Honor Imperii: a legitimidade política e militar no reinado de Frederico I Barbarossa por Vinicius Cesar Dreger de Araujo - Versão HTML
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS.
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
HONOR IMPERII: A LEGITIMIDADE POLÍTICA E MILITAR NO
REINADO DE FRIEDRICH I BARBAROSSA
Vinicius Cesar Dreger de Araujo
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social do
Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a obtenção do
título de Doutor em História, defendida em
17/03/2011 – VERSÃO REVISADA.
Orientador: Prof. Dr. Nachman Falbel.
São Paulo
2011
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS.
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
HONOR IMPERII: A LEGITIMIDADE POLÍTICA E MILITAR NO
REINADO DE FRIEDRICH I BARBAROSSA
Vinicius Cesar Dreger de Araujo
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social do
Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a obtenção do
título de Doutor em História – VERSÃO
REVISADA.
Orientador: Prof. Dr. Nachman Falbel.
De acordo:_____________________________
Prof. Dr. Nachman Falbel
São Paulo
2011
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS.
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
HONOR IMPERII: A LEGITIMIDADE POLÍTICA E
MILITAR NO REINADO DE FRIEDRICH I BARBAROSSA
Vinicius Cesar Dreger de Araujo
São Paulo
2011
Accipe nunc, Roma, pro auro Arabico Teutonicum ferrum.
Haec est pecunia, quam tibi princeps tuus pro tua offert
corona. Sic emitur a Francis imperium. Talia tibi a principe
tuo redduntur commertia, talia [tibi] prestantur iuramenta.
Tome agora, ó Roma, ferro Teutônico ao invés de ouro
Arábico. Este é o preço que seu príncipe lhe oferece por sua
coroa. Assim os Francos adquirem seu império. Estes são os
presentes dados a ti por seu príncipe, estes são os votos
jurados a ti.
OTTO DE FREISING & RAHEWIN. Gesta Friderici, II. XXXII, p.141
4
AGRADECIMENTOS
Normalmente agradecimentos não são tão fáceis de ser feitos, já que nem sempre
é fácil atribuir com exatidão as contribuições de todos que nos cercam. Contudo,
algumas pessoas encontram-se tão presentes em nossas vidas que ao menos as suas
contribuições tornam-se mais claras.
Em primeiro lugar, a fundação sobre a qual o edifício de minha vida não podia
ter sido erguido. Meu pai Rodolpho, minha mãe Floracy e minha irmã, Graziela. A
vocês o meu amor eterno e o agradecimento por todo o apoio material, moral e afetivo.
A seguir, meu mais profundo agradecimento e carinho a meu mestre, Prof.
Nachman Falbel, seu estímulo e presença constantes, meu exemplo a ser seguido.
Agradeço, e muito, à FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo, pelo apoio financeiro à pesquisa, sem o qual esta dificilmente teria sido
concluída.
Agradeço também aos membros da banca, professores doutores Maria Cristina
Correia Leandro Pereira (USP), Marcelo Cândido da Silva (USP), Álvaro Alfredo
Bragança Jr. (UFRJ) e Cyro de Barros Rezende Filho (Unitau) que com suas críticas e
sugestões em muito enriqueceram esta tese. E, finalmente, a todos os amigos, colegas e
pessoas amadas que contribuíram com amor, carinho, apoio, paciência e diversão para a
consecução desta jornada. A todos, minha gratidão!
Vinicius Cesar Dreger de Araujo
5
RESUMO
Nossa tese pretende analisar a história do conceito de Honor imperii no reinado
de Friedrich I Barbarossa. Para tanto, estudamos as formas de legitimidade real entre os
séculos X e XII buscando entender os pesos relativos dos elementos militares e sacros;
as especificidades de Friedrich Barbarossa e as transformações estruturais por ele
patrocinadas no regnum Teutonicorum.
Depois realizamos o estudo quantitativo e o estudo crítico do Honor imperii na
documentação produzida pela chancelaria imperial (diplomas e constituições) e na
Gesta Friderici de Otto de Freising e Rahewin, principal fonte para o reinado de
Friedrich. Também estudamos os significados do termo honra no contexto cultural
germânico do século XII.
O Honor imperii está ligado à projeção de poder do monarca devido a uma
estrutura jurídica (os direitos Romano e Feudal) que o liga ao exercício militar através
da doutrina da Guerra Justa e à punição pela quebra das Landfrieden.
Palavras-chave: Sacro Império, Política, Legitimidde, Guerra Justa, Friedrich I.
6
ABSTRACT
Our thesis intends to analyze the history of the Honor imperii concept in
Frederick I Barbarossa’s reign. For this we had to study the ways political legitimacy
was obtained between the Tenth and Twelfth centuries seeking to understand the
relative weights of military and sacred elements, Frederick Barbarossa’s singularities
and the structural transformations sponsored by him in the regnum Teutonicorum
After that we stablished a critical analysis of the Honor imperii in the
documentation produced by the imperial Chancellery (charters and constitutions) and in
Otto of Freising & Rahewin’s Gesta Friderici, the most important narrative source for
Frederick’s reign. We also studied the meanings of honor in the german cultural context
of the Twelfth century.
The Honor imperii was bound to the monarch’s power projection by a proper
legal structure (Roman and Feudal Laws) connecting it to the military exercise through
the Just War Doctrine and the punishment of breaking the Landfrieden.
Key Words: Holy Roman Empire, Politics, Legitimacy, Just War, Frederick I.
7
SUMÁRIO
Epígrafe
04
Agradecimentos
05
Resumo/ Palavras-Chave
06
Abstract/ Key Words
07
Sumário
08
Índice
09
Índice Iconográfico e Créditos das Imagens
12
Introdução
14
1: Da formação dos “ducados étnicos” ao desenvolvimento do 18
Império e dos argumentos legitimários da monarquia imperial entre
919 e 1056
2: A ruptura dos paradigmas legitimários com a Contenda das 51
Investiduras
3: Friedrich von Hohenstaufen o Barbarossa
101
4: A redefinição das estruturas de poder no reinado de Friedrich I 146
Barbarossa
5: Honor imperii – fontes e análises
223
Conclusões: Honor imperii – Eixo condutor das políticas de
Friedrich I Barbarossa?
