Nível de disclosure e custo de capital próprio no mercado brasileiro por Roberta Carvalho de Alencar - Versão HTML
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE
DEPARTAMENTO DE CONTABILIDADE E ATUÁRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CONTÁBEIS
NÍVEL DE DISCLOSURE E CUSTO DE CAPITAL PRÓPRIO NO MERCADO
BRASILEIRO
Roberta Carvalho de Alencar
Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Broedel Lopes
SÃO PAULO
2007
2
Profa. Dra. Suely Vilela
Reitora da Universidade de São Paulo
Prof. Dr. Carlos Roberto Azzoni
Diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
Prof. Dr. Fábio Frezatti
Chefe do Departamento de Contabilidade e Atuária
Prof. Dr. Gilberto de Andrade Martins
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis
ROBERTA CARVALHO DE ALENCAR
NÍVEL DE DISCLOSURE E CUSTO DE CAPITAL PRÓPRIO NO MERCADO
BRASILEIRO
Tese
apresentada
ao
Departamento
de
Contabilidade e Atuária da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo como requisito
para obtenção do título de Doutor em Ciências
Contábeis.
Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Broedel Lopes
SÃO PAULO
2007
4
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Seção de Processamento Técnico do SBD/FEA/USP
Alencar, Roberta Carvalho de
Nível de disclosure e custo de capital próprio no mercado brasileiro /
Roberta Carvalho de Alencar. --
São Paulo, 2007.
104 p.
Tese (Doutorado) – Universida de de São Paulo, 2007
Bibliografia.
1. Governança corporativa 2. Contabilidade financeira I. Universidade
de São Paulo. Faculdade de Econo
mia, Administração e Contabilidade
II. Título.
CDD – 658.4
i
Para Bethânia e Bárbara
ii
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida e por me permitir chegar a este momento, sonhado há tanto
tempo.
Aos meus pais, Roberto e Zuleika, por terem me ensinado o valor do conhecimento.
A minhas filhas, Bethânia e Bárbara, pelas ausências suportadas, pelo apoio
incondicional e pelas vezes em que, invertendo os papéis, cuidaram de mim. Sem o amor
de vocês, o caminho até aqui teria sido infinitamente mais árduo.
Ao Professor Doutor Alexsandro Broedel Lopes, pela provocação que acabou resultando
no tema desta tese, pela tranqüilidade com que conduziu o processo de orientação e por
acreditar em mim em alguns momentos mais do que eu mesma.
Aos Professores Doutores Iran Siqueira Lima e Luiz Nelson Guedes de Carvalho, pelas
críticas e sugestões na banca de qualificação.
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Controladoria e Contabilidade da
FEA-USP, pelos ensinamentos repassados com competência e generosidade.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq /
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pelo apoio
financeiro.
Aos muitos colegas, alunos do Mestrado e Doutorado, pela boa convivência e pelos
conhecimentos compartilhados. Tantos foram os novos amigos que fiz nesse convívio
que, por economia de espaço, agradeço a todos, nomeando apenas Amaury Rezende e
Márcio Borinelli, dois irmãos que ganhei em São Paulo.
Aos amigos que estão há mais tempo comigo, por me fazerem entender o verso “todo
verbo que é forte, se conjuga no tempo, perto, longe o que for”. Um agradecimento
especial a Airton Pitombeira, Clara Bugarim, Cristina Castelo Branco, Denise Lima,
Joanilia Sales Cia, Marcelle Colares, Paulo Luciano Oliveira, Pedro Porfírio Farias,
Stélio Gama Lyra e Vera Ponte, que das mais diversas formas me apoiaram.
A Belinda Ludovici e Cristina Idalgo, meus anjos da guarda na FEA-USP.
