Oliveira Martins por Antero de Quental - Versão HTML
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Title: Oliveira Martins
Author: Anthero de Quental
Release Date: March 15, 2010 [EBook #31654]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OLIVEIRA MARTINS ***
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ANTHERO DE QUENTAL
OLIVEIRA MARTINS
O critico litterario—O economista—O historiador—O publicista—O politico
LISBOA
TYPOGRAPHIA DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
50, Largo do Conde Barão, 50
1894
OLIVEIRA MARTINS
ANTHERO DE QUENTAL
OLIVEIRA MARTINS
O critico litterario—O economista—O historiador—O publicista—O politico
LISBOA
TYPOGRAPHIA DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
50, Largo do Conde Barão, 50
1894
Os Luziadas, ensaio sobre Camões a sua obra, em relação á
sociedade portugueza e ao movimento da Renascença, por J.
P. de Oliveira Martins. Porto, 1872.
Se a escóla ethnologica está representada, entre os escriptores novos, pelo
sr. Theophilo Braga, a escóla social e historica—a unica, talvez, a que
propriamente se devêra dar o nome de philosophica—acaba de achar
igualmente entre nós um digno representante num escriptor moço e do maior
futuro, o sr. Oliveira Martins, que num livro recente estudou, a proposito de
Camões (e para nos explicar Camões), a litteratura portugueza do seculo XVI,
no ponto de vista largo e comprehensivo, ao mesmo tempo politico e
psychologico, que caracterisa esta ultima escóla.
Neste ponto de vista, a litteratura de um povo, considerada como um todo
symetrico, uma obra gigantesca e collectiva, apresenta-se como a expressão
do seu espirito nacional, determinado não por tal ou tal elemento primitivo e,
por assim{6} dizer, physiologico, mas pelos elementos complexos, uns fataes
outros livres, uns criados outros herdados, cuja synthese constitue a idéa da
sua nacionalidade—raça, instituições, religião, tradição historica e vocação
politica e economica no meio dos outros povos. A idéa nacional, na sua
evolução, determina gradualmente o que se póde chamar o temperamento da
nação; e, se esta surda fermentação se manifesta em tudo, nos seus actos e nos
seus pensamentos, revela-se sobretudo na sua imaginação, isto é, no seu ideal,
cuja expressão mais livre é a arte e a litteratura. Nesta invisivel circulação da
seiva interior ha periodos, periodos de revolução, de progresso, de retrocesso,
de incubação ou de plenitude de forças: a estes correspondem invariavelmente
os periodos artisticos e litterarios, com suas variações de intensidade, lenta
formação de escólas, morbidos estacionamentos, subitas e inflammadas
florescencias. E, como nesta vegetação collectiva, cada ramo, cada folha, cada
fructo, se alimenta com a seiva commum e tem uma vitalidade proporcional á
força que trabalha o grande tronco, o espirito individual acompanha o espirito
nacional nas suas evoluções, gradua pela delle a sua intensidade: a sua
liberdade interior tem por limites, realisando-se, as condições do meio em que
se desenvolve, e o genio do artista, do poeta, ainda quando protesta e se
revolta, é sempre adequado ao genio do seu povo e da sua época. É por aqui
que a historia litteraria se liga á philosophia da historia, ou antes, que faz parte
della. As grandes épocas litterarias coincidem com as épocas de
plenitude{7} do sentimento nacional, aquellas em que esse sentimento,
tomando consciencia de si, se revela em obras harmonicas e complexas, que
são como que o fructo definitivo da lenta elaboração das instituições, dos
costumes, dos pensamentos. Reaes e juntamente ideaes, essas obras supremas
dizem-nos ao mesmo tempo o que um povo foi e o que quiz ser, descobrem-
nos a sua aspiração intima e marcam os limites dentro dos quaes lhe foi dado
realisal-a. São o commentario moral das revoluções politicas e sociaes, e
como que os annaes da consciencia nacional: e, para a philosophia, é na
consciencia que a historia encontra a sua explicação definitiva e a sua final
justificação.
