Implicações da manutenção ou perda da clorofila na tolerância à dessecação de tecidos vegetativos... por Saulo de Tarso Aidar - Versão HTML
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oxidação pela luz no estado de anabiose, o que seria uma vantagem para a sobrevivência à
dessecação em ambientes ensolarados. Por outro lado, a conservação de clorofilas em
homeoclorófilas possibilitaria sua oxidação na luz no estado dessecado, o que explicaria, em
geral, a ausência de espécies deste grupo nos mesmos ambientes.
Embora este modelo faça sentido para um amplo número de espécies homeoclorófilas por
serem encontradas preponderantemente em ambientes sombreados, ele não é totalmente
aplicável. A exemplo disto, são observadas gramíneas e algumas briófitas tipicamente heliófilas
tolerantes à dessecação, além de algumas pteridófitas ( Anemia sp., Doryopteris sp.) de ambientes
parcialmente sombreados a ensolarados, todas homeoclorófilas. Isto deve caracterizar certo nível
de artificialidade com relação à previsão da funcionalidade das espécies de acordo com a
interpretação geral associada à classificação das plantas tolerantes à dessecação em
homeoclorófilas e peciloclorófilas.
Portanto, a sobrevivência à dessecação de homeoclorófilas em ambientes sujeitos à
radiação luminosa intensa deveria ser possível pela ativação de mecanismos capazes de conferir
certo nível de proteção das clorofilas conservadas contra sua possível oxidação pela luz durante a
anabiose. Dentre tais mecanismos poderiam ser citados: a capacidade de expressão de diferentes
substâncias antioxidantes enzimáticas e não-enzimáticas, além da atuação de sombreadores
foliares efetivos no nível do tecido e impostos em decorrência do acúmulo de pigmentos, do
padrão de disposição de tricomas com capacidade de reflexão da luz recebida nas superfícies
foliares, do enrolamento dos tecidos foliares associado a sua diminuição de área que diminui a
interação de suas superfícies com a luz, bem como de um posicionamento foliar com uma
orientação no estado dessecado que limita a interceptação de luz nos horários diários de maior
intensidade. Neste sentido, certa diversidade e interação de mecanismos espécie-específicos
poderiam explicar variações no padrão de ocorrência das homeclorófilas.
Os mecanismos de proteção que poderiam estar associados às homeoclorófilas,
provavelmente, devem ser menos eficientes para a longevidade no estado de anabiose,
comparados ao de perda de clorofilas caracterizada pela peciloclorofilia. Neste sentido, a
longevidade em homeoclorófilas poderia ser menor, supostamente, em decorrência de um maior
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acúmulo de substâncias oxidadas no nível celular quanto maior o tempo de permanência no
estado dessecado. No entanto, parte dos mecanismos de proteção acima mencionados também
pode ocorrer em peciloclorófilas, significando que a sobrevivência deste grupo em condições de
insolação direta não residiria apenas no impedimento da interação da luz com as clorofilas.
