Reymond Rolland por Mark Brunkow - Versão HTML
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evolução da humanidade estarão lá. Próximo. –
apontando para outro repórter.
- Ace Frehley do jornal da capital. É do conhecimento
de todos que muitas das maiores mentes do nosso
planeta, como físicos, matemáticos, engenheiros,
arquitetos, grandes médicos e pesquisadores em
genética e nas mais diversas áreas já confirmarão que
ingressarão na Torre da Vigília. Como o senhor rebate
as afirmações que todos estes especialistas só se
uniram a sua causa depois que receberam promessas
de verbas ilimitadas para pesquisas, e que uma vez lá
dentro, teriam carta branca para fazer pesquisas que
hoje são proibidas, como a modificação genética para
produzir super seres-humanos, por exemplo?
- Estas grandes mentes, como o senhor as definiu, só se
uniram a nossa causa por compreenderem a grandeza
do que estamos prestes a fazer. No mais não passam
de especulações sem fundamento. Posso lhe assegurar
que continuaremos a respeitar todas as leis e normas
vigentes e estaremos abertos a qualquer solicitação das
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autoridades para fazerem vistorias se assim quiserem.
Próximo por favor.
- Daron Malakian do Bom dia Metrópole. Muitas das
organizações de direitos humanos são contra a sua
causa. Elas afirmam que sua religião é fascista,
opressora, intransigente e que na realidade ela irá criar
um bando de fanáticos bitolados sem vontade própria.
Que vêem toda e qualquer forma de diversão ou arte
como coisa do diabo. O que o senhor acha disso?
- Vivemos em um país livre. Cada um tem o direito de
acreditar no que quiser. E no mais o que todas essas
formas de “diversão” que o senhor falou trouxeram de
bom para a humanidade? Eu respondo para o senhor.
Trouxeram
falta
de
modos,
desordem,
sexo
desenfreado, doenças transmitidas enquanto usam
drogas em shows de rock, uma juventude toda perdida
por buscar uma satisfação efêmera quando a única
maneira de se atingir isto é através do temor e
obediência as ordens de Deus. Prox...
Interrompido pelo mesmo jornalista.
- Mas não era essa a opinião de seu pai que tinha uma
banda que fazia shows pelo mundo a fora. Ou mesmo
do seu irmão gêmeo Memphis Rolland. Por sinal ele é
exatamente o oposto do senhor. Fabrica instrumentos
musicais para colecionadores. O senhor também o
considera um drogado sem futuro?
O burburinho foi geral na sala. Ao ouvir o nome do
irmão o rosto de Július petrificou. O seu rosto
normalmente sério parecia feito de mármore. Uma
raiva súbita apoderou-se de seu corpo. Com extrema
dificuldade para não deixar transparecer fala.
- Há muito tempo eu e meu irmão seguimos caminhos
diferentes. Respeito suas opiniões assim como as do
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meu falecido pai, mas isso não muda o fato de que eu
estou do lado da verdade. Sinto muito por não ter
conseguido fazer com que ele visse o caminho da luz e
da verdade. Por hoje é só. Obrigado.
Levanta-se e sai apressado.
Grace desliga o pequeno aparelho e a imagem
desaparece. Ela olha séria para Memphis.
- O senhor quer me explicar o que foi isso? – irritada.
- Não foi nada querida. Um dia desses, eu estava
chegando em casa e um rapaz me parou e fez algumas
perguntas sobre o que eu achava da religião de Július e
sobre minha vida e a do meu pai. O que você queria
que eu fizesse, mentisse? – olhando para baixo com um
leve sorriso nos lábios enquanto se encaminha para o
porão seguido por Reymond.
Grace olhando para os dois enquanto caminham sente
uma estranha sensação. Um frio na barriga. Como um
mau presságio. De algum modo ela sabia que aquele
tapa de película que Memphis deu no ego de seu irmão
não passaria em branco.
Memphis alheio as preocupações de sua esposa
caminha contente, sentindo a alma lavada por ter
humilhado seu irmão diante das câmeras de todo o
mundo no dia mais importante da vida dele. Reymond
começa a despejar uma infinidade de perguntas sobre
o tio para seu pai que apenas sorri e feliz cantarola
Keep on Rocking in the Free World de Neil Young.
Existem cores nas ruas, vermelho, branco e azul
Pessoas embaralhando seus pés, pessoas dormindo
em seus sapatos
Mas tem um sinal de aviso a frente na estrada
Tem um monte de gente dizendo nós seríamos
melhores não mortos
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Não me sinto como satanás, mas para eles eu sou
Então eu tento esquecer isso de qualquer maneira que
eu consiga
Mantenha o rock em um mundo livre
Mantenha o rock em um mundo livre
Mantenha o rock em um mundo livre
Mantenha o rock em um mundo livre...
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Estrada para o Inferno
Július sentia seu sangue ferver nas veias. Era uma
mistura de raiva, frustração, ódio e vergonha que lhe
consumia. Levou muito tempo para se livrar daquela
vida que tanto odiava e agora de uma hora para outra
seus fantasmas do passado voltavam para atormentá-
lo.
Estava decidido que nada, absolutamente nada nem
ninguém atrapalharia seus planos futuros. Não
importando o que ele tivesse que fazer para que isso
acontecesse. Não permitiria que a vida desregrada e
sem temor a Deus que seu irmão incrédulo e medíocre
levava atrapalhasse seu caminho.
Sabia que era apenas questão de tempo para que seu
mestre lhe chamasse para explicar os últimos
acontecimentos. E assim foi. Antes mesmo de chegar
ao carro que lhe conduziria de volta a sede da OCSC é
informado que seu mestre queria velo imediatamente.
Algum tempo depois, parado com a mão na maçaneta
da porta de seu mestre Július toma coragem e entra.
- Olha Július. Como foi a coletiva. – com um leve sorriso
irônico nos lábios.
Július sente seu rosto corar e vai logo tentando se
explicar.
- Mestre eu sei que deveria ter lhe contado sobre meu
irmão gêmeo mais é que este é um fato que gostaria de
apagar de minha vida, mas infelizmente não tenho
como. Minha família sempre foi uma vergonha para
mim e...