À FUCAPE - Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e
Finanças, pelo levantamento dos dados para elaboração do índice de disclosure, e ao
grupo de alunos da FUCAPE Escola de Negócios que trabalhou nesta tarefa.
iii
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
Mário Quintana
iv
RESUMO
Esta tese investiga a relação entre disclosure e custo de capital próprio no Brasil. Foi utilizada
uma amostra composta pelas 50 empresas mais líquidas da BOVESPA com dados para os
anos de 1998, 2000, 2002, 2004 e 2005. Como proxy para o nível de disclosure foi
desenvolvido e utilizado o Índice de Disclosure Brasileiro (IDB) que mensura características
essenciais de evidenciação ao longo de seis dimensões: (i) informações gerais sobre a
empresa, (ii) relações com empregados e administradores, (iii) informações não-financeiras
sobre mercado, vendas e produtos, (iv) projeções, (v) discussões e análises de dados
financeiros e (vi) outras informações. Para calcular o custo de capital foi utilizado o modelo
de Ohlson - Juettner-Nauroth. Os resultados mostram que o nível geral de disclosure
aumentou e que a dimensão relativa às projeções dos administradores apresenta os resultados
mais modestos. Foi verificada relação negativa e estatisticamente significante entre custo de
capital e disclosure para todas as empresas. No entanto, essa relação é mais pronunciada para
empresas que recebem menor cobertura por parte dos analistas de mercado e possuem
estrutura de propriedade mais dispersa. Este trabalho contribui para a literatura nacional e
internacional na área ao demonstrar os benefícios econômicos diretos das ações das empresas
no que tange ao nível de evidenciação.
v
ABSTRACT
This thesis investigates the association between disclosure and cost of equity capital in
Brazil. Results are based on a sample of the fifty most liquid shares traded at BOVESPA
using data from 1998, 2000, 2002, 2004 and 2005. To proxy for disclosure level a Brazilian
Disclosure Index (IDB) was built and used. IDB measures essential features of disclosure
across six components: (i) general information about the company, (ii) relationships with
employees and management, (iii) non-financial data about market, sales and products, (iv)
projections, (v) analysis and discussion of financial data, (vi) other information. To measure
cost of equity capital the Ohlson- Juettner-Nauroth model was used. Results show that the
general disclosure level improved along the sample period and that the projections’
component of IDB presented the poorest scores over the years. There is a negative and
statistically significant relation between disclosure and cost of equity capital for all firms in
the sample. This association is exacerbated for firms with receive less attention from the
analysts and have a more dispersed ownership structure. This thesis extends the Brazilian
and international literatures by showing the actual economic benefits of superior disclosure
levels.
1
SUMÁRIO
Aspectos metodológicos e escolha das variáveis ................................................. 11
Em busca de uma teoria abrangente: a discussão de Verrecchia e Dye............ 15
Forças que afetam a decisão de disclosure: algumas evidências empíricas ..... 20
Associação entre características corporativas e disclosure .............................. 25
Determinantes do custo de capital próprio ...................................................... 31
Modelos de estimação do custo de capital próprio .......................................... 32
Modelando analiticamente a relação entre custo de capital próprio e nível de
disclosure: Lambert, Leuz e Verrecchia (2005) .............................................. 37
Evidências empíricas do relacionamento entre custo de capital próprio e nível
Efeito do disclosure por dimensão do indicador ............................................. 74
Atenção dos analistas e a relação disclosure x custo de capital próprio ........... 78
Concentração do controle de capital e a relação disclosure x custo de capital
A relação entre preço, fluxo de caixa e disclosure .......................................... 83
Testando a relação entre custo de capital próprio e disclosure em um modelo
analítico deduzido a partir do CAPM ............................................................. 84
2
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRASCA - Associação Brasileira de Companhias Abertas