1.2
Teoria celular da tolerância à dessecação
A teoria que explica como as plantas pecilohídricas toleram a dessecação se fundamenta
em processos preponderantemente celulares. Embora os mecanismos precisos de percepção dos
estímulos ambientais e sua transdução em sinais no interior do organismo vegetal sejam pouco
conhecidos, uma das primeiras respostas vegetais detectadas no início da condição de seca é o
aumento da produção do hormônio vegetal ácido abscísico (ABA). Este hormônio está envolvido
com modificações na expressão gênica (BARTELS et al., 1990) que resultam no acúmulo de
diferentes metabólitos relacionados com a aquisição da tolerância. Além das respostas iniciais
típicas contra a seca conhecidas em homeohídricas para economizar água, como fechamento
estomático, acúmulo de osmólitos, as plantas vasculares tolerantes à dessecação apresentam uma
modificação do metabolismo de carboidratos e conseqüente acúmulo de açúcares não-redutores
(GHASEMPOUR et al., 1998; WILLIGEN et al., 2004; ZIVKOVIC et al., 2005; BARTELS,
2005), principalmente sacarose, mas também com participação de trealose, rafinose e estaquiose,
que parecem atuar na estabilidade estrutural de macromoléculas em substituição à água
promovendo um estado vitrificado. O acúmulo destes açúcares, além de permitir um controle da
pressão osmótica juntamente com outros osmólitos como prolina, também confere a vitrificação
do citoplasma. No estado vitrificado, o metabolismo é extremamente diminuído (BEWLEY;
KROCHKO, 1982; WILLIAMS; LEOPOLD, 1989). Além de açúcares, também se observa um
acúmulo de proteínas do tipo Late Embryogenesis Abundant (LEA) que também está relacionado
com a manutenção da estabilidade de macromoléculas citoplasmáticas e de membranas
(BARTELS, 2005), possivelmente em sinergia com os carboidratos para formar o estado
vitrificado também conhecido como biovidro (BROWNE et al., 2002). A ativação e/ou acúmulo
de substâncias de sistemas antioxidantes enzimáticos (FARRANT et al., 2003) e não-enzimáticos
(CASPER; EICKMEIER; OSMOND, 1993; WILLIGEN et al., 2001) também recebe
importância de destaque, pois são responsáveis pela eliminação do potencial danoso de radicais
livres e espécies reativas de oxigênio que aumentam sob condição de desidratação. Estas
31
substâncias, dentre elas tripleto de clorofila (3Chl*), singleto de oxigênio (1O2), hidroxila (OH-),
superóxido (O -
2 ) e peróxido de hidrogênio (H2O2), podem ser formadas devido a transferência de
elétrons para o oxigênio 3O2 nas cadeias de transporte da respiração e fotossíntese (TAIZ;
ZEIGER, 2002). No entanto, há considerável variação nas respostas de enzimas antioxidantes nas
fases de desidratação e reidratação de diferentes espécies de plantas pecilohídricas, podendo ter
sua atividade aumentada, diminuída ou mantida estável dependendo da fase (FARRANT et al.,
2003).
Outros mecanismos celulares estão envolvidos, como modificações na composição de
lipídeos de membrana, com diminuição da insaturação de fosfolipídios e o aumento da
concentração de colesterol como possível estabilizador estrutural (QUARTACCI et al., 2002).
Além de modificações na matriz lipídica, foi caracterizado o aparecimento de possíveis
aquaporinas do tipo “TIP 3;1” em membranas dos inúmeros vacúolos pequenos e não-aquosos
que são formados durante o processo de dessecação. Estes canais de membrana aumentam sua
permeabilidade e, provavelmente, estão relacionados com um papel protetor ou estabilizador
contra danos mecânicos que poderiam ser produzidos no momento de influxo da água, durante a
reidratação, além de estarem possivelmente associados com a mobilização de proteínas, acúcares,
prolina e outros solutos que são acumulados nestes compartimentos (WILLIGEN et al., 2004). A
produção de proteínas similares às Early Light Inducible Proteins (ELIPs) também foi
caracterizada em Craterostigma plantagineum e Sporobolus stapfianus, as quais são expressas
durante a re-aquisição da coloração esverdeada de plantas estioladas ou em folhas maduras
expostas à condições de excesso de luz. São proteínas similares às High Light Induced Proteins
(HLIPs) de cianobactérias e proteínas do complexo de colheita de luz, ou light harvest complex
(LHC), dos fotossistemas com função protetora contra danos foto-oxidativos do aparato
fotossintético e que atuam por meio de ligações com zeaxantinas no processo de extinção não-
fotoquímica da energia absorvida (RASCIO; LA ROCCA, 2005).
32
1.3
Fotossíntese e respiração de plantas tolerantes à dessecação
Dentre as plantas tolerantes, encontra-se com maior freqüência a via fotossintética do tipo
C3 (FARRANT et al., 1999), embora as estratégias C4 e do metaboslicmo ácido das crassuláceas,
ou Crassulacean Acid Metabolism (CAM) também possam ocorrer (BARTHLOTT;
POREMBSKI, 1996). Assim como em qualquer homeohídrica, a fotossíntese de pecilohídricas
superiores é mais sensível à desidratação que o metabolismo respiratório (MARKOVSKA et al,
1994; YANG et al., 2003). Após certo período de suspensão da irrigação, o balanço positivo de
CO2 é limitado, inicialmente, pelo fechamento estomático, e se torna negativo após a inativação
fotossintética, tornando-se nulo na condição de anabiose (KIMENOV et al., 1989;
MARKOVSKA et al., 1994; SCHWAB et al., 1989; TUBA et al., 1998; AIDAR et al., 2010). O
artigo publicado por Aidar e colaboradores (2010), derivado de parte desta tese, é apresentado em
anexo.