O que diz Camões a quem, depois de o ter lido com olhos de homem de
gosto, o relê com olhos de philosopho? Camões, responde o snr. Oliveira
Martins, diz-nos o segredo da nacionalidade portugueza. Houve, com effeito,
uma nacionalidade portugueza—por mais estranha que esta affirmação nos
pareça, a nós portuguezes do seculo XIX, que não atinamos a encontrar no
presente uma causa vivendi: houve uma razão de ser tanto para as instituições
como para os individuos, e uma idéa nacional, espalhada como a alma
collectiva por todo este corpo, então vivo e agil. E não só houve uma
nacionalidade portugueza, mas essa nacionalidade, superior aos impulsos
cegos da raça e á fatalidade da geographia, produziu-se como uma obra do
esforço e da vontade, não resultado de obscuros instinctos primitivos, como
um facto politico e moral, não como um facto ethnologico. Quando em
Hespanha não havia ainda senão catalães, castelhanos, leonezes{8} e navarros;
em França provençaes, gascões, borguinhões, bretões; em Allemanha suabos,
austriacos, saxões, hanoverianos; em Italia tantos pequenos estados rivaes
quantas cidades, e não se fazia bem idéa do que fosse ser hespanhol, francez,
allemão, italiano, porque estas palavras França, Hespanha, Allemanha, Italia
designavam apenas vagas agrupações naturaes e não grupos organisados—em
Portugal havia só portuguezes, e ser portuguez tinha uma significação definida
e precisa. Este é o grande facto, diz o sr. Oliveira Martins, que faz delle o seu
ponto de partida: daqui, a cohesão politica da nação; daqui a sua physionomia
moral. Essa cohesão é a unidade; essa physionomia é o patriotismo. O
patriotismo, pondera acertadamente o sr. Oliveira Martins, é cousa muito
distincta do amor da terra: e o patriotismo, como os portuguezes dos
seculos XV e XVI o conceberam, foi um phenomeno moral quasi unico na
Europa de então, e que os tornou muito mais parecidos com os romanos
antigos do que com os povos seus contemporaneos. O patriotismo é uma idéa
abstracta, que excede a capacidade toda sentimental da raça; o instincto
naturalista da raça dá o amor da terra; não vai mais além: só a idéa nacional
póde dar o patriotismo, comprehendido á romana e á portugueza. O Cid
batalha mais de uma vez contra os castelhanos, ao lado dos arabes; o
condestavel de Bourbon vira a sua espada aventureira contra a França que o
viu nascer; nem por isso deixa o Cid de ser um typo de bravura idealisado
pelos hespanhoes, e o condestavel de Bourbon um leal cavalleiro para todos
os cavalleiros de França; mas{9} os Pereiras, combatendo ao lado dos
castelhanos em Aljubarrota, são malditos, arrenegados; e, mais tarde o
Magalhães será portuguez no feito, porém não na lealdade: apostataram da
idéa nacional. Eis a grande differença. Esta noção do patriotismo cria uma
ordem de sentimentos particulares dos individuos para com a nação, um modo
de ser moral peculiar. É o dever patriotico, como o comprehenderam, em
Roma, Fabricio, Regulo, Catão, em Portugal Castro, Albuquerque—o dever
patriotico, cuja expressão suprema é o heroismo. Leia-se a historia da Europa
até ao seculo XVI: abundam os bravos, mas difficilmente se encontrarão
os heroes, segundo o typo magnanimo que a antiguidade realisou, e que de
novo e no seu ponto de vista realisou Portugal durante os seculos XV e XVI.
No peito illustre lusitano havia então alguma cousa de grande e transcendente,
que impellia a nação para um destino extraordinario e suscitava no meio della
os heroes, que deviam servir a idéa nacional com a abnegação tenaz e superior
com que se serve uma idéa religiosa. É que o patriotismo é uma especie de
religião civil. Foi por essa religião que, durante tres seculos, nos erguemos no
mundo, para realisar um sonho gigantesco e quasi sobre-humano: foi por ella
tambem que cahimos exangues e desilludidos, porque a realidade faltou ao
sonho, porque todo o sonho, com o seu idealismo, se exalta primeiro, perturba
depois, transvia, endoudece aquelles que envolve nas suas nevoas
phantasticamente luminosas, mas sempre enganadoras.