ADR - American Depositary Receipts
AIMR - Association for Investment and Management Report
ANEFAC - Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade
IDB - Índice de Disclosure Brasileiro
BOVESPA - Bolsa de Valores de São Paulo
CAPM - Capital Asset Pricing Model
CIFAR- Center for International Financial Analysis and Research
CLSA - Credit Lyonnais Securities Asia
CVM - Comissão de Valores Mobiliários
EBITDA - Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization
FUCAPE - Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e
Finanças
I/B/E/S – Institutional Brokers Estimate System
IBOVESPA - Índice da Bolsa de Valores de São Paulo
MQO - Mínimos Quadrados Ordinários
P/E – Price/Earnings
ROA - Retorno sobre Ativo
ROE - Retorno sobre o patrimônio líquido
3
LISTA DE QUADROS
4
LISTA DE TABELAS
Tabela 2 - Percentuais de respostas positivas às questões do Índice de Disclosure Brasileiro –
Tabela 3 - Percentuais de respostas positivas às questões do Índice de Disclosure Brasileiro –
Relações com Empregados e Administradores...................................................... 58
Tabela 4 - Percentuais de respostas positivas às questões do Índice de Disclosure Brasileiro –
Tabela 5 - Percentuais de respostas positivas às questões do Índice de Disclosure Brasileiro –
Tabela 6 - Percentuais de respostas positivas às questões do Índice de Disclosure Brasileiro –
Tabela 7 - Percentuais de respostas positivas às questões do Índice de Disclosure Brasileiro –
Tabela 8 - Correlação entre estimativas de custo de capital próprio em Hail e Leuz (2006) ... 62
Tabela 13 - Resultados das regressões – Modelo Básico com inclusão de variáveis indicativas
Tabela 14 – Resultado da estimação usando dados em painel – Modelo Básico .................... 74
Tabela 16 – Resultado da estimação usando dados em painel – Diversas dimensões do IDB . 77
Tabela 17 – Resultado das regressões – Grupos com maior e menor atenção dos analistas de
Tabela 18 - Resultado da regressão incluindo dummies relativas à cobertura por analistas de
Tabela 19 - Resultado das regressões por grupos conforme concentração do controle acionário
Tabela 20 - Resultado da regressão incluindo dummies relativas à cobertura por analistas de
Tabela 21 – Resultado da estimação usando Dados em Painel – relação entre preço, fluxo de
Tabela 22 - Resultado das regressões - Modelo analítico deduzido a partir do CAPM ........... 85
5
1
INTRODUÇÃO
A ligação entre disclosure e custo de capital próprio tem origem no fenômeno da seleção
adversa, descrita por Akerlof (1970). Ao divulgar informações contábeis, a empresa reduz a
assimetria informacional entre emissores de ações ordinárias e investidores, afetando a
habilidade dos participantes do mercado em realizar estimativas acerca da distribuição dos
fluxos de caixa futuros. Como resultado, a informação afeta o equilíbrio dos preços das ações
e retornos esperados (LAMBERT et al., 2005).
Duas linhas teóricas dão suporte à afirmativa de que maior nível de disclosure reduz custo de
capital. A linha representada por Demsetz (1968), Copeland e Galai (1983), Glosten e
Milgrom (1985), Amihud e Mendelson (1986) e Diamond e Verrecchia (1991) afirma que
maior disclosure aumenta a liquidez de mercado das ações, reduzindo custo de capital próprio
por meio da redução dos custos de transação ou demanda aumentada pelos títulos da firma.
A linha desenvolvida por Klein e Bawa (1976), Barry e Brown (1985), Coles e Loewenstein
(1988), Handa e Linn (1993), Coles et al. (1995) e Clarckson et al. (1996), e mais
recentemente, Lambert, Leuz e Verrecchia (2005) prediz que maior disclosure reduz custo de
capital próprio pela diminuição do risco não diversificável de estimativa.
A disponibilidade de informação, portanto, diminui o grau de incerteza dos investidores a
respeito dos fluxos futuros de caixa, reduzindo o componente relativo ao risco de estimativa,
na taxa utilizada para trazer tais fluxos a valor presente. Assim, é esperado que um maior
nível de disclosure reduza a taxa de desconto – neste trabalho denominada pela expressão
custo de capital próprio - utilizada pelos potenciais investidores.
Embora a ligação entre disclosure e custo de capital próprio tenha grande apelo intuitivo, são
ainda em pequeno número os trabalhos teóricos e empíricos que investigam tal ligação
(VERRECHIA, 2001; LAMBERT et al., 2005).