- Calma Július. Não se preocupe. Eu sei tudo a seu
respeito. Um homem em minha posição não pode se
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dar ao luxo de não conhecer as pessoas que o cercam.
Tanto seus inimigos, mas principalmente seus aliados
inda mais uma pessoa tão importante para o futuro de
nossa causa como você Július. Era óbvio que agora que
estamos tão próximos de inaugurar a Torre da Vigília
nossos inimigos comecem a usar de todos os
expedientes para nos atrapalhar em nossa missão. O
que quero fazer é lhe perguntar qual é o seu
comprometimento com a nossa causa e até que ponto
você esta disposto a chegar para ver nosso sonho
realizado. – com uma voz tão fria como gelo.
Július compreendendo o que seu mestre estava
insinuando sente seu corpo endurecer. Já havia
cogitado esta possibilidade outras vezes, mas somente
em sua mente e agora que era colocado frente a frente
com possibilidade real de isso acontecer leva um
choque.
Percebendo a confusão na mente se seu pupilo o velho
continua.
- Como você sabe a imagem é um instrumento
poderosíssimo meu amigo para influenciar as multidões
e infelizmente quando as pessoas olham para seu
irmão elas vêem você, literalmente. Seu irmão é o seu
exato oposto. Ele acredita em tudo o que lutamos
contra. Tudo aquilo que combatemos Július. As pessoas
olham para vocês e vêem as possibilidades as chances
de mudanças e com elas as dúvidas surgem. E isso não
é bom para nossa causa. Július você foi escolhido para
conduzir a humanidade a outro nível na escala
evolutiva, uma honra indescritível meu amigo. Seu
nome será venerado por milhares de anos, mas agora é
à hora de separar o homem do garoto. Preciso saber se
você esta pronto para “fazer” o que é preciso ser feito.
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“Seu nome será venerado por milhares de anos”.
Imediatamente a imagem da cigana surge em sua
mente. Július sabia que à hora finalmente chegou e ele
teria que tomar uma decisão. A decisão que mudaria
seu destino para sempre.
- Mestre nunca estive tão certo de uma decisão. Estou
pronto para fazer “tudo o que for necessário” para o
bem da causa. – olhando diretamente nos olhos do
mestre que sorri aliviado.
- Eu sabia meu amigo que você não me decepcionaria.
Mais uma vez Nosso Senhor prova que fiz a escolha
certa ao escolhê-lo para conduzir seu povo.
- Hoje mesmo darei um “jeito” em nosso problema
Mestre. – maliciosamente.
- Não vamos nos afobar Július. Não podemos arriscar
em ver seu nome associado a negócios escusos. Já
tenho tudo planejado meu amigo não se preocupe com
nada. Faremos com que a morte de sua família se torne
uma coisa boa para nossa causa.
A menção da palavra morte causa certo desconforto
em Július assim como um alivio. Era como que se de
seus ombros fosse retirado um fardo enorme que ele
foi obrigado a carregar a vida toda e agora finalmente
estaria livre.
- E como faremos isto Mestre?
- O que pode ser mais relevante para nossa causa do
que a morte de maneira trágica dos familiares de um
membro do mais alto escalão da nossa ordem. Ainda
mais se essa morte for causada pelo filho “drogado” do
casal devido a uma vida toda levada sem regras, sem
ordem e repleta de abusos longe dos ensinamentos da
Ordem dos Cavaleiros do Sagrado Coração. Apenas
mais uma família destruída pela falta de ordem,
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harmonia e valores reais. A mídia simplesmente irá
adorar meu amigo.
- Confio minha vida ao senhor e a nossa causa Mestre.
Aguardarei suas providências.
- Certo. Amanhã teremos um coquetel para
empresários e quero você lá para representar a ordem
o que lhe dará um álibi perfeito.
- Que assim seja Mestre. Ordem e harmonia para o
senhor. – com isso se retira.
- Ordem e harmonia meu pupilo, ordem e harmonia...
Novamente caminhando pelo corredor silencioso Július
não sentia remorso ou qualquer sentimento de culpa.
Acreditava que havia tomado a melhor decisão
possível, finalmente exorcizaria seus demônios.
Deixaria seu passado de vergonha definitivamente para
traz e poderia começar uma nova vida. Mas para toda
ação existe uma reação e o que nem mesmo Július
sabia que daquele momento em diante seu coração
havia secado e em seu lugar uma pedra estava
depositada.
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Lágrimas no Paraíso
Era uma noite chuvosa de inverno com muitos trovões
e uma estranha sensação tomava conta do mundo. Era
como se alegria estivesse dormindo um sono
perturbado e agitado. Sem que os Rolland soubessem
seus destinos haviam sido decididos. Suas horas juntos
estavam contadas logo fariam parte das estatísticas da
crescente violência urbana e da sede de poder e
loucura de um membro de sua própria família, sangue
do seu sangue.
Embalados pela benção da ignorância conversavam
alegremente enquanto jantavam, sem desconfiar que
aquela seria sua última ceia. Memphis conta mais uma
de suas histórias para Reymond que se divertia muito
vendo seu pai teatralmente tentando interpretar as
personagens.
- ... então ele estava lá, meia noite, no meio do nada na
encruzilhada das rodovias 61 e 49 em Clarksdale,
Mississipi, Robert Johnson tocando sua guitarra
alucinadamente a espera do demônio e então que
aparece “ele” vestindo um terno branco impecável,
chapéu também branco e uma bengala com cabo em
marfim. O Diabo olha nos olhos de Johnson e com uma
voz suave quase doce, mas muito firme fala: - Você se
tornará o maior guitarrista do Blues, mas sua alma será
miiiinhaaa! – com uma voz tentando ser apavorante.
- Teu pai não tem jeito mes... – Grace é interrompida.
Ouvem um barulho vindo da parte de fora da casa.
Como se alguém estivesse forçando a porta e logo em
seguida um vidro quebrando.
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- O que foi isso? – pergunta Grace assustada sentindo
novamente aquela sensação de mau agouro,
pressentindo o pior.
- Calma querida. Fique aqui com Rey que vou verificar.