A diminuição da atividade fotoquímica sob condição de fotoinibição fotossintética
durante a desidratação de plantas tolerantes à dessecação já foi relacionada à ativação de
mecanismos de dissipação de energia como o ciclo das xantofilas (CASPER; EICKMEIER;
OSMOND, 1993).
Durante a reidratação, a respiração é rapidamente ativada. Devido ao fato de as
peciloclorófilas serem dependentes da re-síntese de clorofilas e re-construção do seu aparato
fotossintético, normalmente dependem de um maior período de tempo para recuperar totalmente
suas atividades comparando-se com as homeoclorófilas (TUBA et al., 1994; SHERWIN;
FARRANT, 1996).
Entre as homeoclorófilas, foram estudadas algumas briófitas que apresentaram diferenças
de respostas fisiológicas em função do habitat original mais xérico ou mais mésico, tendo sido
observada uma maximização da assimilação de carbono em períodos mais favoráveis em espécies
ou raças típicas de ambientes mais xéricos, por meio de taxas fotossintéticas mais altas durante a
dessecação, taxas de respiração mais reduzidas durante as fases de dessecação e reidratação do
tecido foliar, tolerância no estado dessecado por um período de tempo mais prolongado além de
uma capacidade de alcançar uma atividade fotossintética mais rapidamente após a reidratação que
espécies ou raças típicas de ambientes mais mésicos (ALPERT; OECHEL, 1985; ALPERT;
OECHEL, 1987). Em estudo com duas espécies homeoclorófilas de Selaginella (pteridófita), a
representante de ambiente mais xérico, S. lepidophylla, apresentou uma recuperação
33
fotossintética mais rápida devido a uma maior conservação do sistema fotossintético e da
atividade da rubisco durante o estado dessecado e, conseqüentemente, uma reduzida dependência
por processos de reparo do sistema fotossintético durante a reidratação comparando-se com a
espécie S. pilifera, de ambiente mais mésico (EICKMEIER, 1980). Estes resultados mostram que
a vantagem da homeoclorofilia está associada à rapidez no estabelecimento de um balanço
positivo de carbono com a reidratação.
Por outro lado, a peciloclorofilia deve conferir vantagem adaptativa para a colonização de
ambientes caracterizados por prolongados períodos de seca severa e radiação solar direta.
Segundo a interpretação vigente, a degradação das clorofilas durante o processo de dessecação
em peciloclorófilas ocorre de forma controlada e ativa, tendo como finalidade o impedimento da
absorção excessiva de luz e conseqüente ocorrência de danos resultantes de eventos foto-
oxidativos por folhas com baixo conteúdo relativo de água (SHERWIN; FARRANT, 1998).
1.4
Foto-oxidação e fotoinibição fotossintética
Na presença de água, os organismos fotossintetizantes são capazes de converter a energia
quântica da luz absorvida pelos pigmentos fotossintéticos em energia redox. Este processo ocorre
por meio da produção de um oxidante forte e de um redutor forte representados pela clorofila
(P680) e pela feofitina (Feo) dos centros de reação dos fotossistemas II (1P680Feo → 1P+680Feo-)
(HEBER, 2008). Na falta de água, a conversão da energia quântica em potencial redox é
diminuída, uma vez que ela é a doadora dos elétrons necessários para os eventos de redução,
impedindo assim a separação de cargas ou seguindo-se de sua recombinação que reverte a
equação anterior (HEBER, 2008). Durante a recombinação de cargas, a reversão do spin
eletrônico produz tripleto de clorofila (3P680), um estado de excitação eletrônica que persiste por
um período relativamente longo nos fotossistemas II dos centros de reação (HEBER, 2008). Este
estado da clorofila pode reagir com oxigênio e produzir singleto de oxigênio (3P680 + 3O2 → 1P680
+ 1O2), que é um radical livre extremamente destrutivo no meio celular e seu acúmulo sob forte
nível de radiação ameaça a sobrevivência de organismos fotossintetizantes (HEBER, 2008).