262
Referências Bibliográficas
274
8
ÍNDICE
Introdução
14
1: Da formação dos “ducados étnicos” ao desenvolvimento do Império e dos
argumentos legitimários da monarquia imperial entre 919 e 1056
18
1.1: Da Francia Orientalis a Heinrich I – o poderio dos ducados
18
1.1.1: A Germânia Carolíngia
19
1.1.2: O Ostfrankenreich
21
1.1.3: As famílias aristocráticas
24
1.1.4: Duques
26
1.2: Heinrich I e a legitimidade militar
28
1.3: Otto I, seus sucessores e a Teocracia Imperial
36
1.3.1: Heinrich II e o Reichskirchensystem
45
1.4: Heinrich III e o apogeu da realeza teocrática
47
2: A ruptura dos paradigmas legitimários com a Contenda das Investiduras
51
2.1: Heinrich IV: de Christus Domini a Anticristo
51
2.2: Heinrich V: a busca pela continuidade
73
2.3: Lothar III: a realeza sem futuro
81
2.4: Konrad III: a realeza inglória
94
3: Friedrich de Hohenstaufen o Barbarossa
98
3.1: A linhagem
103
3.2: O indivíduo
110
3.3: A formação
114
3.4: Outras imagens contemporâneas
122
A) Selo de 1157
122
B) Selo metálico – Bula dourada de 1158
126
C) Escultura em uma coluna da Catedral de Freising
129
D) Escultura no claustro de São Zeno em Bad Reichenhall
131
E) Iluminura: Friedrich e seus filhos, da Historia Welforum
132
F) Afresco em Quedlinburg
135
G) Iluminura: Friedrich cruzado, da Historia Hierosolymitana
136
9
H) Iluminura do Liber ad honorem Augusti de Petrus de Eboli (1197)
138
I) Iluminura do Liber ad honorem Augusti de Petrus de Eboli (1197)
140
J) Iluminura do Liber ad honorem Augusti de Petrus de Eboli (1197)
142
4: A redefinição das estruturas de poder no reinado de Friedrich I Barbarossa
146
4.1: Auctoritas: A reformulação das estruturas de legitimação do poder imperial
147
4.1.1: O papel do Direito
147
4.1.2: A herança romana do Império
158
4.2: Potestas: A ressignificação das estruturas de poder
165
4.2.1: Ducados
165
4.2.2: Condados
176
4.2.3: Margraviatos, Palatinatos, Burgraviatos e Landgraviatos
181
4.3: Ops (1): a ressignificação do poder militar
187
4.3.1: A doutrina da Guerra Justa
187
4.3.2: Causa Justa
190
4.3.3: Intenção Correta
193
4.3.4: Autoridade Legítima
194
4.3.5 Landfrieden
198
4.4 Ops (2): as bases materiais do imperium
206
4.4.1: Crescimento demográfico, comercial e financeiro
206
4.4.2: O fisco régio
214
4.4.3: O patrimônio dinástico
216
5: Honor imperii – fontes e análises
223
5.1: A seleção do corpus documental
223
5.2 : A chancelaria imperial
227
5.2.1: A produção da chancelaria fredericiana
232
5.3 Análise quantitativa do Honor imperii
239
5.4 Estudo de Casos
242
5.4.1: O encontro de Sutri e o encontro com representantes da Comuna 242
romana, 1155
5.4.2: A Dieta de Besançon, 1157
249
10
5.4.3: A 2ª campanha contra Milão, 1158
256
Conclusões: Honor imperii – Eixo definidor da política de Friedrich Barbarossa?
262
Considerações finais
270
Referências Bibliográficas
274
11
ÍNDICE ICONOGRÁFICO E CRÉDITOS DAS IMAGENS
Imagem
Legenda e Crédito
Página
1
Planta topográfica reconstituída do Burg Hohenstaufen em Göppingen
104
http://www.burgenwelt.de/hohenstaufen/grlie.htm, acesso: 14/07/2010
2
Reconstituição do Burg Hohenstaufen no século XII
105
http://www.burgenwelt.de/hohenstaufen/grlie.htm, acesso: 14/07/2010
3
Reconstituição do Burg Hohenstaufen no século XV
106
http://www.burgenwelt.de/hohenstaufen/grlie.htm, acesso: 14/07/2010
4
Quadro genealógico simplificado: Hohenstaufen, Welf e Babenberger
109
5, 6 e 7
"Cappenberger Barbarossakopf", na igreja de São João em Selm-Cappenberg, 1155, Selm, Foto: 112
Münster, Westfälisches Landesmedienzentrum/O. Mahlstedt | 04_2970appenberg: frente, perfil e
visão diagonal
8
Prato Batismal Cappenberg
115
Die Zeit der Staufer: Geschichte – Kunst – Kultur, v.2 – Catálogo de Imagens, Stuttgart:
Württenbergisches Landesmuseum, 1977, imagem 323.
9
Selo de 1157
122
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kaiser_Friedrich_I._ Barbarossa.jpg, acesso: 14/07/2010.
10
Cristo em Majestade
123
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Meister_der_Hofschule_Karls_des_Gro
%C3%9Fen_001.jpg, acesso: 14/07/2010.
11
S. Frediano em Lucca
123
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Lucca.San_Frediana02.jpg, acesso: 14/07/2010.
12
Selo de Otto III, 06/02/998
124
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Posse_Band_1_0044.jpg, acesso: 14/07/2010.
13
Bula dourada de 1158
126
http://asv.vatican.va/en/arch/goldenseals.htm, acesso: 14/07/2010.
14
Bula dourada de 1158, frente e verso
127
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Posse_Band_1_0056.jpg, acesso: 14/07/2010.
15
Moeda de 10 Marcos, 1990
128
Foto realizada pelo autor, com peça de sua coleção.
16
Escultura em coluna, Freising (colorida)
129
http://de.wikipedia.org/wiki/Datei:Dom_freising_ Barbarossa.jpg, acesso: 14/07/2010.
17
Escultura em coluna, Freising (P&B)
130
Deutsche Fotothek
18
Escultura Claustro São Zeno
131
BLACK, 2008: 72
15
Friedrich I, Heinrich VI e Friedrich VI da Suábia
132
http://de.wikipedia.org/w/index.php?title=Datei:Friedrich- Barbarossa-und-soehne-
welfenchronik_1-1000x1540.jpg&filetimestamp=20050717092542, acesso: 14/07/2010.
16
Afresco em Quedlinburg
135
Deutsche Fotothek
17
Friedrich como Cruzado
136
http://de.wikipedia.org/w/index.php?title=Datei: Barbarossa.jpg&filetimestamp=
20060116212424, acesso: 14/07/2010.
18
Friedrich entre Heinrich VI e Felipe da Suábia
138
Liber ad honorem Augusti de Petrus de Eboli (1197) – folio 143r centro, 235.
19
Friedrich dirigindo-se ao Oriente
140
Imagem 19: Liber ad honorem Augusti de Petrus de Eboli (1197) – folio 107r alto, 83.
12
20
A Morte de Friedrich, s. XII
142
Liber ad honorem Augusti de Petrus de Eboli (1197) – folio 107r centro, 83.
21
Rio Saleph
144
http://en.wikipedia.org/wiki/Saleph, acesso: 14/07/2010.
22
A Morte de Friedrich, s. XV
144
MADDEN, 2004: 84.
23
O “Augusto Pantocrator”
164
http://cartographic-images.net/Cartographic_Images/205.2_Examples_of_T-O_maps.html, acesso: 14/07/2010.
24
Mapa do Império, circa 1200
171
SCHEUCH. 2000: 30.
25
Pfennige de prata cunhados em Colônia
210
MURRAY, 2006: 153
26
Mapa: Em destaque as terras dinásticas dos Hohenstaufen em fins do século XII
219
BENNETT & HOOPER, 1996: 58.
27
Mapa: Transferências territoriais após 1167
222
http://www.pantel-web.de/bw_mirror/history/bwmaps/bw_298.jpg
28
Quadro comparativo das fontes para o Honor imperii
240
Realizado pelo autor.
13
Introdução
Como não poderia deixar de ser, esta tese de doutoramento é fruto de um longo
processo de maturação intelectual a respeito da história germânica continental em seu
apogeu, entre 911 e 1250, que perpassa praticamente todo o histórico de minha
produção intelectual, iniciado durante a graduação quando trabalhei em regime de
Iniciação Científica com o prof. Dr. Hilário Franco Jr., dedicando-me à análise histórica
dos Carmina Burana, com especial ênfase nas canções de cunho satírico-moralista, nas
quais foi possível ligar os elementos de crítica ao clero pós-gregoriano às disputas entre
Regnum e Sacerdotium, que marcaram a Idade Média Central. Canções goliárdicas
como o Evangelium secundum Marcas Argenti (CB 78) e as obras do Archipoeta de
Colônia aproximaram-me do reinado de Friedrich1 Barbarossa2 através do entourage de seu brilhante chanceler Reinald von Dassel.