- Não Memphis fique aqui... – mas ele já estava perto
da porta dos fundos.
Memphis olha pela janela da porta dos fundos e vê um
vulto todo de negro passar. Corre para sala de jantar
onde Grace e Rey esperam apreensivos.
- O que foi papai? – Reymond sentia uma mistura de
medo e excitação.
- Grace ligue para a polícia estão tentando invadir
nossa casa. Rey vá até o porão, em baixo da minha
bancada de trabalho nos fundos tem uma arma traga
para mim rápido. – apontado para a escada.
Grace chorando corre até o telefone, mas está
desligado, sem sinal. No mesmo instante que as luzes
da casa se apagam. Reymond que descia correndo os
degraus quando se vê na completa escuridão escorrega
e cai rolando escada abaixo. Ainda atordoado com a
queda e com a cabeça e o ombro doendo ouve seu pai
gritar.
- O que você quer aqui? Leve o que você quiser, mas
nos deixe em paz. VÁ EMBORA! Já chamamos a polícia!
Rey apavorado corre até a bancada procurando pela
arma, mas não encontra nada. Nunca antes ouviu dizer
que seu pai tinha uma arma em casa. Nunca tinha visto
nenhuma arma e conhecia aquele porão como a palma
de sua mão. Passa mais uma vez a mão por baixo da
bancada desesperado e nada. Corre em direção à
escada e quando estava pronto para subir Rey olha
para porta que estava semiaberta e ouve dois
estampidos secos seguidos por clarões. Fica paralisado.
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Seu coração parecia que iria sair pela boca. Suas pernas
tremem e seu estômago embrulha. Naquele momento
uma certeza crua, cortante como navalha, toma conta
de seu ser. Sabia que nunca mais veria seus pais, que
daquele instante em diante estava só no mundo.
Sozinho na escuridão do porão ouve o assassino de
seus pais falando tranquilamente ao telefone, com uma
frieza assustadora. O fato de ele ter acabado de tirar a
vida de duas pessoas inocentes não significava nada.
- Pronto Mestre o serviço esta feito. Mas o garoto não
esta aqui.
Foi então que Rey percebeu por que seu pai pediu para
que ele procurasse uma arma que não existia no porão.
Para tentar protegê-lo já que a porta do porão ficava
escondida, como não tinha maçaneta e era da mesma
cor da parede para vê-la somente prestando muita
atenção. Em meio às lágrimas que lhe escorriam pelo
rosto Reymond da um passo para traz e esbarra em um
acordeom que cai denunciando sua posição. Olha para
cima e vê a porta do porão sendo aberta e em meio aos
clarões dos relâmpagos, parado na soleira da porta está
o assassino de seus pais e seu futuro carrasco. Ainda
paralisado só ouve um estampido muito alto seguido
de um clarão intenso e um zunido muito próximo a sua
orelha esquerda por onde passa o projétil que atinge
um violão que estava na bancada de Memphis,
espalhado pedaços para todos os lados. Reymond joga-
se para traz e se arrasta pelo chão do porão tentando
se levantar e se proteger ao mesmo tempo. Quando
consegue se equilibrar outro projétil passa rente a sua
cabeça explodindo no chimbal da bateria fazendo um
barulho ensurdecedor. Joga-se sobre a bateria caindo
sobre os instrumentos que estavam enfileirados
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machucando as costas. Correndo em sua direção seu
perseguidor implacável vem derrubando tudo o que vê
pela frente já que a escuridão do lugar não permitia
que nem e presa nem o caçador vissem nada. Ainda
tentando se livrar dos instrumentos que caíram sobre si
Rey olha para cima e em sua frente, apontando a arma
que reluzia à medida que os relâmpagos estouravam a
figura negra.
- Acabou a brincadeira garoto. Com os cumprimentos
do seu tio. - sorrindo.
- Meu tio? Do que você esta falando? – com a mão
direita levanta tentando se proteger.
- Não vejo problema em lhe contar já que você vai ficar
famoso garoto. – sorrindo de prazer por poder torturar
sua vítima um pouco mais em quanto recarregava a
arma.
- O que meu tio tem a ver com isso? – enquanto
procurava algo para poder se defender.
- Seu pai deveria ter ficado de bico calado. Não há
como interromper a ascensão da Ordem dos Cavaleiros
do Sagrado Coração. Com este serviço me tornarei um
grão mestre na ordem.
- A polícia vai descobri tudo e vocês serão presos.
- Não seja estúpido garoto. Já está tudo armado. A
ordem tem conexões nos mais altos escalões do
governo. Quando eu sair daqui à polícia virá e dirá que
o que aconteceu aqui foi mais um caso de um menino
drogado que mata os pais depois se mata. Isto só irá
reforçar a crença de que o único caminho para a
salvação da humanidade é se unirem a OCSC. Mas
chega de conversa diga olá ao capeta por mim. –
sorrindo e apontando a arma que reluzia com os
clarões dos relâmpagos.
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O homem aperta o gatilho, acontece um clarão seguido
de um estrondo. Reymond fecha os olhos esperando a
dor lancinante a cortar-lhe o peito e seu sangue
escorrer pela ferida aberta esvaindo-se juntamente
com sua vida. Nos breves segundos que se seguiram
uma estranha sensação contraditória se apoderou de
Rey. O alívio por poder se juntar novamente a seus pais
e não estar mais sozinho no mundo juntamente com a
enorme vontade de viver e fazer com que seu tio
pagasse pelo que tinha feito.
Mas nada acontece. O clarão foi um relâmpago e o
estrondo um trovão. A arma falhou milagrosamente.
Neste instante Rey agarra um pedaço de madeira
maciço que estava caído no chão e atira contra a figura
vestida de negro acertando sua testa. O homem dá um
grito e cai de joelhos. Reymond aproveitando que o
homem está temporariamente abatido vira sobre ele
um prateleira cheia latas de tinta e corre escada acima.
O homem ainda atordoado com a madeirada e coberto
de tinta tenta se levantar, mas escorrega várias vezes.
Quando finalmente consegue ficar de pé corre atrás de
Reymond. Escorrega ainda em alguns degraus, mas se
agarra firme no corrimão para subir a escada. Com
tremenda violência da um chute na porta do porão que
estava entre aberta. A claridade que vinha da rua e
iluminava a casa, cega o agressor por alguns segundos.