Substâncias do metabolismo e do aparato fotossintético podem ser inativadas, além de que
membranas e ácidos nucléicos podem sofrer danos como conseqüências do acúmulo de radicais
livres (SMIRNOFF, 1993). A ocorrência destes processos resulta na fotoinibição, que pode ser
conceituada como a diminuição da eficiência quântica fotossintética e da capacidade
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fotossintética máxima de duas formas, dinâmica e crônica, devido ao excesso de luz (OSMOND,
1994). A fotoinibição dinâmica é considerada prontamente reversível no sentido de que após
certo tempo de acondicionamento foliar ao escuro, a folha pode reassumir sua eficiência quântica
fotossintética normal comparável às condições ótimas de disponibilidade de recursos. A
fotoinibição do tipo crônica é considerada lentamente reversível e está relacionada com a
inativação de proteínas do tipo D1 dos fotossistemas II em uma condição em que a planta
apresenta uma diminuição da capacidade de renovação da mesma. Logo, sua recuperação é
possível somente mediante a reposição das formas ativas destas proteínas o que pode ocorrer
somente após períodos de tempo mais longos do que o necessário para a recuperação do estado
fotoinibitório do tipo dinâmico.
1.5
Mecanismos de proteção contra a luz
Sob condições fisiológicas normais, a redução do CO2 para a produção de carboidratos
consome a maior parte dos elétrons derivados da oxidação da água (LAWLOR; CORNIC, 2002).
Sob diminuição da assimilação de CO2 aumenta a transferência de elétrons para o O2, o que,
conforme mencionado anteriormente, podendo levar à produção de espécies reativas de oxigênio
potencialmente danosas. Além disso, pode ocorrer também o acúmulo de substâncias no seu
estado reduzido alterando o estado redox celular. O estado redox está associado à diferentes
agentes de tamponamento e de sinalização celular que poderiam levar à ativação de mecanismos
de proteção. O sistema ferredoxina-tioredoxina, bem como glutationa e ascorbato estão
envolvidos com a regulação do balanço redox, e espécies reativas de oxigênio também estão
relacionadas à ativação de sistemas antioxidantes de proteção enzimática (SCHEIBE et al., 2005;
WILSON et al., 2006). O equilíbrio do estado redox no cloroplasto poderia ser mantido, mesmo
sob diminuição do consumo de redutores equivalentes e de ATP, por meio de três diferentes vias:
transporte cíclico de elétrons, redução de O2 associada a fluxo pseudocíclico de elétrons e ciclo
água-água, e exportação de redutores equivalentes como malato (SCHEIBE et al., 2005). Além
disso, as mitocôndrias contribuem para o balanço redox celular, por meio da enzima oxidase
alternativa (AOX) que dissipa elétrons sem produzir ATP, e por meio da fotorrespiração também
associada aos peroxissomos (SCHEIBE et al., 2005).
Além da manutenção do transporte de elétrons, a dissipação da energia na forma de calor
também pode ocorrer como forma de proteção contra o excesso de luz pelo ciclo das xantofilas
35
(DEMMIG-ADAMS, 1990; DEMMIG-ADAMS; ADAMS, 1996). No ciclo das xantofilas, um
grupo de carotenóides, a interconversão de violaxantina (V), anteraxantina (A), e zeaxantina (Z)
nas membranas dos tilacóides resulta na transformação da energia luminosa em calor. Esta
interconversão é realizada por um processo de de-epoxidação induzido por luz de V para Z via A
catalisado por violaxantina de-epoxidase (VDE), e epoxidação de Z para V sob luz fraca
catalisada por zeaxantina epoxidase (ZE). A enzima VDE requer ascorbato e pH baixo para se
tornar ativa no lúmen (GILMORE; YAMAMOTO, 1992; PFÜNDEL et al., 1994), o que é obtido
por meio do bombeamento de prótons para o interior dos tilacóides em função do transporte de
elétrons fotossintéticos (LATOWSKI et al., 2004a). Além disso, a protonação do lúmen também
induz mudanças conformacionais na proteína PsbS dos complexos antena dos fotossistemas II
(FSII) que levam à dissipação de calor (TAKIZAWA et al., 2007), na qual Z modula e amplifica
a taxa de extinção não fotoquímica (NPQ) da energia excedente (DEMMIG-ADAMS; ADAMS,
1996). O uso preferencial de prótons para a produção de ATP favorece a fotossíntese ao invés da
dissipação de energia (HEBER et al., 2006). Somente o excesso de prótons é direcionado para a
protonação de PsbS, e sua dissociação sob luz baixa ou escuro inativaria a dissipação da energia
dependente de zeaxantina (HEBER, 2008).
