Juventude Brasileira e Democracia – participação, esferas e políticas públicas por Anónimo - Versão HTML
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uma vez, sinaliza a sua eficácia.
O principal problema de tal ferramenta está no fato de depender de equipamento
multimídia para sua exibição. No “Guia do(a) Facilitador(a)”, chamou-se a atenção para a
necessidade de testar com antecedência tal equipamento, e sugeriu-se criar uma alternativa no
caso de algum imprevisto ocorrer. Pelos relatos regionais, parece não ter havido muitos problemas
nesse sentido. O maior deles, no entanto, aconteceu na RM de Porto Alegre, que ficou sem luz em
um dos Dias de Diálogo, quando a equipe “dramatizou” o conteúdo do CD-ROM com a ajuda
dos(as) jovens.
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Estandartes ( Banners)
Os estandartes apresentaram em destaque algumas das informações presentes no Caderno de
Trabalho e no CD-ROM, servindo tanto para introduzir o(a) jovem no Diálogo (uma vez que eram
vistos logo que chegavam), quanto para ajudar a fixar as informações passadas. Estes foram
bastante valorizados pelas equipes regionais, principalmente aquele referente aos compromissos
do Diálogo, que ajudou alguns(mas) jovens a evocar as “regras” junto a seus(suas) colegas. Eles
contribuíram também para criar, no local do encontro, um ambiente propício ao Diálogo. Os
estandartes foram importantes “como recurso de identificação visual, na tentativa de fazer os(as)
jovens se sentirem familiarizados(as) com aqueles personagens – presentes em também nos
Cadernos e no CD-ROM – que, ao longo do dia, estariam passando as informações para eles”, nas
palavras da equipe do Rio de Janeiro.
20
Fichas Pré e Pós-Diálogo
As fichas Pré e Pós-Diálogo, instrumentos que permitiram medir as variações na adesão aos
“Caminhos Participativos” propostos, foram diferenciadas por cores distintas. Nelas, os(as) jovens
poderiam mostrar o grau de adesão ou rejeição a cada Caminho, marcando um valor numa escala
de 01 a 07, onde 01 representava rejeição total e 07, adesão total. Na segunda delas, em que o(a)
jovem poderia dizer em que condições aderiria a determinado Caminho, foram solicitados também
dados básicos de seu perfil (sexo, faixa etária, grau de escolaridade e se trabalhava ou não).
Apesar de algumas equipes regionais terem apontado que as informações presentes nas fichas
eram bastante claras, isso não foi consenso. Outras equipes ressaltaram ter percebido dificuldade
entre os(as) jovens quando as preenchiam, destacando a importância de explicar as orientações
ao invés de apenas lê-las. Apesar de terem chamado a atenção para o fato de não ser uma prova,
não havendo respostas certas ou erradas, muitos(as) jovens tenderam a encará-la dessa maneira.
A linguagem, que seguiu o padrão do Caderno de Trabalho (Roteiro para o Diálogo), também pode
ter representado uma dificuldade no seu entendimento e preenchimento.
Solicitou-se que os(as) jovens atribuíssem pontuação para os três diferentes Caminhos
Participativos sugeridos: o Caminho 1 ( Eu me engajo e tenho uma bandeira de luta), o Caminho 2
[Eu sou voluntário(a) e faço a minha parte] e o Caminho 3 ( Eu e meu grupo: nós damos o recado).
Como dito anteriormente, essa avaliação dos Caminhos Participativos ocorreu em dois distintos
momentos. O primeiro momento ocorreu após a apresentação aos(às) participantes do CD-ROM e
dos Cadernos de Trabalho, que traziam imagens e textos com fundamentação, aspectos positivos
e problematizações sobre esses mesmos Caminhos. O segundo momento de pontuação ocorreu
ao final do Dia de Diálogo; nesta segunda avaliação, solicitou-se que os(as) jovens escrevessem
suas condições de apoio ao Caminho, caso elas existissem.
Como pressuposto metodológico, não se pretendeu que os(as) jovens estabelecessem
comparações valorativas entre os Caminhos, mas que avaliassem cada um deles em separado
numa escala na qual 01 representaria a mais baixa adesão ao Caminho e 07, a mais alta adesão.
Buscaram-se, então, através deste instrumento, dados que permitissem perceber a opinião inicial
dos(as) participantes sobre os Caminhos antes da interação provocada pelo Diálogo, que ocorreria
durante todo o dia, e a reação destes(as) após o evento, que pôde variar entre a manutenção da
pontuação inicial e a mudança, para mais ou menos e com diferentes intensidades, em cada um
dos Caminhos sugeridos.
As fichas Pré e Pós-Diálogos são recursos auxiliares que, em conjunto com os dados
qualitativos recolhidos durante as sessões de Diálogo, permitiram perceber a influência da
interação sobre a manutenção ou mudança de posições relacionadas a formas e conteúdos de
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participação social, cultural e política segundo os diferentes perfis dos(as) participantes
(escolaridade, gênero, idade e condição frente ao trabalho).
A agregação das notas das fichas Pré e Pós-Diálogo que foram atribuídas por cada um(a)
dos(as) participantes permitiu perceber a preferência por determinado Caminho Participativo em
cada uma das regiões da pesquisa. A análise desses dados agregados, em conjunto com os dados
qualitativos dos grupos de diálogo, contribui para a percepção sobre os valores atribuídos pelos(as)
jovens a cada um dos sentidos de participação impressos nos Caminhos sugeridos pela pesquisa.
É possível intuir que a nota Pós-Diálogo é atribuída em momento de melhor condição de
julgamento, considerando que, ao fim do Dia de Diálogo, os sujeitos experimentaram processo no
qual puderam dialogar sobre valores, efetividade dos Caminhos para a realização de mudanças e
suas conseqüências pessoais e coletivas.