Foi então que apertando os olhos para poder enxergar
melhor percebe que parado em sua frente está
Reymond segurando uma panela de ferro maciço, que
esta em sua família a gerações, e antes que pudesse
tomar qualquer atitude leva um violento golpe na
cabeça e cai rolando escada abaixo. Reymond olha para
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a figura de negro caída no chão do porão toda torta
sem vida e corre para junto dos pais.
Fica parado em estado de choque diante da visão de
seus pais caídos sem vida. Grace com seu vestido
branco manchado de sangue e Memphis sobre ela,
denunciando o derradeiro ato de amor quando trocou
sua vida para tentar defender sua amada.
A dor que Reymond sentia era insuportável. Ele
naquele momento realmente desejou que a arma não
tivesse falhado e ele tivesse recebido aquele tiro. Todos
os músculos de seu corpo estavam enrijecidos, sua
cabeça latejava e ele custava em acreditar na cena que
se desenrolava diante de seus olhos. Ajoelha-se
segurando seu pai contra o peito e grita por ele, mas a
única resposta que ouve são seus soluços entre os
relâmpagos e trovões e o barulho da chuva que insiste
em cair como que chorando junto com ele. Deita sobre
sua mãe e chora copiosamente na esperança de que
suas lágrimas pudessem trazê-la de volta como em um
conto de fadas. Mas então ouve as sirenes dos carros
de polícia que se aproximavam e volta à realidade. Vêm
em sua mente, como um balde de água fria a
chacoalhá-lo, as palavras do homem de negro:
“- Já está tudo armado. A ordem tem conexões nos
mais altos escalões do governo. Quando eu sair daqui à
polícia virá e dirá que o que aconteceu aqui foi mais um
caso de um menino drogado que mata os pais depois
se mata.”
Sabia que se ficasse ali seria preso e posteriormente
morto. Levanta como se todo o peso do mundo
estivesse sobre seus ombros e ainda olhando para os
corpos de seus pais, sem vida caídos no chão, sai
correndo em direção a rua vendo sua vida escurecer.
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Correu como nunca correu antes em toda sua vida, em
direção a noite escura tão escura como imaginava que
seria se futuro dali em diante, sentindo a fria chuva a
lhe castigar o rosto se misturando com suas lágrimas.
Em meio à dor enquanto corria em sua mente
conturbada ouvia Fade to Black do Mettalica.
A vida parece desaparecer
Esvaindo-se todos os dias
Me perdendo dentro de mim mesmo
Nada importa, ninguém mais
Eu perdi a vontade de viver
Simplesmente nada mais a oferecer
Não há nada mais para mim
Preciso do fim para me libertar...
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Como uma Pedra a Rolar
Július caminhava de um lado para o outro da sala de
seu Mestre, como um leão no cativeiro, enquanto
olhava para as notícias na televisão que relatavam o
que havia acontecido com o irmão gêmeo daquele que
seria o regente da Torre da Vigília da Ordem dos
Cavaleiros do Sagrado Coração. Relatavam com
minúcias a trágica morte de Memphis Rolland e esposa,
assassinados pelo único filho, um adolescente de
apenas dezesseis anos que estava foragido.
- E agora Mestre o que faremos? – muito preocupado.
- Calma Július. Está tudo sobre controle, como sempre.
A imprensa engoliu a história como esperávamos. A
polícia fez sua parte, e seu sobrinho está sendo
procurado por toda a cidade. É uma questão de horas
até que ele seja capturado.
- Mas então Mestre o que acontecerá se ele abrir a
boca? – olhando apreensivo para o Mestre como uma
criança que fez coisa errada e esta com medo que
descubram.
- Um homem na minha posição não chegou onde está
sem poder se livrar de um problema tão insignificante
quanto um simples adolescente fujão Július. – irritado.
Agora se acalme, sim! Quando ele for achado
inacreditavelmente ele “reagirá” a prisão e nossos
“zelosos” oficiais da lei não terão outra escolha senão
matá-lo. – sorrindo.
- Desculpe Mestre por minha fraqueza e falta de fé. –
olhando para o velho encabulado.
Percebendo que estava demonstrando fraqueza perto
de seu mestre Július se acalma e para não piorar sua
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imagem resolve encerrar o assunto, afinal seu Mestre
sempre resolveu qualquer problema de maneira
exemplar. Sem deixar arestas como ele mesmo gostava
de dizer. Tudo de acordo com os ensinamentos da
OCSC, ou seja, na mais pura Harmonia e Ordem.
Mas o que nem Július nem seu mestre contavam é que
Reymond
podia
ser
muitas
coisas,
mas
um
insignificante
e
simples
adolescente
fujão
definitivamente não era. As horas passaram, os dias
vieram, as semanas correram e dois meses após o
assassinato de seus pais Reymond ainda estava à solta.
Sua foto estava espalhada por vários locais na cidade e
até uma recompensa era oferecida por informações
que levassem a captura de Reymond. Trocou de roupas
com um desabrigado e sempre usava um boné para
não ser reconhecido. Durante o dia se escondia da
polícia como podia enquanto tentava arranjar alguma
coisa para comer.
Muitas vezes pedia esmola, outras vezes pegava
comida nas latas de lixo de restaurantes tendo que
brigar com outros desabrigados como ele. E nunca em
toda sua vida pode imaginar chegar a tal situação.
A vida nas ruas não perdoa e a solidão, a falta de afeto
e carinho, a fome, o frio, o abandono castigavam
Reymond. Aprendeu a duras penas que as lágrimas
não o ajudariam e não mais chorava por seus pais ou
pela situação que vivia. Lembrava das palavras de seu
pai que dizia que não adiantava sentir auto piedade e
ficar se lamentando. Que era necessário levantar a
cabeça e correr atrás. E que nessas horas ele sempre
cantarolava o refrão uma velha canção de tempos
sombrios.
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Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz à hora
Não espera acontecer...
E era isso que fazia Reymond levantar e continuar em
frente todo santo dia.