No entanto, considerando que a luz nem sempre está presente durante a desidratação, uma
regulação sensível de um sistema de proteção por uma reação de protonação exclusivamente
dependente de luz poderia ser questionável (HEBER, 2008). Além disso, regulação sensível
certifica de que dissipação de energia não compete com conservação fotossintética de energia,
mas procedem simultaneamente enquanto puder ser evitado que o excesso de luz cause
fotoinibição sem impedir a conservação de energia fotossintética em plantas hidratadas (HEBER,
2008).
Em organismos autotróficos pecilohídricos, a fluorescência da clorofila diminui em
função da perda de água assim como a fotossíntese e a separação estável de cargas (HEBER et
al., 2006), e aumenta em resposta a reidratação re-estabelecendo a separação estável de cargas
(HEBER, 2008). Embora a extinção da fluorescência possa ser, à primeira vista, simples
conseqüência da desidratação das membranas fotossintéticas que contêm clorofila, o uso de luz
pela fotossíntese, a emissão de fluorescência e a dissipação de energia na forma de calor ocorre
de forma competitiva uma com as outras, de acordo com a primeira lei da termodinâmica
(HEBER, 2008). Devido a isto, a perda concorrente da separação de carga e de emissão de
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fluorescência durante a desidratação indica a ativação de mecanismos de dissipação de energia,
enquanto sua inativação é mostrada pelo aumento da fluorescência durante a reidratação
(HEBER, 2008).
Novos mecanismos de dissipação de energia que não requerem reação de protonação para
sua ativação têm sido evidenciados como forma de proteção contra a fotoinativação em briófitas
e líquenes dessecados (VEERMAN et al., 2007). Um mecanismo principal que não requer luz
para sua ativação é baseado em mudanças conformacionais de um complexo proteína-clorofila
induzidas pela dessecação. Este mecanismo permite uma dissipação de energia térmica,
denominada ultra-rápida, dentro do complexo proteína-pigmento, impedindo a chegada de
energia nos centros de reação funcionais e, conseqüentemente, protegendo-os contra a
fotoinativação. Na presença de luz durante a dessecação, as mudanças conformacionais são
modificadas de maneira a promover um aumento da fotoproteção particularmente em
clorolíquenes dessecados (HEBER, 2008).
Além de mecanismos bioquímicos, as plantas podem apresentar formas de se proteger do
excesso de luz por meio de uma movimentação e auto-sobreamento foliar capazes de limitar a
absorção excessiva de luz (SHERWIN; FARRANT, 1998).
1.6
Distribuição de Anemia flexuosa e Pleurostima purpurea, observações sobre os
ambientes de ocorrência natural de peciloclorófilas e homeoclorófilas, e condições
de cultivo
1.6.1 Distribuição de Anemia flexuosa
O gênero Anemia é amplamente distribuído na América Tropical, com cerca de 80
espécies, e sul da Índia, sendo o Brasil um dos centros de diversidade do grupo representado
pelas suas regiões central e do sudeste (TRYON; TRYON, 1982).