A época nacional portugueza, por excellencia, é o seculo XVI. Tudo
concorre então para dar ao{10} espirito dos portuguezes aquelle summo grau
de tensão, que produz os grandes movimentos nacionaes. A nacionalidade
rompe com impulso irresistivel os seus limites tradicionaes, transborda
fremente como um rio caudaloso, e affirma-se na sua plenitude pelas
descobertas e pelas conquistas. Dentro, a sua força é o resultado da sua
concentração: pela reforma dos foraes, pela monarchia absoluta, pela expulsão
dos judeus, attinge o maximo de unidade politica, social, religiosa, isto é, o
maximo de poder sobre si mesma. Esta energica cohesão depura o sentimento
nacional, dá-lhe uma segura consciencia de si, e leva-o áquelle grau de tensão
em que o patriotismo, exaltando-se, se transforma numa especie de heroismo
universal. A nação faz-se heroe: o heroismo é a sua atmosphera ordinaria, e
todos participam mais ou menos desse contagio sublimador. Daqui, uma
concepção particular da vida social, do direito, do dever, tanto para a nação
como para os individuos. Ser portuguez é alguma cousa de especial, um
typo sui generis de virilidade e nobreza, que todos procuram realisar, e que a
litteratura idealisa, de que ella se inspira na phase nova em que então entra.
Com effeito, a esta evolução moral corresponde uma evolução litteraria. Á
escóla provençal-castelhana, lyrica, aventureira e romanesca, succede a grave
escóla italiana, com a feição nova que o espirito portuguez lhe deu,
adoptando-a, isto é, moral e épica. Ao trovador Bernardim Ribeiro, ao popular
Gil Vicente succedem Sá de Miranda e Ferreira, dous romanos. O velho typo
cavalheiresco, phantasioso e sentimental, empallidece diante desse outro que
surge,{11} nobre e digno, quasi severo, o homem do dever, não da
sensibilidade, que João de Barros, Ferreira e Miranda vão levantando, e que
Camões virá collocar sobre o sublime pedestal épico.
Este typo, o verdadeiro typo portuguez do seculo XVI, como se revela
nos Lusiadas, não é com effeito uma mera invenção do genio de Camões: é
uma genuina criação nacional, um ideal do sentimento collectivo, que se foi
gradualmente formando e depurando, até encontrar no grande poeta quem lhe
désse uma expressão definitiva. É por isso mesmo que elle domina, de toda a
sua altura, o pensamento e a obra de Camões. O que o poeta canta é o
heroismo portuguez: o peito illustre lusitano: e todo o seu poema se resume
nisto, como nesse poema se resume toda a vida moral portugueza durante um
seculo. A razão intima dos acontecimentos, dos costumes, das opiniões
encontra-se alli: explicam-se por elle, e só elles tambem o explicam
completamente. O poema e a sociedade são, por seu turno, texto e glosa que
mutuamente se commentam.