Partindo da informação que a maioria dos(as) jovens atribuiu notas altas (06 e 07),
configurando intervalo de diferenciação valorativa pouco significativo, a ordem numérica das
preferências pode ser muito mais reveladora de tendências participativas. As equipes regionais de
pesquisa identificaram muitos(as) jovens que reconheceram potencialidades e também problemas
nos três Caminhos sugeridos.
Considerando as notas das fichas Pré e Pós-Diálogo, pode-se dizer que os(as) jovens
perceberam positividades nos três Caminhos Participativos para a promoção das mudanças
desejadas por eles(as) nas áreas da educação, trabalho e cultura/lazer. Ainda que estatisticamente
se possa apontar preferências, não é demais insistir em dizer que o “clima cultural” dos grupos de
diálogos tendeu ao hibridismo na hora da escolha dos Caminhos. Dessa forma, ao se apontar o
caminho melhor pontuado individualmente pelos(as) jovens, não se deve perder de vista que, em
verdade, não houve “Caminho vitorioso” nacional ou regionalmente, mas, sim, percursos
privilegiados de escolhas ancoradas por determinados valores. Os diálogos ocorridos em torno dos
Caminhos Participativos colocaram em jogo razões, valores e intersubjetividades que levaram os
(as) jovens a valorizarem determinado Caminho no momento em que foram solicitados(as) a fazê-
lo nas fichas Pré e Pós-Diálogo.
Ao estabelecerem – escrevendo nas fichas Pós-Diálogo – condições para o apoio a cada
um dos três Caminhos Participativos sugeridos pela pesquisa, os(as) jovens evidenciaram o
predomínio de alguns valores que desejam ver impressos à participação.
Foram 911 os(as) jovens que responderam às Fichas Pré e Pós-Diálogo nas regiões onde
se realizou a pesquisa.
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Considerações finais
O Diálogo brasileiro, tendo como tema a participação e como foco a juventude, foi uma rica
experiência em que vários aspectos contribuíram para que pudesse ser compreendida como
experiência exitosa, considerando seu ineditismo e as dificuldades encontradas ao longo do
percurso. Para concluir a presente exposição, serão destacados alguns pontos que concorreram
para sua realização, bem como algumas dificuldades encontradas ao longo do caminho.
A Rede
A opção por um trabalho descentralizado, em que a coordenação e a equipe técnica buscaram
respeitar as especificidades locais e institucionais, se mostrou muito rica, apesar dos desafios
colocados por essa forma de trabalho. A pesquisa foi pensada, desde o início, para ser realizada
por uma multiplicidade de parceiros que construíram juntos uma forma coletiva de trabalho. O
papel de coordenação foi desempenhado pelo Ibase e pelo Pólis. Os parceiros canadenses CPRN
(Redes Canadenses de Pesquisa em Políticas Públicas) e IDRC (Centro de Pesquisas para o
Desenvolvimento Internacional) foram responsáveis, respectivamente, pela assessoria técnica –
principalmente na metodologia dos Diálogos – e pelo apoio financeiro. Além deles, em cada uma
das regiões pesquisadas, uma ou duas instituições ficaram responsáveis por sua supervisão
regional e gestão local. A seguir, encontra-se listagem das instituições envolvidas em cada uma
das regiões:
Região pesquisada
Instituição(ões) responsável(is)
Porto Alegre
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
São Paulo
Ação Educativa
Rio de Janeiro
Iser/ Assessoria e Universidade Federal
Fluminense/ Observatório Jovem do Rio de
Janeiro
Belo Horizonte
Universidade Federal de Minas Gerais/
Observatório da Juventude
Distrito Federal
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Salvador
Cria – Centro de Referência Integral de
Adolescentes
Recife
Equip – Escola de Formação Quilombo dos
Palmares e Redes e Juventudes
Belém
Unipop – Instituto Universidade Popular
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O entrosamento e a interação entre todos os membros da rede, bem como a obtenção de
um padrão homogêneo no trabalho realizado de forma descentralizada, foram alcançados através
de encontros presenciais e de um Fórum Eletrônico (via internet). Os encontros foram organizados
no formato de seminários, ao todo, quatro. Houve um esforço coletivo permanente na construção e
manutenção da rede, tanto por parte da coordenação do projeto, quanto das equipes regionais.
Disso resultou a pesquisa planejada centralmente (mas de forma participativa), e
executada e gerenciada de modo descentralizado (mas como uma construção conjunta e coletiva),
com um importante aprendizado para todas as partes envolvidas. As consultoras do CPRN
trabalharam a partir desse mesmo princípio, trazendo sua experiência na metodologia dos Diálogos
para um novo espaço de construção, respeitando especificidades locais, do tema e do próprio
arranjo organizacional adotado por esta pesquisa.
Foi formado um Conselho Político da Pesquisa, composto por representantes do Ibase,
Pólis, IDRC e Secretaria Nacional de Juventude, que acompanhou os principais momentos do
estudo, ajudando a pontuar questões estratégicas para o projeto.
Foi a partir desses pressupostos do trabalho em rede que foi possível valorizar e incorporar
as especificidades regionais no processo, reconhecendo que foram as experiências locais e a troca
entre elas as responsáveis pela criação de um Diálogo brasileiro. Como dito na apresentação,
buscou-se estabelecer o diálogo não apenas como método, mas, sobretudo, como princípio. E,
nesse sentido, a troca permanente entre parceiros(as) (instituições e pessoas) com perfis
profissionais tão diversos foi um desafio que valeu a pena enfrentar, pois foram essas diferentes
perspectivas que, ao longo do processo, possibilitaram uma visão mais ampla sobre a construção
da pesquisa e, ao final dele, puderam revelar a qualidade dos dados conseguidos e suas múltiplas
formas de interpretação e possibilidades a apreensão.