Tryon e Tryon (1982) descrevem que o gêrero Anemia é primariamente de habitats
abertos e locais bem drenados, estando suas espécies freqüentemente associadas com outras
pteridófitas como Pellaea e Doryopteris, além de espécies das famílias Eriocaulaceae e
Velloziaceae, como é o caso de Pleurostima purpurea, do sudeste brasileiro. No entanto, Anemia
flexuosa apresenta uma ocorrência preferencial em ambientes sombreados, principalmente em
meio à vegetação herbácea de comunidades de ilhas de solo encontradas em afloramentos
rochosos (MEIRELLES, 1990). Apesar dessa constatação, a ampla distribuição desta espécie
37
inclui formações como cerrado e campos de altitude (TRYON; TRYON, 1982; ISHARA et al.,
2008; SALINO; ALMEIDA, 2008) onde também podem ser encontradas em condições de alta
exposição.
1.6.2 Distribuição de Pleurostima purpurea
O gênero Pleurostima foi proposto para um grupo diferenciado de espécies de
Velloziaceae brasileiras (MENEZES, 1980). Pleurostima purpurea é endêmica do estado do Rio
de Janeiro, Brasil, onde ocorre em ilhas de solo sobre afloramentos rochosos graníticos sob
condição exposta à radiação solar direta (MEIRELLES; MATTOS; SILVA, 1997).
1.6.3 Observações sobre os ambientes de ocorrência natural de peciloclorófilas e
homeoclorófilas
Todas as espécies peciloclorófilas conhecidas são angiospermas monocotiledôneas. No
grupo das homeoclorófilas encontra-se uma maior diversidade de grupos taxonômicos, com
representantes de briófitas, pteridófitas e angiospermas mono e dicotiledôneas.
De acordo com observações de campo, a ocorrência das espécies peciloclorófilas limita-se
a ambientes cuja exposição permite a incidência de radiação solar direta em, pelo menos,
algumas horas do dia. Isto pode variar dependendo do grau de inclinação e orientação da vertente
do afloramento rochoso em que se encontram tais plantas. As vasculares homeoclorófilas, por sua
vez, apresentam uma maior ocorrência em ambientes sombreados por outros estratos de
vegetação ou em faces rochosas cuja disposição permite somente a ocorrência de luz difusa nos
sítios de ocorrência das plantas. As vasculares homeoclorófilas normalmente são encontradas em
meio à vegetação estabelecida nas ilhas de solo que constituem as comunidades vegetais das
superfícies de afloramentos rochosos, além de poderem ser encontradas com um hábito epifítico,
ou seja, sobre a superfície de troncos de árvores onde a luz incidente é difusa ou direta por curtos
períodos de tempo.
No entanto, a espécie homeoclorófila Anemia flexuosa, apesar de ocorrer com maior
freqüência em ambientes mais sombreados, pode também ser encontrada sob uma condição de
exposição à radiação luminosa aparentemente semelhante à verificada para espécies
peciloclorófilas, como Pleurostima purpurea.
38
1.6.4 Condições de cultivo
Observações em condição de cultivo em casa de vegetação mostram que esta espécie pode
ser cultivada sob radiação solar direta e alta disponibilidade de água, embora aparentemente
passe a desenvolver folhas menores e em menor número, comparativamente. Além disso, Anemia
flexuosa é capaz de sobreviver após um ciclo completo de desidratação e reidratação sob radiação
solar direta, mas parece não manter a mesma longevidade foliar após repetidos ciclos
comparando-se com uma condição sombreada. Outro aspecto observado é de que Anemia
flexuosa parece não perdurar de forma viável no estado dessecado por longos períodos de tempo,
diferentemente das espécies peciloclorófilas. Isto pode sugerir a ocorrência de uma menor
capacidade de manutenção da viabilidade em plantas homeclorófilas do que em peciloclorófilas
quanto maior o tempo de permanência na condição dessecada.