Neste ponto de vista, historico e psycologico, não no ponto de vista
meramente litterario de uma esteril poetica de convenção, é que
os Lusiadas devem ser estudados e comprehendidos—e cabe ao sr. Oliveira
Martins a gloria de ter sido o primeiro a fazel-o, a gloria de
ter commentado philosophicamente os Lusiadas. A esta luz tudo se explica na
concepção do poema e na substancia moral delle: percebe-se a razão deste
estranho phenomeno, estranho e unico, do apparecimento de um verdadeiro
poema epico nacional em plena idade moderna.{12}
Isto em quanto á concepção. Em quanto, porém, a certa ordem de
sentimentos, que, no ponto de vista épico, são secundarios, mas que occupam
um grande logar no poema, para os comprehender faz-nos o sr. Oliveira
Martins considerar outro lado da physionomia tão complexa de Camões e da
sua época. Com effeito, se Camões é um portuguez do seculo XVI, é ao
mesmo tempo um artista da Renascença; daqui todo um lado dos Lusiadas,
que excede a idéa nacional, e por onde este profundo poema se liga, não já á
vida necessariamente estreita de um simples povo, mas ao vasto movimento
do espirito humano nos tempos modernos. Sem este lado, a significação
dos Lusiadas seria meramente nacional e local, não europêa e universal:
teriam só um valor historico e não philosophico tambem. Mas Camões,
portuguez pelo caracter e pelo coração, era pela intelligencia mais do que
portuguez sómente. Respirava a atmosphera subtil e vivificante da
Renascença: no seu vasto espirito, como no dos grandes artistas desse tempo,
havia um lado mysterioso e profundo que se virava, não para o passado ou
para o presente, mas para o illimitado futuro, presentindo já a revolução moral
dos seculos XVIII e XIX. Se Camões, como portuguez é patriota e heroico,
como homem da Renascença é pantheista; pantheista platonico e idealista, já
se vê, como Miguel Angelo, Leonardo de Vinci, Shakespeare. Portuguez,
exalta os feitos por onde o seu povo conquista entre as nações um logar
proeminente: homem da Renascença, sente e interpreta a natureza com um
naturalismo
impregnado
de
idealidade,
que
é
mais
ainda
o
presentimento{13} de um mundo moral novo, do que uma imitação da
antiguidade pagan. O sentimento pantheista da natureza, sentimento todo
moderno, e que devia mais tarde chegar á plenitude em Rousseau, Goethe,
Hugo, appareceu pela primeira vez em Camões. Daqui, o caracter do seu
espanto em face dos grandes phenomenos maritimos; daqui, a concepção do
Adamastor; daqui, o sensualismo da primeira parte do canto XI e o idealismo
da ultima. É por este lado que Camões toma logar entre os grandes espiritos,
os Lusiadas entre as grandes obras dos tempos modernos. A imaginação
prophetica do poeta anticipa tres seculos na historia psycologica da
humanidade. Com todos estes elementos, uns portuguezes, outros europeus,
uns locaes, outros universaes, recompõe o sr. Oliveira Martins a physionomia
complexa de Camões e dos Lusiadas, com uma lucidez e segurança de critica
verdadeiramente surprehendentes para quem considerar a completa novidade
do seu trabalho. A sua luminosa synthese abraça o poeta, a obra e a época: e
pela épocha, pelo poeta e pela obra faz-nos sentir a intima realidade da nação
e a sua razão de ser historica. E nessa mesma synthese comprehende-se
tambem a sua decadencia; triplice decadencia, politica, moral, litteraria.
Como? pela decadencia da idéa nacional. Com effeito, o patriotismo heroico
do Portugal do seculo XVI continha em si mesmo os germens da propria
dissolução. Era grande, mas não era justo: ora nada dura no mundo senão pela
justiça. Tinha fatalmente de se corromper essa orgulhosa idéa nacional,
fundada na violencia da conquista, na intolerancia religiosa{14} e no
despotismo politico. Os vicios interiores do organismo nacional appareceram
bem depressa: appareciam já no tempo de Camões: nos Lusiadas encontram-
se de vez em quando, estrophes sombrias, que são como um lugubre cras enim
moriemur lançado no meio das alegrias daquelle festim heroico. Era o futuro
velado e lutuoso que o poeta entrevia num deslumbramento prophetico. A
nação estava, com effeito, condemnada. O heroismo que tem de durar, lança
as suas raizes na região mais inalteravel, mais incorruptivel da consciencia
humana, e as do nosso não chegaram lá: foi uma especie de sezão nacional;
não foi um acto reflectido, filho da liberdade moral, um esforço supremo pela
justiça; foi apenas um egoismo sublime. Por isso, martyres da propria obra, a
nossa quéda foi cheia de tristeza e confusão, nem nos ficou no rosto a
serenidade luminosa dos verdadeiros martyres.