Estudos empíricos realizados, apesar de apontarem para uma confirmação da relação negativa
esperada entre custo de capital e disclosure, são ainda em pequena quantidade. Além disso, os
achados dos estudos evidenciam que a relação entre as duas variáveis sofre influência de
6
outros fatores, tais como grau de atenção recebido pela empresa por parte dos analistas de
mercado, tempestividade do disclosure e estrutura de governança :
Analisando empresas sediadas nos EUA, Botosan (1997) verificou que, para firmas que
atraem baixo nível de cobertura por parte dos analistas de mercado, maior disclosure
está associado com menor custo de capital próprio. Para as firmas com maior cobertura
pelos analistas de mercado, a relação encontrada, embora negativa, não tinha
significância estatística.
Também considerando o mercado dos EUA, Botosan e Plumlee (2002) apuraram que
existe associação negativa entre custo de capital próprio e o nível de disclosure anual e
uma associação positiva com disclosure mais tempestivo.
Hail (2002) analisou empresas suíças e encontrou associação negativa e altamente
significativa entre disclosure e custo de capital próprio. No estudo de Hail, o grau de
atenção por parte dos analistas de mercado não se mostrou significativo.
No mercado asiático, Chen, Chen e Wei (2003) encontraram que tanto o disclosure
quanto os indicadores de governança não relacionados ao disclosure reduzem o custo de
capital próprio, sendo maior a contribuição dos indicadores de governança. Os autores
também encontraram evidências de que o nível de proteção dado ao investidor em cada
país reduz o custo de capital, levando-os a sugerir que, nos mercados emergentes, em
que a proteção ao investidor e a governança corporativa não estão plenamente
estabelecidas, reforçar o ambiente de governança como um todo tem maior efeito em
reduzir o custo do capital próprio do que medidas de ampliação do disclosure.
Francis, Khurana e Pereira (2005) estudaram empresas de 34 países e encontraram que
empresas em setores com maior necessidade de financiamento externo apresentam
maiores níveis de disclosure voluntário, e que a política de disclosure expandido de tais
firmas leva a menores custos de capital, tanto próprio quanto de terceiros.
Em estudos empíricos conduzidos no Brasil, Alencar e Lopes (2005) não encontraram relação
entre custo de capital próprio e disclosure, enquanto Nakamura et al. (2006) encontraram
relação em apenas um dos casos testados para uma amostra de 37 observações . Nos dois
estudos se aponta, como possível justificativa da ausência de associação encontrada, a
fragilidade da medida adotada como representação de disclosure.
7
Do ponto de vista eminentemente prático, os profissionais ligados à gestão financeira e
contábil das empresas modernas possuem interesse específico sobre esse tema. Isso porque,
das três etapas do processo contábil - reconhecimento, mensuração e evidenciação (LOPES,
MARTINS, 2005) – o disclosure é a etapa sob a qual os administradores possuem maior
discricionariedade. Assim, entender melhor a relação entre disclosure e custo de capital ajuda
os profissionais da área financeira e contábil a orientar suas ações pragmáticas no que tange à
comunicação com o mercado financeiro. Órgãos reguladores como a CVM, Comissão de
Valores Mobiliários, também se interessam por entender melhor a associação entre disclosure
e custo de capital, pois possuem poder para exigir das empresas ações nessa direção. Assim,
se, por exemplo, for encontrada uma relação negativa entre essas variáveis tem-se um
argumento favorável ao aumento do nível de exigências nessa direção.
1.1
Motivação do estudo
É característica do mercado brasileiro uma forte concentração de controle acionário, conforme
se pode comprovar nos estudos de La Porta et al. (1998), Leal et al. (2002), Alexandre D. M.
Silveira (2002), Djankov et al. (2006), para citar alguns. De acordo com La Porta et al.
(1998), a concentração de controle é uma das adaptações criadas pelo mercado para
compensar uma fraca estrutura de proteção ao investidor.
Nos mercados com menor nível de proteção ao acionista, os padrões contábeis e a qualidade
da auditoria tendem a ser mais baixos, o que dá menor credibilidade às informações contábeis
e cria um ambiente de pouco incentivo ao disclosure (LA PORTA et al., 1998; FRANCIS et
al., 2003).
