rígida exigência das ciências exatas não podia
ser satisfeita. Era preciso que o tempo tivesse permitido elabo-
rar o sistema de Mesmer, para que ele pudesse receber uma
sanção verdadeiramente científica. Hoje os elementos constitu-
tivos de uma ciência são suficientemente numerosos e suficien-
temente sólidos para que essa sanção possa ser recusada.
Desde 1775, época na qual Mesmer formulou o sistema