A seguir, ao realizar o Mestrado com o prof. Dr. Nachman Falbel, estudei os
conflitos italianos de Friedrich I na dissertação A Arte da Guerra no Século XII – As
Campanhas Italianas de Friedrich I (1154-62), na qual procurei analisar os mecanismos
teóricos e práticos da guerra na segunda metade do século XII; a partir das
investigações a respeito das bases intelectuais dos conflitos, intriguei-me com o nexo
entre o exercício do poder, a guerra e a legitimidade do monarca, coalescido na
expressão honor imperii.
Desta forma dediquei meu doutorado a analisar os variados aspectos da relação
entre o poderio militar e a legitimidade do poder a partir do reinado de Heinrich I (919-
936), ponderando o quanto o exercício do poder militar e de formas alternativas de
legitimação influenciaram os antecessores de Friedrich I no trono germânico e imperial
pós-carolíngio.
O termo latino honor, “honra”, evoca imagens impactantes interligadas ao
contexto da Cavalaria medieval em seu ideal como as gestas e os romances tão
populares entre a nobreza cavaleiresca européia, mas também possui muitos
1
No espírito da exatidão, optamos por manter os nomes em seus originais alemães.
2 Barbarossa foi o apelido dado ao imperador Friedrich por seus súditos italianos. Embora o germânico
Rotbart também tenha circulação, Barbarossa é um termo internacionalmente aceito, inclusive na própria
historiografia alemã.
14
significados para a gramática do poder no século XII, precisamente vinte e seis,
segundo o Mediae Latinitatis Lexicon Minus de Niermeyer3. Embora a expressão honor
imperii tenha sido utilizada a partir de fins do reinado de Heinrich IV4, seu apogeu
ocorreu durante o reinado de Friedrich, quando frequentou as constituições, diplomas,
cartas e mandatos produzidos pela corte imperial, assim como também as crônicas,
poemas e outras fontes narrativas produzidas para as cortes régia e principescas no
Reich.
O honor imperii foi mencionado em diversas obras a respeito do reinado de
Friedrich Barbarossa, mas só mereceu dois estudos de fôlego: Honor imperii die neue
Politik Friedrich Barbarossas, 1152-1159, de Peter Rassow, publicado em 1940 e Die
Ehre Friedrich Barbarossas – Kommunikation, Konflikt und politisches Handeln im 12.
Jahrhundert, de Knut Görich, publicado em 2001.
Rassow analisa-o sob a ótica dos grandes historiadores constitucionalistas
germânicos do século XIX e do início do século XX. Elaborou o honor imperii como
um conceito essencialmente jurídico. Görich, representante das últimas gerações de
medievistas alemães, influenciado por diversas correntes, acabou por considerá-lo como
um conceito sociocultural aplicado à vida política.
Em meu entendimento, o honor imperii não é nem um conceito puramente
jurídico, nem apenas sociocultural, mas sim sociojurídico, calcado sobre as práticas
sociais da honra e reforçado com ideias extraídas do Direito Romano. A honra do
império, entendida como honra/ofício/cargo do imperador através do prisma do Direito
Romano (o imperador como fonte do Direito, sendo lei a sua vontadade registrada5), não
transformaria a ofensa à honra imperial em causa justa para conflitos? A reparação da
ofensa podia ser feita através de dois caminhos: o que levava à contrição humilhante por
parte do ofensor ou o que levava ao conflito armado contra o ofensor.
A compreensão do que o termo honra significava em termos teóricos e práticos
para Friedrich Barbarossa e seu meio social é fundamental para meu projeto. Sendo
3
NIERMEYER, 1976: 495-498.
4
Lexikon des Mittelalters V, 2003: 119.
5
TIERNEY, 1988: 103
15
assim, o nexo entre o significado sociopolítico de honra, sua aplicação jurídica e o
emprego legítimo de força militar é a questão que deve ser deslindada nesta tese.
Para tanto, analisamos no capítulo 1 (“Da formação dos “ducados étnicos” ao
desenvolvimento do Império e dos argumentos legitimários da monarquia imperial entre
919 e 1056”) a estruturação do reino germânico a partir de seu nascimento formal com a
Partilha de Verdun e as formas de legitimação utilizadas entre Heinrich I e Heinrich III
(ou seja, entre 919 e 1056): o rei como primus inter pares (Heinrich I), a
preponderância régia baseada na supremacia militar, a retomada da legitimação
religiosa (ambas sob Otto I) e o início da monarquia teocrática hierárquica transpessoal
(sob Heinrich II e desenvolvida por Konrad II).
O capítulo 2 (“A ruptura dos paradigmas legitimários com a Contenda das
Investiduras”) busca a compreensão do impacto causado nas estruturas e paradigmas
que suportavam o poder dos monarcas germânicos pela Contenda das Investiduras e as
soluções buscadas por Heinrich IV (a ênfase em seu papel como vicarius Dei,
justificando seu poder através das Escrituras e elaborações patrísticas), Heinrich V (a
busca por uma acomodação que lhe permitisse certo grau de continuidade com o
passado), Lothar III (a ênfase nos padrões gregorianos da função régia – cooperação
estreita com o Papado e caráter eleitoral da escolha dos príncipes) e Konrad III (o uso
da diplomacia matrimonial para a formação de uma base de poder interna e externa que
pudesse, de alguma maneira, remediar o enfraquecimento causado ao poder régio por
quase oitenta anos de conflitos constantes).
Após analisar as influências dos antecessores de Friedrich, dediquei o capítulo 3
(“Friedrich de Hohenstaufen, o Barbarossa” ) a entendê-lo como indivíduo,
considerando como sua linhagem, sua pessoa, seu caráter e sua formação eram vistos
por seus contemporâneos, integrando aqui a análise de uma série de imagens que, de
certa forma, resumem sua biografia, mais uma vez, como percebida por seus
contemporâneos.
Já o capítulo 4 foi dedicado à análise das transformações estruturais realizadas
durante o reinado de Friedrich ou que assumiram novo ímpeto durante o mesmo (“A
redefinição das estruturas de poder no reinado de Friedrich I Barbarossa” ). Discutimos
16
o Direito (ou melhor dizendo, os Direitos), a herança romana do império, a
ressignificação dos ducados, condados, margraviatos, landgraviatos, burgraviatos e
palatinatos (e consequentemente a ressignificação dos papéis da nobreza), a
ressignificação do poder militar através das questões derivadas da doutrina da Guerra
Justa e das Landfrieden e as transformações nas bases materiais do poder imperial,
principalmente o crescimento do fisco régio e do patrimônio dinástico Hohenstaufen.
O capítulo 5 (“Honor imperii – fontes e análises”) estuda as condições de
produção e de seleção do corpus documental e a incidência do termo honor imperii,
além de estabelecer o valor do mesmo em dois casos selecionados pela importância
ideológica no reinado de Friedrich Barbarossa: os encontros de Sutri em 1155, a Dieta
de Besançon em 1157 e a convocação para a 2ª campanha contra Milão em 1158
Finalmente, o epílogo conclusivo (“Honor imperii – Eixo definidor da política
de Friedrich Barbarossa?”) lida com as questões relativas ao significado de honra na
Germânia imperial do século XII e seu entrelaçamento com os principais tópicos
abordados na tese.
17
Capítulo 1: Da formação dos “ducados étnicos” ao desenvolvimento do Império e
dos argumentos legitimários da monarquia imperial entre 919 e 1056.