O Tema
Pesquisar o tema da participação junto a sujeitos que não possuíam, obrigatoriamente, experiência
participativa, mostrou-se como mais um desafio a ser enfrentado desde o início da investigação. A
metodologia dos Grupos de Diálogo mostrou-se interessante nesse aspecto, já que, em um certo
sentido, o próprio Dia de Diálogo oferecia um espaço propício à participação e adequado à escuta
daqueles(as) que não tinham o hábito da fala pública. No entanto, como apontaram algumas
equipes, o contraponto dessas vantagens esteve no fato de a participação ter sido apresentada,
todo o tempo, como valor positivo. Os materiais produzidos, as questões levantadas, a postura
dos(as) facilitadores(as) e a forma de se apresentar as perguntas da pesquisa levavam a crer,
nessa perspectiva, que, antes de tudo, participar era bom. Nesse sentido, o fato de não ser
colocada a possibilidade da não-participação como Caminho possível pode ser encarado como um
viés na investigação.
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Por outro lado, há de se lembrar que o que se buscou investigar eram as potencialidades e
interdições à participação dos(as) jovens na esfera pública. Desse ponto de vista, a partir dos
valores contidos em cada Caminho, poderia ser possível entender quais deles mobilizavam mais
ou menos para a participação. E o fato de se ter tido um dia inteiro de trabalho fez com que muitas
equipes observassem mesmo a falta de ânimo para a discussão da participação (distante da
realidade da maioria), em contraposição às acaloradas discussões sobre trabalho, educação e
cultura/lazer, aspecto levado em conta na análise dos dados produzidos nesse processo. Havia,
ainda, as fichas Pré e Pós-Diálogo, que também abriam espaço para uma eventual recusa à
participação, já que os(as) jovens poderiam ter dado, logo no início, notas muito baixas às
alternativas apresentadas. Não tendo sido, no entanto, o que aconteceu.
A dificuldade de compreensão e entendimento do tema não pode ser desconsiderada.
Como já apontado, a linguagem sofisticada do material disponibilizado para os(as) jovens pode ter
contribuído para esse fato. No entanto, o fato de alguns grupos terem idealizado a solução para os
problemas apontados, projetando a responsabilidade do engajamento participativo para outros(as)
jovens sem levar em conta a sua própria condição, evidenciou a presença de um(a) “jovem
abstrato(a)” que deveria realizar o Caminho idealizado. Os(as) participantes do Diálogo parecem
não falar a partir deles(as) e para eles(as), mas para uma outra pessoa, como se os Caminhos
fossem algo longe de sua realidade.
Algumas equipes apontaram tal fato indicando que, ao pensar na participação juvenil, e
tendo sido feito um esforço por parte dos(as) facilitadores(as) para que os(as) jovens se
colocassem nessa posição, o exercício de pensar a participação era feito, não raro, em terceira
pessoa, sendo os Caminhos pensados como formas ideais e distantes, e não como possibilidades
reais de atuação na realidade. Ainda assim, e como os(as) próprios(as) jovens, em sua grande
maioria, demonstraram na avaliação final do Dia de Diálogo, esse exercício de pensar em questões
que não se colocam no seu cotidiano pareceu válido e mesmo importante, fazendo com que
muitos(as), além de exercitarem escolhas, também se deparassem com possibilidades
impensadas.
A Metodologia
Alguns aspectos da metodologia devem ser recuperados nessas considerações finais.
Primeiramente, quanto à dinâmica do Dia de Diálogo, os pequenos grupos trabalharam com mais
vitalidade, interesse e tranqüilidade no período da manhã, talvez pelo fato de que, nessa parte do
dia, os(as) jovens falaram, essencialmente, de suas experiências. Sentiam-se, portanto, em
condições de contribuir para o Diálogo, aproveitando, também, esse espaço para falar de assuntos
(educação, trabalho e cultura/lazer) que, de fato, lhes afetavam profundamente. Uma constatação
geral foi sobre a importância dos trabalhos em pequenos grupos, em que, mesmo em regiões onde
se constatou um maior monopólio da palavra por poucos(as) jovens, todos(as) tiveram maior
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oportunidade de dar suas opiniões e construir propostas coletivamente. Muitas vezes, no entanto,
as apresentações dos pequenos grupos em plenária não eram condizentes com o que tinham
conversado no grupo. Houve, por vezes, uma tendência a resumir as decisões na hora de
apresentá-las, de forma que muitos dos seus significados se perdiam. Além disso, houve casos em
que o grupo mudou os itens de sua apresentação às pressas, o que pode explicar algumas
incongruências ou falta de consistência nos relatos. Essa constatação revela, uma vez mais, a
importância da incorporação de bolsistas no acompanhamento dos pequenos grupos, tendo como
responsabilidade a anotação das discussões ocorridas nos pequenos grupos, além auxiliarem na
leitura do Caderno de Trabalho e sanarem eventuais dúvidas que surgiam nesses momentos.
Sendo os(as) bolsistas em sua grande maioria jovens, houve, ainda, uma maior identificação
dos(as) jovens participantes com eles(as), o que certamente ajudou no fato de permanecerem em
um momento em que o debate seria apenas entre os(as) jovens. A opção inicial por grupos “auto-
facilitados” mostrou-se equivocada, uma vez que a falta de experiência dos(as) jovens nesse tipo
de trabalho e a dificuldade de algumas tarefas (especialmente na parte da tarde) contribuírem para
um impasse na execução de tais tarefas que nem todos(as) conseguiriam resolver sozinhos(as). A
opção pela atuação mais ativa dos(as) bolsistas, tomada após do início dos Grupos de Diálogo,
revelou-se mais acertada.
Outro importante aspecto a ser destacado na aplicação da metodologia é o fato de os(as)
jovens, de uma maneira geral, terem incorporado a idéia do diálogo como uma situação
democrática de escuta e respeito à fala alheia. Nas suas conversas, freqüentemente utilizaram as
expressões: na minha opinião, no meu ponto de vista, bem como desencadearam processos para que todos os membros do grupo se expressassem.