Uma noite depois de um dia particularmente ruim,
chuvoso e frio estava deitado em baixo de caixas velhas
e jornais para poder se aquecer e tentar dormir. No
beco junto com ele estavam mais alguns vagabundos,
bêbados e desabrigados todos encolhidos para se
proteger do frio e tentar esquecer suas tristes histórias
de vida. No alto do prédio de uma janela semi-aberta
escapava uma canção que Rey conhecia muito bem e
que nunca fez tanto sentido para sua vida como agora.
Mais do que nunca ele entendia toda a genialidade de
Bob Dylan na versão cantada pelos Rolling Stone.
... Como se sente?
Como se sente?
Por estar sem um lar?
Como uma completa estranha?
Como uma pedra que rola?...
... Como se sente?
Como se sente?
Por estar por sua conta?
Sem nenhuma direção para casa
Como uma completa estranha?
Como uma pedra que rola?...
Ouvia distraidamente a canção quando entram no beco
dois furgões em alta velocidade. Param abruptamente
e deles saem vários homens encapuzados gritando e
socando todos que encontram pela frente jogando-os
para dentro dos furgões. Reymond desesperado tenta
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fugir, mas é atacado e recebe um golpe fortíssimo na
cabeça e cai desacordado.
Reymond acorda com uma tremenda dor de cabeça,
vestindo calça e camiseta brancas, em uma sala toda
almofadada sem janelas. Em seu tornozelo direito um
presilha com uma luzinha que ficava piscando. Ali
naquele lugar estranho só conseguia pensar que havia
sido capturado. Que tudo havia acabado e que dentro
de poucas horas estaria morto, assim como seus pais.
Desesperado começa a gritar e socar a porta.
- Eu sou inocente. Pelo amor de Deus eu não fiz nada.
Foi meu tio e aquela Ordem de lunáticos. Socorro por
favor. – chorando em desespero.
Mas não obteve resposta nenhuma.
Para surpresa de Reymond ele não foi morto, pelo
contrário. Durante os dias que se seguiram Reymond
foi alimentado e medicado. Todos os dias dois
enfermeiros entravam na sala, mudos, pegavam
Reymond e o levavam para fazer exames médicos.
Tiravam seu sangue, faziam testes de esforço e muitos
outros. Toda vez que Rey se recusava a fazer alguma
coisa à presilha em seu tornozelo lhe dava um choque
que fazia com que ele caísse no chão de dor. Nunca
obtinha resposta de seus raptores que simplesmente
ignoravam suas súplicas.
Após um mês nesta rotina quando Rey já estava em
plena forma física foi levado para uma sala onde
haviam pessoas vestidas de branco como médicos e
sobre uma mesa uma cápsula, parecida com as que via
nos filme de ficção científica onde os astronautas
hibernam durante as viagens estelares longas,
conectada a vários canos. Pressentindo que aquilo não
poderia ser boa coisa Reymond com um soco tenta se
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livrar dos enfermeiros que o seguravam e sai correndo,
mas antes que conseguisse chegar à porta a presilha
em seu tornozelo lhe da um choque que faz com que
ele caía violentamente no chão. Ainda atordoado com
o choque recebe uma injeção que o deixa tonto, meio
grogue. Retiram toda sua roupa e a presilha de seu
tornozelo e colocam-no dentro da cápsula que é
lacrada.
Ainda tentando ficar acordado Rey ouve um chiado
muito forte e percebe que dos canos conectados a
cápsula começa a sair um líquido transparente
ligeiramente amarelado que rapidamente enchia todo
o recipiente. Reymond entra em desespero com o
líquido gosmento chegando cada vez mais perto de seu
nariz. Tentando buscar oxigênio levanta a cabeça o
máximo possível, mas como o espaço é pequeno não
consegue. Em uma última tentativa de manter-se vivo
inspira o máximo de ar que pode e tranca a respiração.
Durante os dois minutos em que conseguiu trancar a
respiração lembrou-se de seus pais, da vida que tinha e
de como tudo na vida muda, que as coisas sempre
mudam. Lembrou-se dos planos que fez de conhecer
uma garota linda e inteligente que adoraria música,
assim como ele, e que eles teriam filhos. Como
formaria uma banda e mesmo fora de moda, contra
todos e tudo tocaria rock and roll. Tantos sonhos, mas
que agora sabia que nunca poderia realizá-los. Tantas
preocupações que neste momento não passavam de
banalidades. A realidade era outra acabaria como o
assassino de seus pais, como pode passar de um filho
amado a um criminoso procurado, como pode passar a
ser considerado o homem mal. Exausto não somente
pela situação em que se encontrava, mas pelos
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acontecimentos recentes que o obrigaram a levar
aquela vida e não conseguindo mais segurar a
respiração expele o ar completamente em um suspiro
longo. Imediatamente sente seus pulmões se
encherem por aquele líquido gosmento em sua mente
o som de Behind Blue Eyes do The Who depois a
escuridão e paz.
Ninguém sabe como é, ser o homem mal
Ser o homem triste, por trás dos olhos tristes
E ninguém sabe como é, ser odiado,
Ser destinado, a contar só mentiras...
Mas meus sonhos não são tão vazios
Quanto minha consciência parece ser
Passo horas, de pura solidão
Meu amor é a vingança que nunca é livre
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Outro Tijolo no Muro
Mesmo frustrados por não saberem o que aconteceu
com Reymond a inauguração da Torre da Vigília não
podia mais ser adiada. Era chegada a hora do sonho se
realizar. Uma nova ordem mundial seria criada.
Do alto de um mirante que ficava estrategicamente
colocado em frente ao portão principal da Torre da
Vigília, Július e seu Mestre contemplavam a multidão
que se aglomerava no local. Centenas de repórteres,
fiéis, opositores da OCSC, pais suplicando para que seus
filhos não entrassem e policiais que tentavam colocar
um pouco de ordem ao caos.
- Olhe Július. – apontando para baixo em direção à
multidão. – Dia 16 agosto de 2151. Um dia que entrará
para história. Daqui mil anos este dia será lembrado
como um marco para humanidade. Após dezesseis
anos de trabalho ininterrupto e milhões e milhões de
euros investidos está pronta. – extremamente
orgulhoso.