1.1: Da Francia Orientalis a Heinrich I – o poderio dos ducados.
A Germânia continental6 foi dominada à força pelos Francos: em especial pelos
Carolíngios que realizaram uma verdadeira reconquista contra os domínios Merovíngios
da Alamânia, Bavária e Turíngia, além de sua principal área de conquista, a Saxônia;
pacificada apenas no início do século IX. Contudo, após o falecimento de Carlos
Magno, o poder da realeza carolíngia acabou por fragmentar-se em inúmeras partes na
Francia Occidentalis, mas em poucas partes no Ostfrankenreich, que poucas décadas
após o fim do título imperial franco, tornou-se o núcleo de uma nova entidade imperial,
centrada justamente na Saxônia.
A explicação tradicional para este desenvolvimento é a de que o surgimento dos
“jovens” ducados étnicos (também chamados de ducados nacionais ou mesmo regionais
- jüngere Stammesherzogtum) - em contraposição aos antigos ducados Merovíngios -
impediu que a fragmentação alcançasse os níveis de condados e castelanias. Todavia,
ainda se questiona sobre o surgimento dos Stämme.
A própria idéia de “ducados étnicos” pode sugerir associações enganosas,
levando-nos a pensar em organizações tribais autógenas, como se as populações
submetidas pelos Carolíngios pudessem ter desenvolvido estas estruturas a partir de
bases tribais sem interferências externas. Porém, este não foi o caso nem do grande
ducado bávaro dos Agilolfings nem do alamânico dos Hunfridings, ambos de criação
Merovíngia, reconquistados pelos Carolíngios.
“Embora as províncias da Germânia tenham emergido
da antiguidade tardia como comunidades étnicas, foi o governo
6 Existe um problema a respeito da denominação da “Alemanha” medieval. O termo “Alemanha” é
anacrônico e o termo “Germânia” é inexato. Assim, seguimos inicialmente, a sugestão do Prof. Dr.
Álvaro Alfredo Bragança Jr. e adotamos o termo “Germânia continental” para definir o regnum
Teutonicum; porém, este termo também se revela algo inexato quando discutimos a realidade da
monarquia tríplice do Sacro Império. Portanto, adotamos o termo “Germânia imperial” para definir o
regnum após 962.
18
e administração dos Carolíngios que as transformaram em
unidades políticas coerentes e duradouras” . 7
Os ducados germânicos advieram da divisão do reino entre os filhos do monarca,
como pretendemos demonstrar.
1.1.1. A Germânia Carolíngia:
Recapitulemos as relações do reino Franco com a Germânia, que, diga-se de
passagem, nunca foi uma unidade, sendo que seus diversos povos nem homogeneidade
étnica tinham, já que foram formados por processos etnogênicos, impulsionados por
seus líderes:
“Esses líderes eram promovidos por seus exércitos
heterogêneos e formavam os centros ao redor dos quais novas
identidades políticas e religiosas podiam ser desenvolvidas e
nos quais, em alguns casos, antigas noções de identidade sacro-
social podiam ser inseridas. A legitimidade dos lideres provinha
principalmente de sua capacidade de conduzir seu exército à
vitória. Uma campanha vitoriosa confirmava seu direito à
liderança e aumentava o número de pessoas que aceitavam e
compartilhavam de sua identidade.
Com o passar do tempo, o líder e seus descendentes
estabeleciam uma identificação com uma tradição mais antiga,
alegando a autorização divina, com base nas guerras bem-
sucedidas, para que pudessem personificar e perpetuar algum
“povo” antigo. Portanto, a integridade constitucional desses
povos dependia da guerra e da conquista para que tivesse
continuidade e para que sua identidade fosse estabelecida:
eram exércitos (...). A derrota (...) podia significar o fim de um
7 GOLDBERG, 2006: 215.
19
governante ou até mesmo de um povo, que então poderia ser
incorporado a uma outra confederação, mais vitoriosa” .8
Este trecho ilumina o processo formativo das comunidades tribais instaladas na
Europa Central às fronteiras do Império Romano Ocidental. Contudo, pode-se verificar
a continuidade deste processo constitutivo ainda no século V d.C., quando do início da
expansão franca a leste.
Clóvis realizou uma primeira conquista da Alamânia já em 496, nos primórdios
da expansão franca, mas, como os alamanos haviam se colocado sob a proteção de
Theuderic dos Ostrogodos, apenas em 539 os francos puderam reconquistar a região
durante o reinado de Theudebert I, neto de Clóvis, e estabelecer um ducado sob domínio
franco embora com duques locais (que nem sempre dominavam toda a região devido às
disputas entre a nobreza alamânica e a récia). Com a morte de Dagobert I em 638, a
Alamânia, assim como a Bavária, desligou-se do reino franco, mas foi reconquistada
pelos francos por volta de 712; tendo ainda sido realizadas campanhas periódicas contra
rebeliões alamânicas até 746, quando da batalha de Canstatt, na qual Karlmann
(primogênito de Carlos Martel) massacrou grande parte da nobreza alamânica.
No caso da Bavária, a ocupação franca deu-se por volta do início do século VI,
sendo que já em 550 foi estabelecido o ducado bávaro administrado pelo primeiro
membro da linhagem dos Agilolfings que ali governaram até 788, quando o duque
Thassilo III, com pretensões de independência frente a Carlos Magno, foi derrotado por
uma invasão simultânea de três exércitos francos. A Frísia já estava praticamente
dominada. Umas poucas campanhas garantiram sua sujeição, tornada definitiva por
volta de 790.9
A Turíngia havia sido ocupada pela primeira vez entre 531 e 532 sob Theuderic
I e tornada ducado franco, mas, sob Radulf em fins do século VII, os turíngios
rebelaram-se e só foram reduzidos na época de Carlos Martel, mas se rebelaram
novamente com Hardrad contra Carlos Magno (785-786), sendo definitivamente
incorporados ao reino.
8 GEARY, 2005: 96-97.
9 FAVIER, 2004: 204.
20
Por fim, a Saxônia, a única região germânica não ocupada pelos Merovíngios,
manteve-se independente e dividida entre os nordalbíngios, angarianos, ostfalianos e
vestfalianos, até a série de guerras promovidas por Carlos Magno entre 772 e 804. Entre
779 e 785 ocorreram as campanhas contra Widukind, que levaram à conquista da
Angaria (Engern) e da Vestfália. Durante estas campanhas, muitos dos grandes senhores
saxônios passaram ao serviço de Carlos, colaborando com a administração franca. Entre
792 e 797 aconteceram as campanhas para conquistar a Nordalbíngia e a Ostfália, sendo
que os últimos rebeldes nordalbingios só se submeteram em 804.
Assim, no início do século IX os povos germânicos a leste do Reno haviam sido
incorporados ao império Franco; em 843 eles formaram em conjunto um reino separado
sob o Carolíngio Ludwig o Germânico, no contexto da Partilha de Verdun.