Houve, em algumas regiões, certa variação na adesão dos princípios, participação nos
Grupos de Diálogo e execução das tarefas. Uma delas diz respeito à questão de gênero: algumas
regiões, entre elas Belém, Recife, Salvador, Brasília e Porto Alegre, pontuaram o papel de
destaque de muitas jovens mulheres ao longo dos Dias de Diálogo, seja nos pequenos grupos,
seja nas plenárias. Outra recorrência em várias regiões foi a maior facilidade de trabalho nos GDs
formados por jovens entre 18 e 24 anos, ou seja, os Grupos de Diálogo formados por jovens mais
velhos(as) tendiam, como explicitaram as regiões de Belém, Recife, Salvador e Belo Horizonte, a
entender e executar as tarefas com menos dificuldades. Outro aspecto importante a registrar foi a
atuação dos(as) jovens com experiência participativa. No geral, os grupos formados apenas com
esses(as) jovens não apresentaram grandes diferenças em relação aos demais. Foi apontado, no
entanto, que nos Grupos de Diálogo, em geral, alguns(mas) jovens com experiência anterior
exerciam certa liderança – fosse através do monopólio da palavra, fosse ajudando na condução
dos trabalhos, chamando outros(as) jovens para expressarem seus pontos de vista.
Um ponto a ser também resgatado é o do papel do(a) facilitador(a). Desde o princípio,
houve muitas dúvidas por parte de toda a equipe sobre os limites de conduzir uma dinâmica tão
26
complexa, buscando minimizar as influências sobre os(as) jovens, sobretudo na valorização de um
Caminho em detrimento dos demais. Em determinados momentos do Diálogo [encontrar
semelhanças e diferenças e problematizar a escolha dos(as) jovens], a tarefa de facilitação
mostrou-se especialmente delicada, fazendo com que as pessoas à frente desse processo
tivessem que encontrar, na prática, o limite tênue entre facilitar o diálogo entre os(as) jovens
(cuidando para que a tarefa não levasse muito mais tempo do que o previsto) e impor o que
achava mais relevante ou pertinente. Nota-se, no entanto, que apesar de se reconhecer que uma
situação como a aqui descrita nos Dias de Diálogo é por si só indutora (e, no limite, toda situação
de pesquisa significa uma alteração da realidade pesquisada), a preocupação constante observada
em todas das regiões, de não induzir os(as) jovens no processo de Diálogo, pareceu ter tido
sucesso. Prova disso é que, em muitas delas, houve certa resistência ao Caminho 2 (voluntariado)
por partes das equipes e, ainda assim, ele e os valores nele contidos, foram acionados
recorrentemente pelos(as) jovens, apresentando-se muitas vezes como Caminho mais escolhido.
Constata-se a importância do papel do(a) facilitador(a) na construção do Diálogo e também
de sua formação no processo de construção da pesquisa, em que é necessário se chamar a
atenção para sua responsabilidade enquanto pesquisador(a). Como experiência nova para as
equipes regionais [e, nesse sentido, tanto para os(as) professores(as) acadêmicos(as), quanto
para educadores(as) populares], a metodologia parece ter criado para o(a) “pesquisador(a)” uma
possibilidade de apropriação não somente de uma técnica de coleta de dados, mas da metodologia
como parte da construção da própria questão da pesquisa e do processo de sua compreensão,
tornando possível uma reconstrução da relação pesquisador(a)-pesquisado(a). O exercício feito a
partir dos Grupos de Diálogo foi importante também por colocar o(a) adulto(a) na prática da escuta
do(a) jovem, não apenas na dimensão da conscientização do valor da escuta do outro, mas
também na execução da metodologia, que exigiu uma vigilância constante, tarefa ainda mais
desafiadora quando se tratam de facilitadores(as) professores(as) e educadores(as) [caso da
grande maioria dos(as) profissionais envolvidos(as)].
Quanto à adaptação da metodologia dos Grupos de Diálogo à realidade brasileira,
percebemos que, para os(as) jovens, um dia intensivo de conversa e de aprendizado – quando
emitiram opiniões e colocaram-nas em diálogo com as opiniões dos(as) outros(as) – possibilitou a
produção de um deslocamento do eixo da reflexão, do âmbito privado ao público, criando
oportunidade para a expressão de uma análise crítica e para a valorização da ação coletiva,
colocando-se como sujeitos da reflexão e da ação. Outra perspectiva da metodologia que merece
destaque é seus potenciais formativo e informativo. Os encontros foram oportunidades, muitas
vezes únicas, dos(as) participantes obterem informações sobre os temas propostos, de provocar
seu posicionamento e colocar em questão princípios baseados em sensos comuns.
Assim, a pesquisa foi exitosa em ampliar a própria compreensão do que seja política entre
os(as) jovens e, a partir disso, abriu espaço para que eles(as) pudessem reconhecer suas próprias
27
trajetórias de participação. Nesse sentido, o Caderno de Trabalho e o CD-ROM, associados à
facilitação, foram instrumentos eficientes para dar visibilidade às diversas formas de participação
política existentes e, a partir disso, mapear o conhecimento e a experiência prévia dos(as) jovens
nesse âmbito.
Finalmente, um importante mérito dessa experiência com a metodologia foi ter colocado
os(as) jovens em situação de diálogo, ou seja, dar a possibilidade de acesso a um espaço de
discussão, escuta, expressão das diferentes opiniões e troca de experiências. Para grande parte
dos(as) 913 jovens participantes foi, sem dúvida, uma experiência inédita, à qual deram muito
valor. Ter conseguido identificar o desejo de muitos(as) jovens de fazer parte de espaços como os
abertos através do Diálogo foi, sem dúvida, um resultado positivo da pesquisa.
28
Bibliografia
CORTI, Ana Paula; SOUZA, Raquel; OLIVEIRA; Elizabete de . Pesquisa Juventude Brasileira e
Democracia: participação, esferas e políticas públicas. Relatório Final da Região
Metropolitana de São Paulo, 2005.