- Sim Mestre. Uma data para entrar para história com
certeza. – com um ar preocupado.
- Não se preocupe Július. Hoje é um dia para
comemorarmos. Se seu sobrinho estivesse vivo ele já
teria feito algo para tentar nos impedir meu amigo.
Afinal um adolescente criado em berço de ouro não
duraria muito sozinho nas ruas deste neste mundo cão.
- acalmando o outro. – Contemple o nascimento de
uma nova era!
Construída em uma área de 199.554 quilômetros
quadrados completamente cercados por muros de seis
metros de altura e fortemente vigiados por seguranças
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armados, no meio da floresta amazônica, a Torre da
Vigília era um marco na engenharia mundial.
Exatamente no centro do terreno uma torre magnífica
extremamente branca de 1200m surgia imponente
como um farol em meio à selva. Construída com toda
infra-estrutura, para se sustentar sem ajuda externa de
qualquer tipo, abria suas portas para os novos
moradores. Nove milhões de fiéis dos quatro cantos do
mundo que passaram por uma rigorosa seleção, foram
escolhidos para habitarem a Torre. Na grande maioria,
jovens entre os quinze e os vinte e cinco anos e casais
com filhos até os três anos de idade de classe média
alta.
O que causava uma grande revolta dos grupos
opositores e dos direitos humanos que diziam que a
seleção facilitava o controle sobre os habitantes. E que
a torre da Vigília não passava de uma nova Jonestown
se referindo à seita Templo do Povo onde no dia 18 de
novembro de 1978, 914 fiéis de Jim Jones cometeram
suicídio ingerindo veneno ou dando tiro na cabeça.
Apesar de todas as críticas a Torre da Vigília era uma
realidade a nada poderia ser feito para impedi-la de
atingir os objetivos de seu criador. Se transformar no
modelo de uma nova sociedade onde o controle do
estado seria total sobre seus habitantes. Um controle
nunca antes exercido, onde não apenas os corpos e
mentes dos seus moradores seriam controlados, mas
suas almas pertenciam ao estado.
- Hoje estamos fazendo história meu amigo Július, mas
tenho que confessar uma coisa a você. – olhando firme
nos olhos do rapaz. – O que irei contar agora para você
não deve sair desta sala Július. – enfático, mas quase
suplicante.
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Július apreensivo encara o Mestre assustado, já que
não estava acostumado a ver seu Mestre assim tão
exposto e vulnerável.
- Claro Mestre. O senhor sabe que tem minha completa
lealdade. – fazendo uma leve reverência.
- Sim meu amigo. Quando tive minha visão de nosso
futuro glorioso, que hoje estamos dano início fui
avisado que não poderia entrar na Torre da Vigília.
- Sim Mestre o senhor já me informou os motivos. –
sem compreender o porquê daquilo agora.
- Sim Július, mas o que não lhe contei é que semanas
após minha visão descobri que tinha um tumor no
cérebro. Os médicos, idiotas sem fé, disseram que eu
teria no máximo mais seis meses de vida e, no entanto
estou aqui até hoje - sorrindo. - Nosso senhor me
poupou para que eu pudesse terminar sua obra. –
apontando para Torre.
- Mestre eu não sabia!
- Ninguém sabia Július. Mas o mais importante é que
meu tempo esta acabando. Hoje meus advogados
passaram todos os meus bens para a Ordem dos
Cavaleiros do Sagrado Coração e seu Regente de agora
em diante é o único responsável por toda minha
fortuna. Ou seja, para você meu amigo.
Os olhos de Július quase saíram de suas órbitas.
Finalmente ele era o único proprietário de bilhões de
euros, de corpos, mentes, mas sobre tudo almas.
- Só lhe peço uma coisa Július, sei que é egoísmo, mas
peço que meu nome seja venerado pelos anos que se
seguirão. – olhando suplicante para Július.
- Não se preocupe Mestre daqui mil anos ainda saberão
quem foi Manoel Santiago de Castro e prometo que o
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senhor será venerado pelo planeta inteiro. –
retribuindo olhar do mestre.
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Tudo Ao Longo da Torre
Vinha caminhando apressado carregando uma pequena
valise e seguido de perto por um robô todo prateado,
muito parecido com um ser humano, que reluzia a luz
do sol da manhã. O professor Peter Carl Goldmark com
seus sessenta anos era um homem de um metro e
oitenta, muito magro, olhos negros injetados em um
rosto comprido realçado pelo pequeno óculos que
insistia em deslizar pelo longo nariz aquilino.
Esbaforido pelo trote chega à enorme sala em forma de
arena que esta cheia de adolescentes, para ministrar
mais uma vez a aula sobre história antiga. Posiciona-se
ao centro e olha para todos. Ao seu lado o robô
metálico com um metro e sessenta, feito de uma liga
de metal metamórfica.
- Desculpem o meu atraso, Harmonia e Ordem a todos.
O que é respondido em uníssono.
- Harmonia e Ordem.
Em quanto se apronta tirando alguns papéis da mala,
pergunta.
- Hoje vamos estudar o século vinte e um. Por falar
nisso, senhor Niclos poderia dizer que dia é hoje?
Um rapaz sentado no fundo olha desanimado para o
professor e responde:
- Claro professor. Hoje é dia 24 de março de 1151 dos
dias da Ordem dos Cavaleiros do Sagrado Coração.
- Estamos na aula de história antiga senhor Niclos.
Gostaria de saber em que ano estamos segundo o
calendário gregoriano. Alguém por favor? Vale um
ponto na nota final! – a mão levantada e o dedo
indicador em riste.
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Uma menina sentada na primeira fileira levanta o
braço.
- Sim senhorita Galatéa. – sorridente.
- Segundo o calendário Gregoriano estamos no ano de
3151 depois do Cristo professor.
- Excelente Galatéa, perfeita como sempre. Nada
menos do que o esperado da nossa futura Regente. –
sorrindo para mocinha.
- Obrigada professor. É verdade que o senhor vai sair
para mais uma das suas expedições arqueológicas?