1.1.2. O Ostfrankenreich
Após a divisão do império entre os filhos de Ludwig o Pio (a princípio
considerada como uma possibilidade, conhecida como a Ordinatio Imperii de 817, na
qual apenas Lothar seria monarca pleno e seus irmãos Pippin e Ludwig, assim como seu
primo Bernhard receberiam sub-reinos a ele subordinados: Aquitânia, Bavária e Itália,
respectivamente) consolidada na Partilha de Verdun, Ludwig o Germânico, que havia
assumido o controle da maior parte das terras além-Reno, teve que enfrentar o problema
de que:
“Como em toda a Europa Carolíngia, seu reino era
dramaticamente sub-governado. A realeza Carolíngia não era
autocrática, mas sim “supervisora”. O rei dependia do apoio e
cooperação dos nobres para governar seus territórios mais
distantes e ele intervinha nas políticas locais apenas
esporadicamente” .10
10 GOLDBERG, 2006: 207.
21
O rei contava apenas com uma administração rudimentar na corte, uma pequena
burocracia letrada e as Dietas anuais, que providenciavam a principal instituição do
governo régio. “Em última instância, o poder do rei dependia de sua liderança
constante na política, diplomacia e guerra. Se ele adoecia ou morria, seu reino podia
rapidamente se dissolver” .11 Ludwig organizou a administração de seu reino de acordo
com os cinco principais regna orientais: Bavária, Alamânia, Francônia, Turíngia e
Saxônia, dividiu entre eles seus exércitos e enviou condes para cada província.
Todavia, Ludwig teve que enfrentar rebeliões de seus filhos, principalmente do
primogênito, Karlmann, já nomeado præfectus das terras do leste na Bavária (862).
“Ludwig tinha que encarar o fato de que estas rebeliões continuariam até que ele
conseguisse diminuir os ressentimentos de seus filhos ao garantir-lhes mais poder e
independência” .12
Após o acordo com Karlmann, Ludwig divulgou um plano de sucessão para seus
três filhos após a Páscoa de 865 em Frankfurt. Neste projeto de partilha a principal
preocupação de Ludwig era evitar os erros da Ordinatio Imperii de seu pai ao fazer uma
divisão aproximadamente igualitária de seu reino. Contudo, antes mesmo da partilha, já
na década de 850, Ludwig havia associado seus filhos à administração do reino,
tornando-os prefeitos nas regiões fronteiriças estratégicas, cabendo a Karlmann o
controle sobre a fronteira leste da Bavária (já em 856), a Ludwig o Jovem a fronteira do
Elba no leste da Saxônia e Turíngia (858) e Karl o Gordo recebeendo o Breisgau na
Alamânia em 859.
Em 865 a divisão do reino foi confirmada e tornada pública (partilha de
Frankfurt), sendo que nela a Bavária e o senhorio sobre Boêmios e Morávios foram
destinados a Karlmann; a Francônia, Turíngia, Saxônia e o senhorio sobre os Eslavos
tributários ao longo do Elba e do Saale couberam a Ludwig o Jovem e a Alamânia e a
antiga Récia romana – que viriam compor a Suábia – a Karl o Gordo. Porém,
contrastando com os sub-reinos carolíngios anteriores, os filhos de Ludwig o
Germânico não eram reconhecidos como reis nos documentos oficiais ou na maioria das
fontes narrativas (aliás, só o poderiam sê-lo após a morte do rei), e seu pai tomou
11 GOLDBERG, 2006: 207.
12 GOLDBERG, 2006: 274.
22
cuidados para delimitar sua autoridade, ressaltando sua determinação em “manter um
firme controle do supremo poder régio sobre eles” 13, retendo para si mesmo o controle
sobre os bispados, os condados, o fisco régio e os casos judiciários considerados como
mais importantes.
A partir de 857 os três passaram a subscrever ocasionalmente os diplomas
paternos e em meados dos anos 860 todos haviam se casado com esposas originárias da
aristocracia de seus domínios no reino franco oriental: Karlmann com uma filha de
Ernest, um dos magnatas14 mais importantes da Bavária; Ludwig o Jovem com Liutgard,
filha do margrave saxônio Liudolf (ancestral direto de Heinrich I e Otto I) e Karl o
Gordo com Richgard, filha do conde suábio Erchanger de Breisgau15.
A despeito disso, todos os três constituíram substanciais grupos de seguidores
em seus domínios. Karlmann estava poderoso o bastante em 862 para tentar, através das
armas, conseguir mais poder e liberdade de ação, enquanto Ludwig o Jovem em 866 e
novamente em 872 (desta vez em conjunto com Karl o Gordo) revoltou-se em protesto
contra ameaças de redução em seus domínios e só foi aplacado através de mais
concessões de terras e liberdade para julgar casos que envolvessem os magnatas de seu
sub-reino (o mesmo valia para Karl). Ainda assim Ludwig conseguiu manter a lealdade
de seus filhos, como precondição para o recebimento de suas eventuais heranças.
Ludwig o Germânico morreu com quase setenta anos de idade em 876. Com sua
morte, seus filhos sucederam-no nos territórios previamente designados, existindo agora
no Ostfrankenreich três reis. Contudo, Karlmann ficou incapacitado em 878 e faleceu
em 880; Ludwig o Jovem, que havia sucedido a Karlmann na Bavária, morreu em
janeiro de 882, antes que pudesse restabelecer a posição hegemônica de seu pai como,
aparentemente, tencionava fazer. Por volta de 884, Karl o Gordo era o único Carolíngio
sobrevivente adulto e legítimo16. Como tal ele reinou sobre a totalidade do Império
Carolíngio, tendo adquirido a Itália (de seu primo Ludwig II), herdado o restante da
13 GOLDBERG, 2006: 275.
14 Magnata, do latim pré-clássico magnas, um grande homem; do latim clássico magnus 'grande', designa
um nobre ou outro homem em uma alta posição social, pelo nascimento, riqueza ou outras qualidades.
15 HLAWITSCHKA,1960: 223, 283.
16 Ludwig o Germânico morreu em 28/08/876, Carlos o Calvo em 06/10/877 e Ludwig II da Itália em
12/08/875. O sucessor de Carlos o Calvo (Luís o Gago) em 879 e seus dois sucessores (Luís e
Karlmanno) em 882 e 884, respectivamente.
23
Germânia continental de seus irmãos e tendo recebido o convite para reinar sobre a
Francia Occidentalis pelos magnatas locais.
Assim, podemos dizer que o reino franco oriental não passou pelo processo de
desintegração do poder (como veio a ocorrer no ocidente) devido ao acaso de mortes
próximas que reunificaram rapidamente não apenas o reino, mas também a totalidade do
Império Carolíngio pela última vez.
Embora estes fatos sejam altamente indicativos, ainda faltam algumas conexões
entre estes sub-reinos carolíngios do século IX e os Stämme do século X.
1.1.3. As famílias aristocráticas:
Durante os reinados de Carlos Magno e Ludwig o Pio, desenvolveu-se e
consolidou-se um grupo de famílias nobres, cujos domínios e influência se estenderam
sobre todos os regna carolíngios, como os Welf, os Conradinos e os Babenberger,
constituindo-se em uma verdadeira aristocracia imperial trans-regional, mas as
convulsões posteriores à Partilha de Verdun; as constantes lutas e rivalidades entre
Lothar, Ludwig e Karl, apoiados por partidários presentes uns nos reinos dos outros,
levaram-nos a realizar expurgos nesta nobreza imperial nas décadas de 850 e 860.
Estes expurgos e a passagem do tempo fizeram com que duas gerações após
Verdun houvesse a substituição da aristocracia imperial pelas aristocracias locais,
identificadas com seus territórios. No reino franco oriental, este processo coincidiu com
a subdivisão do reino já mencionada entre os filhos de Ludwig o Germânico. O que
disso resultou não era tanto uma aristocracia franca oriental, mas aristocracias suábia,
bávara e franco-saxônia, a partir dos anos 870.