1.7
Argumentação e hipótese de estudo
Conforme apresentado, as células de tecidos vegetativos de plantas pecilohídricas sofrem,
em geral, profundas alterações ultra-estruturais durante o processo de dessecação, que culmina
com sua vitrificação. Nas peciloclorófilas, este estado protoplasmático de desidratação extrema é
destituído de clorofilas devido ao mecanismo de desmantelamento do aparato fotossintético. Este
mecanismo é visto como uma forma de impedimento contra danos foto-oxidativos que poderiam
ocorrer durante o estado dessecado normalmente associado à condição de exposição à radiação
solar direta. Neste sentido, a peciloclorofilia deve impedir a absorção excessiva de luz e
conseqüente ocorrência de eventos de foto-oxidação em folhas dessecadas (SHERWIN;
FARRANT, 1998). Desta forma, com a perda de clorofila, removem a principal fonte de espécies
reativas de oxigênio do sistema. Provavelmente, a ausência de clorofilas durante a reidratação
também deve ser importante no seu processo de recuperação, uma vez que nesta fase a atividade
metabólica deve estar em grande parte comprometida com processos de reparo. Esta idéia se
reforça pelo fato de o início da ressíntese de clorofilas em Pleurostima purpurea, assim como em
outras espécies pecilohídricas peciloclorófilas, ocorrer somente após a total reidratação dos
tecidos foliares (TUBA et al., 1993a,b; TUBA et al., 1994; AIDAR et al., 2010). Isto pode sugerir
que a condição de máxima hidratação seja a mais segura para a reativação fotossintética, dada a
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maior capacidade fisiológica de proteção e reparo que células túrgidas devem apresentar. Por
outro lado, o período supostamente mais suscetível para a ocorrência de processos de foto-
oxidação nestas plantas deve se limitar àquele em que o tecido foliar se encontra em um estado de
desidratação parcial que ocorre no início do processo de dessecação, em que ainda há algum grau
de conservação do estado ultra-estrutural de seus tilacóides juntamente com as clorofilas, mas
sem assimilação fotossintética de CO2. Desta maneira, processos de dissipação de energia devem
ser fundamentais nesta fase de desidratação para assegurar a viabilidade do tecido que se prepara
para entrar em anabiose.
Em homeoclorófilas, por sua vez, a manutenção do aparato fotossintético estruturalmente
íntegro, salvo algumas alterações, mantendo estável seu conteúdo de clorofilas durante o estado
dessecado, é interpretada como vantajosa uma vez que os indivíduos deste grupo podem assumir
um balanço positivo de carbono mais rapidamente com a reidratação (EICKMEIER, 1980),
comparando-se com peciloclorófilas que dependem de uma reconstituição do sistema
fotossintético. No entanto, não está claro em que condições a conservação do aparato
fotossintético poderia favorecer a ocorrência de processos de foto-oxidação nas espécies
tolerantes à dessecação homeoclorófilas, e sob qual faixa de estados de hidratação. Além disso,
também não se conhece os limites de intensidade luminosa em que a estratégia de
homeoclorofilia pode ocorrer, o que provavelmente depende das características foliares da
espécie e que modifica seu padrão de interação com a luz de acordo com o grau de dessecação do
tecido. Isto é pertinente, pois se o sistema de membranas fotossintéticas sofre poucas alterações
durante toda a fase de dessecação e reidratação, sua interação com uma determinada intensidade
luminosa sob certa faixa de estados parciais de hidratação poderia resultar na oxidação da
clorofila e destruição de seu aparato fotossintético se mecanismos dissipativos de energia não
forem suficientes para garantir sua proteção. Desta forma, tais plantas somente devem ser capazes
de se recuperar após serem submetidas ao estado dessecado por meio da ativação de mecanismos
de proteção contra danos oxidativos durante o processo de dessecação. Portanto, a ativação destes
mecanismosdeve ser suficiente para resultar em uma capacidade de recuperação adequada após a
reidratação, dependendo da intensidade de luz. No entanto, a intensidade de luz incidente no nível
celular também poderia ser alterada pelo próprio padrão de enrolamento foliar e/ou síntese de
pigmentos específicos da espécie (Ex.: antocianinas), mesmo que em um ambiente ensolarado.
40
Em função destas considerações, não está claro se a maior freqüência de indivíduos da
espécia homeoclorófila Anemia flexuosa em ambientes mais sombreados é conseqüência de sua
maior suscetibilidade a danos fotoxidativos que possam ocorrer durante as fases de desidratação e
reidratação, quando se encontram em estados de hidratação parcial, ou seria decorrente do
acúmulo de danos fotoxidativos nos tecidos foliares somente durante o estado dessecado, ou em
cada uma destas fases. Diante disto, pode-se supor que a ocorrência de cada uma destas
possibilidades incorreria em uma diminuição da taxa de recuperação fotossintética da espécie
durante o processo de reidratação.