COSTA, Ozanira Ferreira; FIGUEIREDO, Karina; RIBEIRO, Perla. Relatório Sintético dos Grupos
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Democracia: participação, esferas e políticas públicas. Relatório dos Grupos de Diálogo da
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DE TOMMASI, Lívia; BRANDÃO, Marcílio . Pesquisa Juventude Brasileira e Democracia:
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Juventude Brasileira e Democracia. Rio de Janeiro: IBASE, 2005.
FISCHER, Nilton Bueno; GIL, Carmem Zeli Vargas, RAMOS; Nara Vieira; STECANELA, Nilda;
SALVA, Sueli. Relatório qualitativo – Grupos de Diálogo da Região Metropolitana de Porto
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MACKINNON, Mary Pat; MAXWELL. Judith; ROSELL, Steven; e SAXENA, Nandini. Citizenś
Dialogue on Canadaś Future: a 21st Century Social Contract. Canadian Policy Research
Networks, Viewpoint Learning Inc., 2003.
OLIVEIRA, Júlia Ribeiro de; SILVA, Ana Paula Carvalho; COLAÇO, Fernanda. Relatório parcial dos
Grupos de Diálogo da Região Metropolitana de Salvador. Pesquisa Juventude Brasileira e
Democracia: participação, esferas e políticas públicas, 2005.
RODRIGUES, Solange; AGUIAR, Alexandre; CUNHA, Marilena. Pesquisa Juventude Brasileira e
Democracia: participação, esferas e políticas públicas. Relatório Síntese da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, 2005.
SILVA, Lúcia Isabel da Conceição; VIANA, Rosely Risuenho; SILVA, Francisca Guimar Cruz.
Relatório final da Região Metropolitana de Belém. Pesquisa Juventude Brasileira e
Democracia: participação, esferas e políticas públicas, 2005.
29
relatório global
Juventude Brasileira
e Democracia:
participação, esferas
e políticas públicas
2 Relatório final
january 2006
Sumário
1. Apresentação ..........................................................................................5
2. Participação e juventude ....................................................................7
3. Considerações metodológicas ...........................................................10
3.1 Pesquisa de opinião ......................................................................... 10
3.2 Grupos de diálogo ............................................................................ 13
4. Perfil dos(as) jovens: quais os sujeitos da pesquisa? ...................15
5. O que preocupa os(as) jovens? ..........................................................18
6. Os eixos orientadores do diálogo:
educação, trabalho e cultura e lazer ................................................21
6.1 Educação ......................................................................................... 21
6.2 Trabalho ........................................................................................... 29
6.3 Cultura e lazer .................................................................................. 34
7. A participação e seus caminhos possíveis .....................................40
7.1. Participação em grupos ................................................................... 40
7.1.1 Participação em movimentos ............................................................... 42
7.1.2 A Escola como espaço-tempo de participação .................................... 44
7.1.2.1 Principais temas debatidos nas escolas
7.1.2.2. Participação em atividades na escola
em finais de semana
7.1.3. Percepções em torno da participação .................................................. 46
7.2. Caminhos participativos: os jovens dialogam
sobre limites e possibilidades .......................................................... 48
7.2.1. Caminho 1: Eu me engajo e tenho uma bandeira de luta .................... 49
7.2.2. Caminho 2: Eu sou voluntário(a) e faço a diferença ............................ 53
7.2.3 Caminho 3: Eu e meu grupo: nós damos o recado .............................. 58
7.2.4 Escolhendo e inventando caminhos, com criatividade ......................... 62
8. Recado dos(as) jovens para os(as) “políticos(as)” .........................65
9. Espaços para o diálogo ........................................................................68
10. Considerações finais .............................................................................72
10.1. Recomendações de políticas públicas .............................................. 83
10.2. Recomendações de novos estudos e investigações ........................ 84
11. Bibliografia ..............................................................................................86
12. Anexos ......................................................................................................89
1Apresentação
O relatório a seguir é o resultado final da pesquisa “Juventude Brasileira e Demo-
cracia – participação, esferas e políticas públicas” , que buscou ouvir e debater
com diferentes jovens brasileiros(as), entre 15 e 24 anos de idade, os limites e pos-
sibilidades da sua participação em atividades políticas, sociais e comunitárias, consi-
derando a importância da inclusão desses sujeitos para a consolidação do processo
de democratização da sociedade brasileira. A investigação foi desenvolvida por uma
rede de instituições parceiras1, que compactuam com a premissa de que a primeira
tarefa a se fazer é aprender a escutar os(as) jovens, entender as condições em que
vivem, as suas semelhanças, diferenças e perspectivas frente aos imensos desafios
que as sociedades atuais impõem.
A investigação, realizada entre julho de 2004 e novembro de 2005, teve como
finalidade subsidiar novas políticas, estratégias e ações públicas voltadas para
os(as) jovens, e realizou-se mediante duas abordagens metodológicas: a primeira,
1. Ibase – Instituto Brasileiro de
um levantamento estatístico, por meio da aplicação de questionário em amostra
Análises Sociais e Econômicas
do universo (8.000 jovens), buscando caracterizar o perfil dos(as) jovens, suas
(coord.); Pólis – Instituto de
Estudos, Formação e Assessoria
diversas formas de participação e percepções sobre o tema; a segunda, um estudo
em Políticas Sociais (coord.);
qualitativo, baseado na metodologia Choice Work Dialogue Methodology – Grupos
Iser Assessoria/Rio de Janeiro,
RJ; Observatório Jovem do Rio
de Diálogo, em que 913 jovens debateram sobre o tema, em sete Regiões Metro-
de Janeiro/Universidade Federal
Fluminense, RJ; Observatório da
politanas (Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador
Juventude da Universidade Federal
e São Paulo) e no Distrito Federal.
de Minas Gerais/Belo Horizonte,
MG; Ação Educativa – Assessoria,
A partir dos dados levantados nessas duas fases, foram produzidos, além do
Pesquisa e Informação/São Paulo,
presente texto, dois relatórios em cada uma das regiões: o primeiro tratando espe-
SP; UFRGS – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul/Porto
cificamente da análise dos dados quantitativos regionais (Pesquisa de Opinião) e o
Alegre, RS; Inesc – Instituto
de Estudos Socioeconômicos/
segundo articulando os resultados dos Grupos de Diálogo da região com as análises da
Brasília, DF; Cria – Centro
Pesquisa de Opinião. Os relatórios finais das regiões investigadas e o relatório global
de Referência Integral de
Adolescentes/Salvador, BA;
da Pesquisa de Opinião constituíram, portanto, base para o texto que se segue.