No reinado único de Karl o Gordo encontramos membros das altas aristocracias
regionais, cujo poder estava baseado em extensos alódios, benefícios e liderança militar
tão grandes que o rei não podia removê-los de seus cargos quando quisesse17: “Estas
pessoas e suas famílias eram abastadas e influentes independentemente da dinastia
17 MACLEAN, 2007: 15-16: “Condes e outros representantes-chave dos reis, como os missi dominici ,
não eram o tipo de oficiais públicos removíveis no sentido moderno. Em vez disso, eles eram membros de
famílias já poderosas em nível territorial que eram persuadidas a alinhar-se com a política Carolíngia
pela redefinição de seu poder em termos de serviço régio”.
24
reinante: os Carolíngios não criaram sua aristocracia, mas emergiram a partir dela” .18
Como exemplos, podemos citar Arnulf da Caríntia (filho ilegítimo de Karlmann), o dux
Heinrich (da família Babenberger e principal comandante militar de Karl) e o conde
Boso de Vienne (que se coroou rei na Provença, tornando-se o primeiro não Carolíngio
a ser coroado em 128 anos).
Karl o Gordo foi deposto em 887 por seus próprios súditos germânicos: “O fim
do Império, quando chegou, não foi resultado de desequilíbrios insustentáveis em um
sistema decadente, mas, primeiramente, o resultado de uma disputa sucessória real que
ressoou com algumas preocupações na comunidade política do período” ,19 sendo que
estas “preocupações na comunidade política” estavam ligadas aos fracassos militares
frente aos escandinavos e fracassos políticos internos, como bem ilustra MacLean:
“Ataques vikings podem ser indiretamente
responsabilizados pelo destino do Império. Em primeiro lugar
eles podem ser parcialmente culpados pela deposição de Karl
III o Gordo em 887, evento considerado como a dissolução de
facto do monopólio régio da dinastia. A inabilidade do
imperador em expulsar os invasores, especialmente em Asselt
(882) e Paris (886), vem sendo citada como a causa da quebra
de confiança dos contemporâneos no monarca e assim de sua
remoção do trono” .20
Porém, este passo levou à fragmentação definitiva da herança Carolíngia e à
escolha de reis que, na verdade, eram magnatas territoriais bem estabelecidos em suas
regiões, não necessariamente de ancestralidade carolíngia: Eudes (Odo) na Frância
Ocidental, Ramnulf na Aquitânia, Berengar na Itália, Luís (filho de Boso) na Provença,
Rudolf (Welf) na Borgonha e Arnulf da Caríntia na Frância Oriental, cuja ascensão foi
facilitada por sua prestigiosa vitória sobre os escandinavos na batalha do Rio Dyle em
18 MACLEAN, 2007: 16.
19 MACLEAN, 2007: 09.
20 MACLEAN, 2007: 17-18.
25
891 (que praticamente encerrou com as incursões escandinavas na Germânia
continental, conduzindo os vikings definitivamente para o norte da França e para as
ilhas britânicas).
1.1.4. Duques:
Entre o reinado de Carlos e o de Arnulf, começam a delinear-se historicamente
as figuras evasivas dos novos duques, os quais, aliás, nem sempre eram chamados de
dux/duces, seja por si mesmos, seja pelos outros. A chancelaria régia tendia a manter-
lhes o epíteto de comes (condes) como título. Nas fontes narrativas do século IX
existem numerosas ocorrências da palavra dux/duces, mas com o significado explícito
de líder militar.
Seria metodologicamente questionável supor que este significado tivesse
desaparecido ou que de outra forma fosse usado no início do século X: “Era Liutpold
um dux ou um duque (contra os Magiares) em Pressburg (908) ?” 21. Por outro lado,
também seria questionável traçar uma distinção drástica entre líderes militares e duques
exercendo poder político geral e permanente, já que uma coisa é certa sobre a Idade
Média em geral e o Ostfrankenreich dos séculos IX e X em particular: a liderança
militar e o poder político andavam de mãos dadas.
Em todos os casos podemos localizar uma indicação régia, seja para estes
homens diretamente ou para seus ancestrais, para a ocupação de ofícios públicos que
formaram a base para a sua autoridade posterior. Muitos deles também vinham de
famílias ligadas aos Carolíngios através de casamentos. Assim, os Liudolfings foram a
princípio líderes militares na Ostfália e ligados por matrimônio a Ludwig o Jovem; tanto
os Conradinos da Francônia, quanto os Liutpoldings da Bavária estavam ligados a
Arnulf da Caríntia, enquanto que os Reginarids (Reginar e Gilbert) da Lotaríngia
descendiam de Gilbert, conde de Maasgau, que, em 846 havia raptado e se casado com a
filha de Lothar I.
21 REUTER, 1991: 132.
26
É indicativo que todas estas linhagens tenham surgido à testa de uma gens22 e
que elas tinham nestes territórios uma posição da qual não mais precisavam de
nomeação régia, ou não apenas dela.
Em seus territórios estes homens gozavam de uma posição semi-régia.
Convocavam e comandavam exércitos; com certeza na Bavária e na Suábia (dos
Hunfridings) e, provavelmente também na Lotaríngia e na Saxônia, eles convocavam
Dietas que possuíam funções constitucionais, judiciárias, diplomáticas e militares. As
evidências de terem cunhado moedas é vaga, mas é provável que ao menos os duques
bávaros o tenham feito.
Seu controle sobre a Igreja era consideravelmente reduzido, já que pouco
influíam nas investiduras episcopais, mas os duques controlavam os mosteiros régios
em seus territórios a ponto de poder confiscar suas terras e doá-las a seus seguidores.
Talvez não seja surpreendente que existam tantos debates sobre a natureza e as
origens dos novos ducados, já que, mesmo em sua fase formativa, estas estão longe de
serem claras. Contudo, é evidente que os duques vieram a ocupar um nicho político bem
definido, não apenas no sentido de aumentarem seu próprio poder e o de suas linhagens,
mas também no de que, naquele curto período, se tornou uma ideia bem estabelecida de
que certos territórios necessitavam de um duque.
Recapitulando: para estabelecer de maneira eficiente o seu poder em um reino de
incorporação recente (não nos esqueçamos de que a pacificação da Germânia por Carlos
Magno deu-se entre 780 e 800), Ludwig o Germânico – cuja base de poder inicial havia
sido a Bavária, região melhor estruturada na Germânia devido aos esforços dos
Agilolfings – dividiu o reino franco oriental entre seus três filhos, mas nunca os nomeou
como reis (ou sub-reis) deixando-os efetivamente sob sua autoridade hegemônica.
Após sua morte, cada um dos filhos reinou independente em sua região, mas,
rapidamente o reino foi reunificado sob Karl o Gordo. Cremos que aqui se encontra o
momento fundamental para a constituição dos Stämme: neste reinado surgiu a
necessidade de sanar o vácuo de poder deixado regionalmente pelo fim do estrato
22 Cada um dos grupos populacionais reconhecidos regionalmente, segundo os conceitos da época, podia
ser definido como gens ou mesmo regnum (em relação ao território). Ver: GOETZ, Hans Werner,
JARNUT, Jörg & PÖHL, Walter. (ed.). Regna and gentes : the relationship between late antique and
early medieval peoples and kingdoms in the transformation of the Roman world, Leiden: Brill, 2003.
27
político dos sub-reis23 carolíngios quando da reunificação do reino. As grandes regiões
étnicas estavam acostumadas ao governo direto de um príncipe forte, hegemônico sobre
os magnatas locais, agindo como representante da autoridade régia através de um
mandato consolidado com a nomeação para um dos ofícios ( honores) régios, como
conde, marquês ou, principalmente, duque, sendo normalmente membros da família
real.