- Sim Galatéa. Hoje mesmo após nossa aula estou
partindo em busca do desconhecido.- sorrindo - De
novas descobertas sobre as civilizações anteriores a
nossa. – muito entusiasmado.
Outra menina sentada duas fileiras atrás pergunta
parecendo indignada.
- Mas professor, não é perigoso ficar vagando fora dos
muros da Torre da Vigília? O senhor pode pegar uma
doença com todos aqueles insetos ou ser atacado por
algum animal selvagem! Existem até boatos de uma
raça de hominídeos vivendo na floresta! – olhando para
todos horrorizada.
- Não se preocupe Noelia vou acompanhado do meu
fiel escudeiro, o meta robô de Zoneamento de Área
Pesquisa e Proteção Arqueológica ou carinhosamente
conhecido
como
Z.A.P.P.A.
Qualquer
problema
eventual que eu venha a ter ele está equipado para
resolver. E garanto a você que não existe hominídeos
na floresta, a OCSC não permitiria.
A aula correu tranquilamente como sempre acontecia.
Sem interrupções e questionamentos. Os alunos
apenas escutavam o que o professor dizia no mais
clássico estilo de educação bancária onde o
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conhecimento é depositado nos alunos como em um
banco. O que correspondia perfeitamente à proposta
pedagógica da Ordem dos Cavaleiros do Sagrado
Coração. Que só autorizava as aulas do professor para
enfatizar para as futuras gerações da Ordem que o
mundo antes da Torre da Vigília não passava de um
lugar horrível, onde as pessoas não eram mais do que
animais seguindo seus instintos primitivos. Que
existiam guerras, assassinatos, violência de todos os
tipos contra mulheres, crianças, idosos. Que todos os
tipos de abusos eram cometidos em nome da ganância
e satisfação pessoal sem se preocupar com as leis
divinas.
O que levava o professor Goldmark quase a loucura,
pois apesar dos esforços não conseguia fazer com que
seus alunos despertassem para vida. Não conseguia
despertar neles o espírito questionador. A vontade de
mudança, fazê-los saírem daquele infindável estado de
letargia, de marasmo, apatia moral e intelectual. Fazer
com que eles analisassem a vida e não aceitassem o
que lhes era imposto como correto. Mostrar-lhes que
existem escolhas, opções a serem seguidas. E pagou
caro por isso. Essas atitudes lhe custaram sua
credibilidade perante toda sociedade científica. Era
motivo de chacota e considerado louco por muitos.
Em sua juventude o professor Goldmark despontava
como uma das maiores promessas da ciência com um
futuro grandioso na sociedade da OCSC. Mas seu
espírito sempre inquieto o levou a questionar os
costumes e crenças vigentes. Passou a estudar a
história pré-torre da vigília e fez descobertas
arqueológicas que mudaram sua maneira de pensar
radicalmente. Publicou um ensaio comprovando suas
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teorias, mas foi veementemente ignorado não só pela
sociedade científica, mas por todas as pessoas que
simplesmente não queriam mudanças. Com o passar
dos anos esmoreceu, mas nunca desistiu de encontrar
algo que fizesse com que seus alunos começassem a
questionar a vida.
O professor encerrou mais um dia pouco produtivo e
seguiu apressado para seu laboratório sempre seguido
de perto por seu meta robô.
- Está tudo pronto Zappa?
- Sim professor. Já providenciei tudo o que iremos
precisar para nossa expedição. Todas as coordenadas
estão fixadas e prontas. Nunca nos afastamos tanto dos
muros da Torre professor, o senhor tem realmente
certeza de que quer fazer isso?
- Tenho meu amigo metálico. Estou com um bom
pressentimento sobre essa nossa expedição. Acredito
que desta vez acharemos algo que vai mudar nossa
história. - com um largo sorriso e muito excitado.
- Então vamos professor que nosso visto é para as
quatorze horas e se perdemos não poderemos deixar
os muros da Torre.
Algum tempo depois já estão dentro de um veículo que
desliza velozmente pelo céu em direção a mata fechada
que circunda toda a Torre da Vigília. Uma visão que
sempre impressionava o professor. Exatamente no
centro uma torre gigantesca de um branco intenso se
erguia imponente em direção ao céu como querendo
tocar o próprio Deus. Era o prédio principal da OCSC e
morada do Regente supremo.
Durante quatro horas e meia, ininterruptas, voaram em
altíssima velocidade chegando finalmente ao anoitecer
ao sítio de escavação. Uma clareira aberta em plena
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mata
onde
robôs
operários
trabalhavam
freneticamente.
Logo ao aterrissarem vem em sua direção um robô
operário todo coberto de pó que era o encarregado do
sítio dar as boas vindas e interar o professor das
novidades e progressos alcançados.
- Harmonia e Ordem Professor Goldmark. – com uma
leve reverência.
- Olá. Como estamos indo meu amigo robótico?
Descobrimos algo de relevância?
- Sim professor. Em nossa última expedição
descobrimos uma construção que data cerca de mil
anos aproximadamente. Fizemos análises estruturais
no local e constatamos que esta em perfeitas
condições. Aparentemente deveria ser uma espécie de
laboratório ou hospital devido às características.
- Hospital é. – decepcionado. – Nossas prioridades são
bibliotecas, pen drives, arquivos, livros qualquer coisa
que nos conte como nossos antepassados viviam.
Como era sua cultura, seu modo de vida. O que
acontecia no planeta antes da Torre da Vigília já que
depois do decreto do Regente Augusto III, no ano de
2551, tudo anterior a inauguração da Torre foi
considerado herege e destruído.
- Sim professor, mas lá dentro descobrimos algo que o
senhor deveria ver. É algum tipo de recipiente datado
com cerca de mil anos.
- E o que havia dentro? – intrigado pelo fato do robô já
não ter relatado.
- Seguindo as diretrizes do artigo 236 do código de
descobertas arqueológicas, quando descoberto ser vivo
seja ele animal ou vegetal deve-se isolar o local e
esperar a chegada do responsável pelo sítio
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arqueológico. – falando de maneira mecânica como
que acessando um arquivo interno.
- Mil anos? Isto não pode estar certo. Nenhum animal
ou vegetal viveria mil anos. Você tem certeza? –
olhando incrédulo para o robô.