Para explicar a distribuição diferencial de espécies homeo e peciloclorófilas em diferentes
habitats presumimos que tecidos foliares de Anemia flexuosa devem estar sujeitos a processos
foto-oxidativos capazes de produzir efeitos de fotoinibição da fotossíntese em uma faixa de
conteúdo relativo de água mais ampla do que em espécies peciloclorófilas durante as fases de
desidratação e reidratação sob uma determinada intensidade luminosa. Em decorrência disto,
levantamos a seguinte hipótese: se a ocorrência preferencial de Anemia flexuosa em ambientes
sombreados é conseqüência de sua maior suscetibilidade a processos fotoinibitórios em uma
maior faixa de conteúdo relativo de água do que em Pleurostima purpurea então a indução da
dessecação numa condição de máxima radiação fotossinteticamente ativa não saturante em
relação às condições iniciais de hidratação deve diminuir sua taxa de recuperação fotossintética
durante a reidratação. Logo, a recuperação fotossintética de Anemia flexuosa durante a
reidratação deve ser menor do que em Pleurostima purpurea com o aumento da condição de luz
de acondicionamento durante a fase de desidratação.
Para testar esta hipótese, foram avaliados parâmetros fotossintéticos e de relações
hídricas durante os processos de dessecação e reidratação em diferentes intensidades luminosas
em uma espécie homeoclorófila e outra peciloclorófila, ambas de uma mesma comunidade
vegetal, e em uma espécie homeohídrica cultivada para servir como referência comparativa às
pecilohídricas.
O objetivo deste projeto foi caracterizar a capacidade de uso e proteção contra a luz
durante as fases de desidratação e reidratação de plantas intactas nas espécies tolerantes à
dessecação Anemia flexuosa e Pleurostima purpurea, e na homeohídrica Oryza sativa (IAC 202).
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2 DESENVOLVIMENTO
2.1
Revisão Bibliográfica
2.1.1 Tolerância à dessecação em homeoclorófilas
Stuart (1968) evidenciou a tolerância à dessecação de tecidos vegetativos de Polypodium
polypodioides coletada de galhos de árvores de Quercus virginiana em Tallahassee, Florida.
Neste estudo, segmentos foliares impedidos de enrolar apresentaram completa recuperação
fotossintética após a perda de 97% do conteúdo normal de água. A atividade fotossintética foi
medida pela produção de oxigênio, e foi proporcional ao conteúdo de água entre 20 e 100%. O
autor também verificou que a submersão em água do pecíolo ou rizomas da planta desidratada
não resultou na reidratação das folhas, que somente se tornaram túrgidas quando em contato com
uma umidade relativa alta ou com água líquida. Foi verificado que sob condições de turgescência,
o pecíolo transportou água do rizoma para a folha em transpiração, uma vez que folhas
destacadas dos seus pecíolos se desidrataram, enquanto folhas intactas permaneceram hidratadas.
Além disso, quando rizomas de plantas túrgidas inteiras eram colocados em água, as folhas
permaneciam hidratadas e não enrolavam, mas quando se permitia que o rizoma secasse, as
folhas desidratavam rapidamente e se enrolavam. De acordo com o autor, as escamas presentes
na superfície desta espécie teriam a função de distribuir a água sobre a superfície foliar. Isto
preveniria a ocorrência de danos mecânicos que poderiam ocorrer se somente uma parte da folha
se tornasse expandida após a reidratação.
Eickmeier (1979) avaliou a recuperação fotossintética de frondes de Selaginella
lepidophylla coletadas do campo em estado dessecado. Após a reidratação, foi observada uma
rápida capacidade de recuperação fotossintética, o que estaria relacionada a uma maximização da
assimilação de CO2 durante os curtos períodos de disponibilidade de água nos ambientes de
ocorrência da espécie. O autor concluiu que a rápida recuperação fotossintética foi conseqüência
de um rápido aumento da atividade carboxilase da rubisco, o que teria sido possível tanto por
uma síntese de novo quanto pele conservação da enzima no estado dessecado.
Eickmeier (1980) realizou um estudo comparativo sobre a capacidade de recuperação