Como em fins do século IX já quase não mais existiam Carolíngios viáveis para
a ocupação de todos os honores disponíveis, Karl o Gordo teve que utilizar as muitas
famílias nobres que possuíam ligações matrimoniais com a dinastia. Ademais, foram
escolhidas as linhagens regionalmente mais poderosas, com grandes recursos fundiários
próprios (alodiais) e grande capacidade para a convocação de tropas em caso de
necessidade, assim ligando-as aos objetivos da realeza.
Com a queda de Karl o Gordo e a subseqüente ascensão de Arnulf da Caríntia ao
trono, a estrutura ducal já estava estabelecida, sendo que Arnulf teve que se aliar aos
duques para consolidar seu poder e, quando da extinção definitiva da linhagem
carolíngia oriental (com a morte de Ludwig o Infante), as eleições régias de Konrad I
(duque Conradino da Francônia) em 911 e de Heinrich I (duque Liudolfing da Saxônia)
em 919 foram decididas pelo consentimento dos duques sagrando os monarcas como
primus inter pares.
1.2: Heinrich I e a legitimidade militar
Por volta do ano 900 o reino da Francia Occidentalis estava dividido em cerca
de trinta territórios independentes com apenas tênues conexões ligando-os à disputada
Coroa, na melhor das hipóteses. A influência régia havia chegado a seu nadir. Seus
domínios e seus ofícios, antes oferecidos como benefícios, haviam passado
23 MACLEAN, 2007: 48. “A subrealeza funcionava para os Carolíngios em dois níveis: como forma de
manter o bom comportamento dos membros júniores da dinastia ao conceder-lhes uma fatia tangível de
poder e como forma de agradar as aristocracias provinciais, concedendo-lhes seus “próprios reis” que,
normalmente, casavam-se com famílias de importância regional. Uma corte régia nas proximidades era
encarada menos como um obstáculo do que uma fonte de oportunidades para os aristocratas regionais,
que assim serviriam em ofícios que lhes ajudariam tanto a consolidar seu poder local, quanto como
entrada para a arena da política imperial”.
28
permanentemente às mãos das famílias nobres. Promessas de serviço e fidelidade
haviam perdido o significado.
Todavia, como visto anteriormente, isso não ocorreu no reino da Francia
Orientalis, a Germânia. Ali, em vez da pletora usual de senhorios independentes, cinco
grandes ducados evoluíram entre meados do século IX e o início do século X. Os
ducados – Lorena, Bavária, Francônia, Suábia-Alamânia e Saxônia-Turíngia – estavam
enraizados no processo de domínio estabelecido por Ludwig o Germânico e modificado
por Karl o Gordo, aproveitando-se de antigas divisões tribais de suas regiões, mas eles
nem as abrangiam por completo, nem se confinaram a uma única tribo ou Stamm.
Os duques normalmente não eram membros desses “Stämme” ou tribos, sendo
que todos traçavam suas linhagens à nobreza Carolíngia (normalmente indiretamente,
por matrimônio). Derivavam sua autoridade da proeminência entre os magnatas locais e
sua importância estava assentada em extensas propriedades fundiárias, sucesso militar e
os legados de altos ofícios antes oferecidos como beneficia. Assim foi construída a
supremacia inconteste dos Liudolfings na Saxônia e a dos Liutpoldings na Bavária, mas,
como na Suábia e na Francônia existiam muitas famílias nobres de linhagem Carolíngia,
nestas regiões a supremacia só podia ser obtida através de sangrentos confrontos24.
O ponto de inflexão ocorreu em 911, com a morte de Ludwig o Infante, último
Carolíngio do ramo oriental em linha patrilinear, deixando como único representante da
dinastia Carlos o Simples (893-922), monarca dos Francos ocidentais. A questão que se
impunha era se e quais tribos o reconheceriam como rei da Germânia: a Lorena o fez.
As outras não.
O perigo dos ataques magiares a leste, ligado à realização de que a ajuda militar
vinda do ocidente não estaria a caminho, levou francônios e saxônios a elegerem
Konrad I (911-918) como rei, depois confirmado por suábios e bávaros.
Embora Konrad não fosse diretamente Carolíngio, declarou-se como herdeiro de
suas tradições e não como um primus inter pares em relação aos duques, seu legítimo
lugar. Além disso, a sorte não lhe foi generosa nos campos de batalha: ele não
conseguiu reaver a Lorena (sob controle ocidental) e nem conter os magiares. Konrad
24 BLUMENTHAL, 1991: 30.
29
apenas teve sucesso em obter o apoio da Igreja.
Aparentemente, ele mesmo acabou por reconhecer suas falhas políticas ao
nomear como herdeiro não seu irmão Eberhard, mas seu mais ferrenho rival, o duque
Heinrich da Saxônia, confirmado numa eleição régia por francônios e saxônios em 919.
Heinrich, filho de Otto e neto de Liudolf, não foi reconhecido como rei por
suábios, bávaros e lorenos, porém, demonstrando um sábio comedimento, buscou
estabelecer políticas de aproximação com os duques, agindo como primus inter pares:
recusou tanto a coroação real por um eclesiástico (o arcebispo de Mainz), quanto a
prerrogativa régia de uma capela palatina (funcionando como Chancelaria Real),
evitando assim demonstrações de superioridade do poder real sobre os poderes ducais.
Também é possível que Heinrich tenha considerado um outro problema, o da questão
eclesiástica.
“O óleo santo elevava os soberanos muito acima da
multidão; eles não partilhavam com os sacerdotes e com os
bispos esse privilégio? Entretanto, havia o reverso da medalha.
No decorrer da cerimônia, por um momento o oficiante que
ministrava a unção parecia superior ao monarca que
devotamente a recebia; dali em diante, podia-se pensar que
seria necessário um sacerdote para fazer um rei – sinal evidente
da preeminência do espiritual sobre o secular”25.
Segundo as atas do Concílio de Sainte-Macre, presidido pelo arcebispo Hincmar
de Reims: “a dignidade dos pontífices é superior à dos reis porque os reis são sagrados
pelos pontífices, ao passo que os pontífices não podem ser consagrados pelos reis” .26
Assim, é possível que, para evitar esse tipo de interpretação hierocrática, Heinrich tenha
recusado a coroação eclesiástica. Por outro lado, ele pode ter declinado a unção régia
baseado no princípio de que bastava “ser nomeado e declarado rei”, isto é, nomeado por
seu predecessor e declarado rei pelo suporte aristocrático.
O mais provável é que a preferência de Heinrich tenha mais a ver com o
25 BLOCH, 1993: 78-79.
26 BLOCH, 1993: 79.
30
tradicionalismo carolíngio, já que os Carolíngios da Frância Oriental do século IX não
foram ungidos, do que uma resistência contra o carisma cristão em nome do Heil
germânico27.
Diferentemente de Konrad, Heinrich também demonstrou boa vontade ao
reconhecer os direitos ducais, contanto que estes fossem vistos como dádivas advindas
da monarquia.
O duque Burchard III da Suábia acabou por reconhecer Heinrich em 919; após
uma vitoriosa batalha, o rei foi capaz de forçar o reconhecimento de Arnulf da Bavária
em 921. Tanto o duque da Suábia (em 926) quanto o da Bavária (em 937), receberam
seus ducados como vassalos.