Francis et al. (2005) incluíram 10 empresas brasileiras em sua amostra, que abrangeu 34
países. As empresas brasileiras incluídas na amostra apresentaram uma nota média de
disclosure de 55,3 contra uma média de 75,8 para as empresas norte-americanas e 70,0
envolvendo todas as empresas da amostra. Além de obter a segunda pior nota de disclosure,
ficando acima apenas de Portugal, o grupo de empresas brasileiras foi o que apresentou maior
desvio padrão, fornecendo indicações de que o nível de disclosure tem grande variação de
uma empresa para outra. Outras evidências da baixa qualidade das demonstrações contábeis
em relação a informações não obrigatórias são fornecidas por Collares e Ponte (2003), Nossa
e Carvalho (2003), Ricardino Filho et al. (2004) e Darós e Borba (2005).
8
As características do mercado brasileiro citadas, de alta concentração do controle acionário e
baixo nível de disclosure, tornam as empresas brasileiras um grupo singular para o estudo do
relacionamento entre custo de capital próprio e nível de disclosure.
A teoria da agência, descrita por Jensen e Meckling (1976), prediz que alta concentração de
controle acionário leva a baixos níveis de disclosure. Com o controle muito concentrado, as
empresas não teriam estímulo para fazer disclosure, pois isso seria abrir mão de benefícios
privados de controle. Por outro lado, se maior disclosure reduz o custo de capital, existe um
incentivo econômico para que as empresas busquem aumentar o seu nível de disclosure, ainda
que estejam localizadas em um mercado de capitais pouco desenvolvido como é o brasileiro1.
Assim, cabe perguntar: a despeito do ambiente pouco propício a um alto nível de disclosure,
as empresas que optam por uma política de maior transparência no mercado brasileiro
conseguem reduzir o custo de capital próprio?
São duas as motivações para a realização deste trabalho:
(a) Estudar a relação entre custo de capital próprio e disclosure, em razão da pequena
quantidade de estudos empreendidos até o momento, e da não unanimidade dos achados
nos estudos empíricos como, por exemplo, a influência dos analistas de mercado.
(b) Estudar como se comporta a relação entre custo de capital próprio e disclosure no Brasil,
para verificar se neste cenário ocorre a esperada relação negativa entre as duas variáveis.
A escolha do mercado brasileiro é importante por representar um mercado de capitais
pouco desenvolvido e caracterizado por alta concentração de controle acionário,
Os dois estudos citados já empreendidos no Brasil (ALENCAR, LOPES, 2005;
NAKAMURA et al., 2006) tiveram caráter inicial, exploratório e careciam de uma medida de
disclosure apropriada. Por essa razão, este trabalho mais aprofundado que os anteriores se faz
necessário ao entendimento da relação entre custo de capital próprio e disclosure no mercado
brasileiro.
1 A esse respeito, ver os estudos de La Porta et al. (1998, 2006), Black (2001) e Djankov et al. (2006).
9
1.2
Questões de pesquisa
A questão principal desta pesquisa é:
(a) Existe relação negativa entre nível de disclosure e custo de capital próprio nas empresas
brasileiras?
Adicionalmente à questão principal, buscou-se responder três outras questões:
(b) Houve evolução positiva no nível de disclosure entre as empresas brasileiras?
(c) A atenção recebida pela empresa por parte dos analistas de mercado afeta a relação entre
custo de capital próprio e disclosure?
(d) O grau de concentração do controle acionário influencia a relação entre custo de capital
próprio e disclosure?
A questão principal busca entender a relação intrínseca entre disclosure e custo de capital,
enquanto que as questões acessórias visam caracterizar essa relação levando-se em
consideração aspectos que impactam não o nível de disclosure ou o custo de capital, mas sim
a relação entre as duas variáveis, como o nível de atenção recebido por parte dos analistas de
mercado e o grau de concentração do controle acionário.
1.3
Objetivos
O objetivo geral deste trabalho é examinar a relação entre disclosure e custo de capital próprio
no mercado brasileiro, e pode ser detalhado nos seguintes objetivos intermediários:
(a) Construir uma medida para avaliação do nível de disclosure das empresas no Brasil.