UNIPOP – Instituto Universidade
Trata-se, assim, de uma produção coletiva, que articula diferentes reflexões
Popular/Belém, PA; Equip
– Escola de Formação Quilombo
na compreensão das formas, conteúdos e sentidos da participação dos(as) jovens,
dos Palmares/Recife, PE; IDRC
embora cada um dos relatórios finais das regiões pesquisadas possua uma linha de
– International Development
Research Centre/Canadá; e CPRN
análise autônoma de acordo com as instituições e pesquisadores(as) que estiveram
– Canadian Policy Research
Networks/Canadá.
à frente da investigação nas referidas localidades.
5
As informações aqui mapeadas se unem às contribuições já existentes da
produção de conhecimento sobre juventude, no âmbito nacional e internacional, parti-
cularmente da América Latina, ampliando o debate, infl uenciando políticas públicas de
juventude (como também políticas de educação, trabalho, cultura e lazer) e estimulando
o fortalecimento de redes de sustentação e de construção de oportunidades para que
as diversas juventudes vislumbrem um outro mundo possível.
Assim sendo, os resultados da pesquisa ganham maior relevância, considerando
o recente movimento de criação de instâncias político-administrativas voltadas para
políticas públicas de juventude nos âmbitos executivos e legislativos, destacando-se
nacionalmente a criação em 2005 da Secretaria Nacional da Juventude e do Conselho
Nacional de Juventude, ambos vinculados à Presidência da República, tendo como
importante atribuição incorporar as manifestações participativas e os interesses dessa
signifi cativa parcela da população.
Embora, de um modo geral, a sociedade tenha um olhar ambíguo de desencanto
e de fascínio para os(as) jovens, os dados e depoimentos que se seguem mostram
sujeitos com profunda crença em suas capacidades, que aspiram a abertura de canais
de participação para que possam ser ouvidos e oportunidades iguais para que vivam
a transformação hoje, e não em um futuro inalcançável.
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2Participação e Juventude
Articular as temáticas juventude e participação não é tarefa simples e torna-se um
importante desafio, especialmente no contexto atual do Brasil. São 34 milhões de
jovens entre 15 e 24 anos, ainda longe de serem reconhecidos(as) como sujeitos de
direitos e incluídos ativamente no processo democrático. Mas quem são esses(as)
jovens e o que pensam sobre a participação?
A definição do que venha a ser juventude em determinado momento histórico
pelo intermédio do recorte etário é, talvez, a maneira mais simples de tentar circunscre-
ver sujeitos cujas experiências se caracterizam por serem diversas e desiguais. Ainda
que para fins de pesquisa, legislação e definição de políticas públicas seja possível
estabelecer como sendo jovens aqueles(as) que se encontram em torno de determi-
nado corte de idade, deve-se ter em conta a inadequação conceitual de se articular
um só campo de representações que seja unificador dos sentidos do que venha a
ser a “juventude”. Sem dúvida, “juventude é apenas uma palavra” (Bourdieu, 1983)
caso não se busque compreendê-la como categoria em permanente construção social
e histórica, incorporando a complexidade da vida – em suas dimensões biológicas,
sociais, psíquicas, culturais, políticas, econômicas etc. – que organizam as múltiplas
maneiras de viver a condição juvenil.
Cabe refletir sobre o que haveria de comum entre jovens de 15 e 24 anos? Que
vínculos existem entre jovens que possuem garantias familiares para se escolarizarem
no tempo adequado e outros(as) de mesma idade que já se encontram diante dos
desafios do mundo do trabalho ou da constituição da família? O que têm em comum
jovens que vivem em espaços sociais economicamente valorizados da cidade e jo-
vens que moram nas favelas e periferias? Jovens homens e jovens mulheres, ainda
que de classes e idades semelhantes? Certamente, as respostas vão muito além da
agregação etária, mas apontam para a necessidade de refletir sobre as diferentes
condições objetivas e percepções sobre os sentidos de ser jovem. Somente dessa
forma é possível dirigir um olhar sobre a juventude que contemple a sua diversidade,
mais adequado à situação real, ou seja, aquela na qual a agregação arbitrária por
idade não resume as identificações possíveis num conjunto determinado de homens
e mulheres que se reúnem num universo de pesquisa, mas que permite perceber
7
experiências geracionais em comum (Novaes, 1998). Nessa perspectiva, pode-se
dizer que se está diante de uma mesma geração quando os sujeitos, em alguma
medida, vivenciam espaços-tempos comuns de sensibilidades, saberes, memórias,
experiências históricas e culturais.
Assim, passou-se a empregar com certa freqüência a expressão “juventudes”
(Novaes, 1998, Carrano, 2000, Castro & Abramovay, 2002; Abramo, 2005) como forma
de enfatizar que, ao se tratar de jovens, deve-se reconhecer que esses(as) constituem
realidade plural e multifacetada. A expressão aparece em discursos públicos, textos e
documentos variados da esfera governamental, acadêmica e da sociedade civil. Ain-
da que a simples utilização dessa expressão não garanta, por si só, a percepção da
complexidade das realidades vividas pelos(as) jovens, denota certo cuidado contra as
generalizações que simplificam ao unificar o diverso e o desigual. O plural na referência
à juventude é o reconhecimento do peso específico de jovens que se distinguem e se
identificam em suas muitas dimensões, tais como as de gênero, cor da pele, classe,
local de moradia, cotidianos e projetos de futuro.