Heinrich foi capaz de recuperar a Lorena ao derrotar o duque Giselbert em 925
(mas o manteve no poder e fê-lo casar-se com sua filha Gerberga em 928) e preparou-se
para confrontar os magiares. A princípio ele comprou tempo: dez anos de trégua em
troca de tributos (em 924), tempo este despendido na construção de fortalezas e aldeias
fortificadas (no estilo dos burghwards anglo-saxões) e na aplicação com nova ênfase do
Heribannum, o antigo direito régio de convocação militar. Paralelamente, Heinrich
promoveu e enriqueceu a nobreza saxônia, garantindo assim um “núcleo duro” para o
confronto com os magiares. Antes, porém, o rei aproveitou a trégua para conquistar as
tribos eslavas dos Havelli e dos Daleminzi em 928, debelou uma rebelião na Boêmia em
929, atuou no norte contra os dinamarqueses, incorporou territórios dos Wends e
conquistou Schleswig em 934. O grande confronto contra os magiares ocorreu na
batalha de Riade (933), próximo ao rio Unstrut.
Desta forma Heinrich conquistou a Pax em seus domínios e a manteve através
do imperium obtido com as vitórias militares. Entre as repercussões da vitória de Riade,
temos o registro de Widukind de Corvey:
“O vitorioso rei retornou e deu as graças devidas a
Deus pela vitória dada pelos céus sobre seus inimigos. Ele
poderia devotar à religião o tributo por ele usado para pagar
ao inimigo e poderia destinar recursos aos pobres. Ele foi
27
BURNS, 1988: 243.
31
aclamado Pai de sua Pátria, Senhor de Tudo e Imperator pelo
exército e a fama de seu poder e sua força foi propagada a
“Widukind, entretanto, não apenas tentou contar à sua assistência o que era o
império otônida, mas também como ele havia sido ganho pela virtus e fortuna de seus
heróis – a casa dos Liudolfings – dos senhores saxônios e, em terceiro lugar, de seus
milites” .29 Ou, como coloca Bagge: “O crescimento do poder saxônio não foi baseado
na justiça ou em demandas legítimas, mas em sua virtus , fortuna , laudes e astúcia.
Assim, o poder cria o direito, e, na mesma forma, o exército cria o Rei” .30
A principal ferramenta de poder de Heinrich foi o exército31 saxônio. Sem ele
teria sido impossível ao rei vencer as guerras contra os eslavos e o renovado conflito
com os magiares. Servia como um verdadeiro pré-requisito para o aproveitamento de
todas as oportunidades abertas aos otônidas e seus associados. Sem uma hoste que fosse
superior às tribos eslavas a leste do Elba, e ao menos equivalente à que os duques
bávaros, francônios, suábios e lorenos podiam reunir e, além disso, treinada para
combater os incursores magiares, não seria possível uma hegemonia saxônia no
Império.
“As conseqüências do sucesso militar no século X eram rápidas e sua aura
podia realizar maravilhas” .32
É improvável que apenas neste nove anos Heinrich tenha construído este
exército de cavaleiros testado em batalha (“miles iam equestri proelio probatus”,
segundo Widukind). Devemos considerar sua necessidade de um exército combativo na
Saxônia logo na década de 910, quando de suas revoltas contra Konrad I e Eberhard
(irmão do rei) por volta de 915, assim como nas demonstrações de força contra os
duques da Suábia e Bavária (920 e 921), por exemplo.
28 FOLZ, 1967: 207
29 LEYSER, 1980: 12.
30 BAGGE, 2002: 84.
31 Cabe nesta época a palavra exército, com significados latos: “expedição militar formada por todos ou
pela maioria dos guerreiros do reino”; “a hoste – composta por uma reunião de guerreiros” in:
NIERMEYER, 1976: 392.
32 LEYSER, 1980: 13.
32
Widukind representa o exército como a instituição mais importante do Império e
seu treinamento foi levado tão a sério que, durante o chamado século Otônida, suas
habilidades na esgrima eram consideradas como formidáveis, assim como seu manejo
da lança (em arremesso e estocada, já que o uso da carga com a lança sob a axila direita
ainda não era conhecido). Portanto, é possível que a formação deste exército, ou ao
menos de seu núcleo principal na Saxônia, tenha sido, no mínimo, obra iniciada em fins
do século IX durante a ascensão dos duques Liudolf e Otto, antecessores imediatos de
Heinrich no ducado. Como reforço a esta idéia, devemos lembrar a já mencionada
supremacia dos Liudolfings no ducado, que não teria sido possível caso os duques não
possuíssem força suficiente para subjugar os condes locais.
O reinado de Heinrich foi bem sucedido:
“Após declarar suas últimas vontades e deixar em
ordem seus negócios, ele morreu, como senhor supremo e maior
dos reis da Europa, superior a todos por suas qualidades de
corpo e de espírito, legando a seu filho um grande e espaçoso
reino que não havia herdado de seus antepassados, mas
conquistado por ele mesmo e garantido por Deus apenas. ”33
Sua principal ferramenta política foi o exército, ou melhor, a sua capacidade de
travar guerras bem sucedidas e recompensar adequadamente seus dependentes. Como
Heinrich recusou-se a obter uma legitimidade calcada no sagrado através da coroação
eclesiástica (possivelmente devido ao antagonismo entre nobres e bispos durante o
reinado de Konrad I), sua legitimidade assentou-se na eleição régia (já considerada
como um veículo para a expressão da escolha divina do monarca), no relacionamento, a
princípio semi-igualitário, com os príncipes e, principalmente, nas vitórias militares,
consideradas como prova do favor divino, que o alçaram definitivamente a uma posição
predominante em relação aos duques, sem minar suas autoridades locais.
O sucesso bélico garantiu a cooperação dos duques que perceberam que desta
33 FOLZ, 1967: 208.
33
forma garantiam riquezas e favores que reforçariam seu poder local, ao mesmo tempo
que favoreciam suas relações com a corte régia.
Desta forma, a legitimidade militar consolidou o poder monárquico pós-
carolíngio na Germânia, embora ela e o direito de conquista fossem parte do arsenal
político desde Carlos Magno. Aliás, Ludwig o Germânico já havia se utilizado do
simbolismo marcial para projetar uma imagem como vitorioso líder militar para definir
sua persona regia: “Ele era mais devotado ao equipamento de batalha do que o
esplendor dos banquetes”, segundo Regino de Prüm com a concordância de Notker o
Gago: “De sua infância até seu décimo sétimo aniversário, o invencível Ludwig sempre
usou o ferro como preferência, em imitação a seu avô Carlos Magno, aquele homem de
ferro”34.
Ludwig foi o primeiro rei medieval a colocar os emblemas da lança e do escudo
em seu selo real. O caráter belicista da corte de Ludwig refletia a realidade política de
seu reinado, já que ele havia ganho seu reino nos campos de batalha de Ries e Fontenoy
35, comemorados como julgamentos de Deus a seu favor. Em sua corte as armas de ferro
e os rituais militares rivalizavam com as regalia de ouro e o esplendor cortesão como
emblemas de sua realeza36.
Na militarizada cultura política da nobreza franca, a reputação de valor militar
de Ludwig importava e muito. Em contraste, contemporâneos criticavam Carlos o Calvo
por ser “mais tímido do que uma lebre”, frequentemente subornando os invasores
escandinavos e “nunca emergindo como vitorioso em batalha”. As guerras constantes de
Ludwig com os eslavos e sua política de senhorio tributário sobre os mesmos,
providenciavam ocasiões frequentes para cerimônias bélicas. Após campanhas bem-
sucedidas, a corte de Ludwig as celebravam com procissões, troar dos sinos e festejos
“conforme a tradição”.
“As frequentes recepções, audiências e dispensas de
embaixadores estrangeiros por Ludwig – código dos Anais de
Fulda para a recepção de tributos e a renovação de tratados de