As paginas austeras em que o sr. Oliveira Martins estabelece esta distincção
entre o heroismo da consciencia e o da fatalidade, e mostra Portugal
condemnado por aquillo mesmo que fizera a sua virtude e a sua grandeza, são
das mais gravemente pensadas que se teem escripto na nossa lingua. É a
verdadeira philosophia da historia aquella sua, que reduz e subordina toda a
actividade humana á consciencia e á justiça. A injustiça da idéa nacional,
como os portuguezes então a conceberam, corrompeu gradualmente as
instituições, infiltrou-se nos espiritos e perverteu os costumes: a sociedade,
minada interiormente, vacillou, em despeito do esplendor mentiroso que
exteriormente a vestia, e começou a desabar. O{15} sr. Oliveira Martins
desenhou com mão segura e vivissimo colorido o quadro das implacaveis
realidades, que, produzidas pelo heroico idealismo portuguez, se viraram
contra elle, o viciaram e acabaram por destruil-o. A nação, atacada deste
modo nos seus orgãos mais vitaes e na mesma alma, que podia produzir no
mundo do espirito, da arte, da litteratura? A decadencia social e moral tinha
necessariamente de corresponder a decadencia litteraria. Um desregramento
doentio das imaginações privadas de ideal, depois um estreito classicismo e
uma poetica de academias, succederam á livre e fecunda expansão do genio
portuguez no mundo do sentimento e da phantasia. A idéa nacional levou
comsigo para a cova o segredo das criações poeticas. Do seculoXVI até hoje
não produziu Portugal uma unica obra artistica ou litteraria verdadeiramente
nacional. De vez em quando, nalguns momentos excepcionaes, o genio
dalguns homens tem-se levantado como um protesto, e tem-se visto ainda uma
ou outra obra viva. Mas essa inspiração é toda individual, não é nacional: é
um producto natural que póde demonstrar que a raça não morreu com a
nacionalidade, não é filha de um sentimento commum e como que organico da
sociedade portugueza. A decadencia nacional é o grande facto inexoravel da
nossa historia, vai em tres seculos: a decadencia litteraria é uma fórma della,
nada mais.
Decadencia irremediavel? pergunta o sr. Oliveira Martins, nas ultimas
paginas do seu livro. Não! responde-lhe a philosophia revolucionaria. A nossa
renovação moral e litteraria será possivel{16} no dia em que, pela reforma das
instituições sociaes, por uma nova e melhor comprehensão da justiça, comece
outra vez o espirito a circular neste grande corpo, mais inerte ainda do que
acabado, volte a animal-o uma alma, um ideal collectivo. Então Portugal terá
de novo uma razão de ser, e a idéa nacional, mais brilhante e mais quente
depois do seu eclipse secular, fará rebentar outra vez fructos e flores deste
chão endurecido sim, mas debaixo do qual ha ainda (embora a grande
profundidade) fontes vivas em abundancia. As grandes acções serão outra vez
possiveis, e um melhor e mais alto heroismo; por elle serão não só possiveis,
mas quasi inevitaveis os grandes pensamentos poeticos. A renovação litteraria
de Portugal é correlativa com a sua renovação social e está dependente della: é
a conclusão do livro do sr. Oliveira Martins, conclusão que todos devemos
aceitar, não como uma vaga esperança, mas como uma verdade philosophica
cuja realisação não depende senão do nosso esforço, da energia do nosso
sentimento moral. Somos os operarios do nosso proprio destino, e desde já as
nossas mãos o vão aperfeiçoando: terá a fórma que lhe dermos.
Neste trabalho solemne da renovação nacional, grande é a tarefa que está
talhada para a geração nova, e immensa a sua responsabilidade! Estará ella,
pela intelligencia e pelo coração, pela sciencia e pela virtude, á altura desta
obra austera e formidavel? Muitos o duvidam, vendo-lhe no rosto uma
pallidez de mau agouro... Não me cabe a mim decidil-o: direi sómente que
(quaesquer que tenham de ser os nossos destinos) para{17} darem testemunho
das intenções sérias de uma parte consideravel da nossa geração, do seu
espirito renovador, da sua aspiração a uma melhor sciencia, bastarão em todo
o tempo obras como a Historia da litteratura portugueza, do sr. Theophilo
Braga, e o Ensaio sobre Camões, do sr. Oliveira Martins.
9 de maio de 1872.{18}
Theoria do socialismo, evolução politica e economica das
sociedades da Europa: por J. P. de Oliveira Martins. Lisboa,