O agravamento das condições de vida de ampla maioria da população jovem
brasileira – em especial os setores mais vulneráveis: jovens negras e homens jovens
moradores de espaços populares – incide diretamente no aumento da sensação de
insegurança no presente e das incertezas quanto à vida futura. Reguillo (2003) chama
a atenção que, em toda a América Latina, a face mais visível dos(as) jovens, princi-
palmente os(as) pertencentes aos setores populares, foi aquela que os(as) converteu
nos(as) principais operadores(as) de violências nas sociedades. Não é de se estranhar,
assim, que sobre eles(as) tenham recaído as principais ações – não necessariamente
de políticas públicas – de controle social tutelar e repressivo. Em conjunto com esse
processo estigmatizador e generalizável a todos os países da região, se aprofundou
a crise estrutural dos anos 80, que fraturou as macroeconomias dos países e pulveri-
zou a microeconomia de pessoas e famílias. Nesse processo, muitos(as) jovens vêm
pagando o preço de políticas econômicas que os(as) excluem das possibilidades de
incorporar-se de maneira produtiva e cidadã à sociedade.
Um dos grandes desafios democráticos se relaciona com as encruzilhadas
que podem ser percorridas para que a participação social se torne objetivo e meta
realizável numa sociedade em que tantos(as) jovens se encontram em processos de
exclusão econômica e marginalização social. A ampliação de conhecimentos sobre as
diferentes realidades juvenis, necessidades insatisfeitas, motivações e intersubjetivi-
dades em curso, especialmente àquelas relacionadas com os(as) jovens pobres que
mais dificuldades enfrentam para realizar escolhas alternativas e projetos autônomos,
é condição necessária de definição de políticas públicas sintonizadas com os sujeitos
e realidades que se quer transformar.
A participação dos(as) jovens nos assuntos públicos está entre as preocu-
pações do debate sobre a ampliação dos processos democráticos. Muitas vezes há
exagero quando se denuncia a “apatia juvenil” e se deixa de perceber que a “crise de
participação cidadã” é fenômeno social ampliado que atinge todas as faixas etárias da
população (sobre isso, ver Venturi, G. e Bokany, V, 2005). Não é incomum que dados
de pesquisas de opinião pública sejam distorcidos pelas mídias que pintam quadros
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que apresentam os(as) jovens contemporâneos(as) como conservadores(as) e sem
perspectivas, ou seja, nova geração, porém, politicamente mais velha do que seus
próprios pais, que teriam contestado o “sistema” e empreendido a “boa luta” de ge-
rações contra valores adultos dominantes. Deixa-se de reconhecer que não há mais
valores pertencentes a apenas uma geração, que há desconfiança generalizada da
população na “política” e que em todos os lugares e idades há dificuldades para se
encontrar meios de ação para a resolução dos problemas coletivos.
A crítica mais acentuada sobre os(as) jovens pode estar na “função socioló-
gica” que as sociedades modernas atribuíram à juventude de ser agente de revitaliza-
ção da vida social, força oculta pronta para ser utilizada nos processos de mudança
(Mannheim, 1968). Em grande medida, as generalizações sobre a “apatia juvenil” são
agravadas pela insuficiência de pesquisas que permitam com alguma precisão apre-
ender e interpretar as situações pelas quais os(as) jovens, em diferentes contextos e
condições econômicas e sociais, expressam processos de recusa, impossibilidades ou
mesmo apontam para novas práticas de participação de solidariedade e conflito que
já praticam ou com as quais aceitariam se envolver. Muitas dessas práticas se tornam
invisíveis para os sentidos dominantes, que dizem ser mais legítimos determinados
ideais de participação ou mitos participativos do passado, tais como aqueles que se
associam ao “jovem radical” (Ianni,1969) dos anos 60.
Estudos sobre a participação dos(as) jovens na vida social indicam que, durante
as décadas de 80 e 90 e o início do novo século, a militância política institucionalizada
ocupou um papel secundário nas ações coletivas praticadas e valorizadas pelos(as)
jovens brasileiros(as) (Schmidt, 2001; Abramo e Venturi, 2000, Barquero, 2004). Em
outras regiões do mundo, a “despolitização” das populações juvenis também se tornou
fonte de preocupação, levando à indagação sobre se a crise de participação dos(as)
jovens expressaria processos cíclicos ou mesmo consolidações estruturais nos rela-
cionamentos das jovens gerações com as instituições sociais e políticas (Oesterreich,
2001; Balardini, 2000; Laguna, 2000; Müxel, 1999).
Ao mesmo tempo em que há pouca participação juvenil em espaços políticos
formais, nota-se a presença de jovens em outros tipos de ações coletivas que contri-
buem para a constituição de espaços públicos juvenilizados em torno de diferentes
experiências sociais participativas.
Os(as) jovens brasileiros têm emitido sinais, mais ou menos visíveis, da nega-
ção frente a formas tradicionais de participação, tais como as que se expressam pela
filiação a partidos, sindicatos e organizações estudantis. No entanto, ações coletivas
juvenis deixam de ser notadas ou valorizadas devido ao caráter descontínuo, tópico e
muito freqüentemente desprovido de ideologias facilmente reconhecidas – esquerda
e direita, por exemplo – do qual se revestem. Entretanto, as novas formas e temas
pelos quais os(as) jovens se mobilizam na esfera pública também indicam o quadro
de crise das formas tradicionais de participação e socialização política.