(b) Analisar a composição do disclosure e sua evolução ao longo do tempo, a partir da
medida de disclosure construída.
(c) Testar o relacionamento do nível de disclosure com o custo de capital próprio usando a
medida de disclosure construída e variáveis de controle descritas na literatura.
(d) Analisar a influência da atuação dos analistas e do grau de concentração do controle
acionário de mercado na relação entre disclosure e custo de capital próprio.
10
A consecução destes objetivos possui implicações teóricas e práticas. Do ponto de vista
teórico contribui-se para a teoria geral do disclosure (VERRECHIA, 2001), na medida que
pode ser observada a associação entre disclosure e custo de capital em um ambiente bastante
diverso do normalmente estudado na literatura em contabilidade internacional. Do ponto de
vista pragmático, executivos, órgãos reguladores, analistas de mercado de capitais e demais
usuários da contabilidade podem entender melhor a dinâmica de comunicação das firmas com
o mercado para melhor direcionar suas ações relacionadas a disclosure.
1.4
Contribuições
As principais contribuições deste trabalho são: a criação e levantamento de um índice de
disclosure específico para o Brasil; a análise da evolução do nível de disclosure das empresas
utilizadas na amostra durante o período considerado; e o estudo da relação entre custo de
capital próprio e disclosure em um mercado diferente dos estudos anteriormente realizados.
O Índice de Disclosure Brasileiro (IDB) foi criado em razão da necessidade de um indicador
para medida de qualidade do disclosure, em função das razões expostas na seção 1.5 –
Aspectos metodológicos e escolha das variáveis. O levantamento de um índice próprio
permitiu que se pudesse verificar a evolução da relação entre nível de disclosure e custo de
capital próprio ao longo do tempo, além de proporcionar o conhecimento da evolução do nível
de disclosure do grupo de empresas estudado em cada uma das seis dimensões e quarenta e
sete perguntas que compõem o índice.
No que diz respeito à relação entre custo de capital próprio e disclosure, o Brasil é o primeiro
dentre os países cujas regras legais se baseiam no direito constitucional francês2 em que este
tipo de estudo está sendo empreendido em profundidade3. Segundo estudo feito por La Porta
et al. (1998), este grupo de países possuía a estrutura mais fraca de proteção aos acionistas
minoritários.
2 Considerando-se a divisão proposta por La Porta et al. (1998). O grupo citado compreende: Argentina, Bélgica,
Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Egito, Espanha, França, Grécia, Filipinas, Holanda, Indonésia, Itália, Jordânia,
México, Peru, Portugal, Turquia, Uruguai e Venezuela.
3 Os estudos de Chen et al. (2003) e Francis et al. (2005), que consideraram empresas de diversos países,
incluíram países do bloco com regras legais baseadas no direito constitucional francês.
11
Uma estrutura de proteção ao investidor mais forte leva ao crescimento do mercado e a uma
maior valorização das ações (LA PORTA et al., 2002). No Brasil, além do mercado de
capitais ser pouco desenvolvido, da existência de forte concentração do controle acionário,
constatou-se em pesquisa recente (DURNEV; KIM, 2005) um baixo nível de enforcement
legal no que diz respeito à proteção ao investidor. Durnev e Kim (2005, p. 1471) argumentam
que, ao analisar os aspectos legais de proteção ao investidor, há de se examinar a regulação
considerando a existência de leis garantindo o direito do investidor, mas também até que
ponto os investidores têm como de fato exigir tais direitos. Na medida construída por Durnev
e Kim (2005), o Brasil está entre os piores em termos de proteção legal ao investidor, acima
apenas da China, Colômbia, Indonésia e México.
Além da contribuição decorrente do estudo em um mercado com características diferentes dos
já estudados, para o qual foi utilizado um modelo baseado em evidências empíricas
semelhante ao utilizado pelos demais pesquisadores, este estudo inovou ao também testar a
relação entre custo de capital e disclosure usando um modelo analítico proposto a partir do
CAPM, Capital Asset Pricing Model.
Para os profissionais de contabilidade, os resultados da presente pesquisa contribuem para
uma melhor compreensão da relação entre disclosure e custo de capital, orientando-os em
suas ações de comunicação com o mercado.
1.5
Aspectos metodológicos e escolha das variáveis
Muitas são as classificações adotadas pelos autores no campo da metodologia do trabalho
científico para classificar os estudos. Dentro da classificação adotada por Gamboa, citado por
Martins (2000, p.26), este estudo caracteriza-se como empírico-analítico. Segundo Martins
(2000, p.26), as abordagens empírico-analíticas:
Apresentam em comum a utilização de técnicas de coleta, tratamento e análise de dados
marcadamente quantitativas. Privilegiam estudos práticos. Suas propostas têm caráter técnico,
restaurador e incrementalista. Têm forte preocupação com a relação causal entre as variáveis. A
validação da prova científica é buscada através de teste dos instrumentos, graus de significância e
sistematização das definições operacionais.
12
Quanto aos objetivos da pesquisa, para Selltiz et al. (1974, p. 59) existem os estudos
formuladores ou exploratórios, destinados a proporcionar familiarização com o fenômeno ou
a aquisição de uma nova compreensão deste; os estudos descritivos, que apresentam com
precisão as características de uma situação, de um grupo ou de um indivíduo específico, ou
ainda verificar a freqüência com que algo ocorre e se há ligações extensivas a algo mais; e os
estudos verificadores de uma hipótese de relação causal entre duas variáveis.
Selltiz et al. (1974, p. 60), no entanto, argumentam que, na prática, estes tipos de estudo nem
sempre se mostram nitidamente separados; uma pesquisa pode muito bem conter elementos
normalmente descritos como característicos de diferentes tipos de estudo. Entende-se que este
estudo tem características de descritivo e verificador de relação causal.
O trabalho foi desenvolvido mediante pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e análise
dos dados contábeis e de mercado com o uso de estatística descritiva e de técnicas de análise
multivariada de dados. Martins e Theóphilo (2007, p.59) caracterizam este tipo de análise
feita a partir de dados colhidos após ocorridos os dados como pesquisa quase-experimental,
do tipo ex post facto, ressaltando que esta estratégia de pesquisa é das mais comuns na
investigação relacionada às ciências sociais aplicadas.
A grande dificuldade em se empreender estudos ligando custo do capital próprio ao nível de
disclosure é que nenhuma das duas medidas é diretamente observável. A qualidade das
conclusões depende em grande parte da habilidade do pesquisador em escolher as medidas
adequadas para as duas variáveis.
No que diz respeito à variável disclosure, os pesquisadores têm se dividido entre duas
estratégias: construir o próprio indicador ou trabalhar com rankings já existentes, tais como
os índices do CIFAR , Center for International Financial Analysis and Research; AIMR ,
Association for Investment and Management Report; e o indicador de transparência da
Standard & Poors.
No Brasil, existe o ranking de transparência disponível que avalia o Relatório de
Administração, e é promovido pela ABRASCA, Associação Brasileira de Companhias
Abertas. A participação no prêmio se dá mediante a inscrição da empresa, o que pode tornar o
conjunto de observações tendencioso. Além da possibilidade de ser tendencioso por depender
13
da inscrição da própria empresa candidata, o ranking limita-se às informações contidas no
relatório da administração.
As indicações ao prêmio ANEFAC, Associação Nacional dos Executivos de Finanças,
Administração e Contabilidade, de transparência, utilizadas por Alencar e Lopes (2005) em
estudo piloto que precedeu este trabalho mostrou-se uma medida pouco robusta. Nas análises
feitas para o prêmio ANEFAC, o Relatório da Administração e o conjunto das Demonstrações
Contábeis, inclusive Notas Explicativas, são considerados. No entanto, os organizadores do
prêmio divulgam anualmente apenas uma lista com dez indicados a cada ano, sem declarar a
nota que cada empresa obteve. Assim, além de abranger um pequeno número de empresas, a
informação fica limitada a uma variável binária com dois únicos resultados possíveis:
indicado ou não indicado ao prêmio. O uso de uma variável binária como medida de