Sem dúvida, pensar os distintos significados da participação política para as
juventudes pode representar um importante aporte para captar não só como repro-
duzem, mas principalmente, como constroem novas respostas a essa questão.
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3Considerações metodológicas:
Pesquisa de Opinião
e Grupos de Diálogo
3.1. Pesquisa de Opinião
A primeira etapa do trabalho de pesquisa foi o levantamento de dados mediante a
aplicação de 8.000 questionários em amostra de jovens residentes em sete Regiões
Metropolitanas (RMs) e no Distrito Federal. Esse levantamento foi realizado, entre os
meses de setembro e novembro de 2004, por empresa especializada que também se
encarregou do respectivo processamento. O questionário aplicado ( anexo) era formado
por 46 questões que abordavam o perfil dos(as) jovens pesquisados(as): educação,
situação familiar, trabalho, mídia e acesso à cultura, além de suas percepções e práticas
no campo da participação e cultura política. Foram realizadas apurações específicas
para cada região, bem como uma apuração agregada para o conjunto delas. As diver-
sas equipes regionais, que compõem a rede de parceiros, participaram da construção
coletiva da metodologia e dos instrumentos de pesquisa e incumbiram-se da análise
dos dados processados e da elaboração dos respectivos relatórios regionais. A equipe
técnica, sediada no Rio de Janeiro, realizou a análise da apuração agregada e elaborou
relatório global. Os relatórios regionais foram feitos com base em roteiro desenhado
com vistas a harmonizar as análises e tornar possíveis as necessárias comparações,
sempre preservando a manifestação da diversidade regional e as avaliações e con-
clusões realizadas pelas equipes responsáveis pelo trabalho.
A seguir, são apresentados os passos que configuraram os procedimentos
metodológicos da pesquisa de opinião.
Âmbito
Regiões Metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro,
Salvador e São Paulo, além do Distrito Federal.
Público-alvo para cálculo da amostra
Jovens com idades entre 15 e 24 anos moradores(as) nas regiões acima relacionadas,
cuja população está descrita na tabela a seguir:
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Tabela 1
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – População total
e jovens de 15 a 24 anos (2003)
Região
Metropolitana / DF
população total
População total
15 a 24 anos
Belém
1.880.855
407.276
Belo Horizonte
4.625.670
903.519
Porto Alegre
3.879.464
705.462
Recife
3.392.066
703.337
Rio de Janeiro
11.251.811
1.907.448
Salvador
3.195.513
706.237
São Paulo
18.684.954
3.659.766
Distrito Federal
2.200.238
442.603
Total
49.110.571
9.435.648
Fonte: Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (2004)
Tamanho e composição da amostra
Tabela 2
Número de jovens entrevistados(as) nas Regiões Metropolitanas
e Distrito Federal (2004)
Região Metropolitana / DF
Nº de entrevistados
Belém
600
Belo Horizonte
1.000
Porto Alegre
1.000
Recife
1.000
Rio de Janeiro
1.400
Salvador
1.000
São Paulo
1.400
Distrito Federal
600
Total
8.000
Fonte: IBASE/POLIS. Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas, 2005.
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Modelo de amostragem
A primeira etapa da pesquisa foi realizada sobre uma amostra independente, definida
com rigor estatístico, em cada região pesquisada. O modelo de amostragem utilizado foi
o de conglomerados, aplicado em duas etapas. A seleção dos conglomerados (setores
censitários do IBGE) na primeira etapa foi realizada com probabilidade proporcional
ao tamanho, em que a medida foi o número de jovens de 15 a 24 anos residentes
nos setores. Na segunda etapa foram selecionados, dentro de cada setor censitário
(selecionado na primeira etapa), dez jovens para serem entrevistados(as). O modelo
de amostragem deu a cada jovem das Regiões Metropolitanas e Distrito Federal igual
probabilidade de ser selecionado(a) para a amostra2.
A pesquisa de opinião, além de traçar perfil dos(as) jovens e subsidiar os Grupos
de Diálogo (GDs), possibilitou a obtenção de cadastro de jovens dispostos(as) a par-
ticipar da continuidade da pesquisa em sua segunda fase – Grupos de Diálogo – que
assumiu perfil predominantemente qualitativo com a realização de 39 GDs3, cada um
deles envolvendo entre nove e 37 jovens. Nesses Grupos, realizados entre março e
maio de 2005, 913 jovens homens e mulheres entre 15 e 24 anos dialogaram sobre
Caminhos Participativos que estariam dispostos(as) a trilhar para conquistar direitos
relacionados à educação, ao trabalho, à cultura e ao lazer4.
3.2. Grupos de Diálogo
A metodologia dos Grupos de Diálogo utilizada na segunda fase da pesquisa era
inédita no país e foi adaptada à realidade brasileira a partir de intensas trocas de ex-
periência entre pesquisadores(as) do Canadian Policy Research Networks (CPRN) e
pesquisadores(as) vinculados às instituições que formaram a rede de parceiros(as).
Os Grupos de Diálogo da pesquisa “Juventude Brasileira e Democracia”
foram adaptados da metodologia Choice Work Dialogue, a partir da experiência
canadense que teve como base estudos de Daniel Yankolovich. O principal pres-
suposto metodológico se encontra na busca de superação da lógica que domina as
pesquisas de opinião no campo das políticas públicas, considerando que elas apenas
constatam o posicionamento dos cidadãos, sem criar oportunidade para que esses
2. Documento sobre
os cálculos da amostra e de erros
exercitem coletivamente diferentes reflexões sobre o tema. O enfoque dos Grupos de
disponível para consulta no Ibase.
Diálogo considera que a opinião não é formada individualmente, mas na interação.
3. Foram realizados cinco Grupos
Seu fundamento está em situar cidadãos em relação de diálogo, provocando reflexões
de Diálogo em cada uma das
regiões estudadas, com exceção
pessoais e coletivas acerca de determinadas questões, bem como sobre as decisões