- Absoluta professor! – parecendo insultado. – Fui
programado, pelo senhor, para datar as descobertas
com os mais rígidos processos analíticos e meus
sistemas estão em perfeitas condições.
- Ok. Então me leve até lá.
Seguiram, com a noite já caindo, durante alguns
minutos, andando em uma picada aberta mata adentro
em fila indiana o robô operário, o professor e Zappa.
Pararam enfrente a um barracão de dois andares com
várias janelas quebradas de onde se via plantas saindo
por elas. Em meio ao mato uma porta feita de ferro
que estava toda enferrujada. O robô operário se
encarregou de abri-la.
- Ok meu amigo, daqui seguimos nós. – o professor
apontando para si mesmo e Zappa.
- No fim do corredor professor. – o robô operário com
uma leve reverência.
Zappa segue na frente iluminando o lugar, um enorme
corredor com várias salas cheias de objetos quebrados
como cadeiras, mesas, tudo coberto por mato. Ao
passarem por uma sala pássaros se assustam com o
barulho e saem em revoada fazendo o professor
abaixar a cabeça. Realmente deveria ser um laboratório
já que muitos microscópios e tubos de ensaio estavam
espalhados sobre as mesas ou quebrados no chão.
- Foi em um lugar assim que eu lhe encontrei Zappa. Só
que era uma instalação militar. - sorrindo para o robô.
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Zappa foi achado em uma das primeiras expedições do
professor. Foi projetado originalmente para ser um
robô espião. Fabricado com uma liga de metal
metamórfica que permitia que assumisse qualquer
forma que quisesse assim como podia se dividir e
formar objetos de que necessitasse para cumprir suas
missões. Além da capacidade de escanear a mente dos
humanos e extrair informações.
Mas foi encontrado muito avariado o que não
possibilitou ao professor descobrir muitas informações
do seu passado. Com algumas modificações feitas pelo
professor se tornou um robô ajudante quase um
mordomo. Era extremamente cordial, educado e polido
chegando a ser algumas vezes esnobe. Parecia um
lorde inglês.
- Sim professor e sou eternamente grato ao senhor por
restabelecer minhas funções. – sorrindo.
Chegam ao final do corredor na última sala e não
encontram nada. O professor fica irritado.
- Acho que o robô operário ficou muito tempo na
floresta e a umidade afetou seus dispositivos.
- Não professor meus sensores indicam que atrás desta
parede existe alguma coisa. -chegando próximo a
parede do fundo.
Enfrente a parede Zappa transforma seus braços em
marretas prateadas e com fortíssimos e precisos golpes
derruba a parede. Outra pequena sala se desvenda
diante de seus olhos e o professor e o robô entram. No
fundo, encostado na parede algo que parecia ser uma
cápsula muito empoeirada, o que não permitia que se
visse o que tinha dentro. Passando a mão pelo vidro o
professor só consegue ver um líquido amarelado
viscoso. Chama por Zappa e pede que ele ilumine mais
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perto. Com a proximidade do robô o professor
forçando os olhos pra enxergar dentro leva um susto e
joga-se para trás caindo no chão e exclama assustado:
- Santo Deus!
Dentro da cápsula, boiando, algo que parecia ser um
ser humano em posição fetal.
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Jovem para Sempre
Extremamente assustado o professor chama o robô
operário e ordena que a iluminação seja restabelecida
no local e que a área seja isolada. Ninguém, nem nada,
entram ou sai sem sua permissão.
Com o lugar iluminado parados em frente ao objeto o
professor e Zappa olham admirados.
- O que em nome de Deus é isso Zappa?
- Parece ser um ser humano senhor.
- Você consegue escaneá-lo?
- Posso tentar professor, mas devido ao grosso vidro e
a este líquido, ou gel, não posso garantir que terei uma
boa leitura.
- Mesmo assim tente, por favor.
Parado diante da cápsula sai dos olhos de Zappa uma
luz esverdeada que percorre toda a extensão do
objeto. O meta robô fica assim durante alguns minutos
e ao terminar olha para o professor que espera
impaciente.
- Então o que tem aí dentro?
- Sem dúvida nenhuma é um ser humano e o mais
incrível professor, parece estar vivo só que em estado
de catalepsia ou algo parecido. Mas infelizmente, como
eu temia o grosso vidro e esse estranho líquido não
permitem o escaneamento da mente.
- Isso é fantástico e horrível ao mesmo tempo. –
olhando para a cápsula atentamente. - Temos em
nossas mãos a maior descoberta arqueológica da
história. Imagine o que poderemos aprender com as
informações que ele tem em sua mente. Como ele vivia
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suas emoções, tantas possibilidades de aprendermos. –
extremamente excitado.
Enquanto analisava o objeto o professor percebe que
na base existe um marcador digital que mostrava o
número 1000 e ao seu lado uma entrada para dados.
Pede para Zappa acessá-lo. O robô aproxima o dedo da
abertura que vai se esticando e transformando até se
acoplar perfeitamente a abertura do dispositivo.
Após alguns minutos a professor angustiado.
- Pelo amor de Deus Zappa, estou enlouquecendo, me
diga alguma coisa! – com as duas mãos na cabeça como
se fossem arrancar os poucos cabelos que ainda tinha.
- Desculpe professor. Os dados são realmente muito
antigos e estão um pouco corrompidos, mas se referem
a um diário de pesquisa. É um diário visual vou
reproduzi-lo para o senhor.
Dos olhos de Zappa projetasse de forma holográfica a
imagem da sala em que eles se encontram, só que mil
anos atrás. Sentado atrás de uma mesa um homem
olha
diretamente
para
frente
e
de
forma
extremamente fria e sem emoções começa a falar em
um ritmo cadenciado e monótono.
“Data 16 agosto de 2151. Sou o Dr. Robert James
Ettinger Bedford e este é o diário da pesquisa
Ambrosia. Escolhemos o nome Ambrosia, pois assim
como o manjar dos deuses da mitologia grega que se
comido por um mortal adquiriria a imortalidade, nossa
pesquisa também levará ao mesmo fim. Hoje
capturamos alguns espécimes que servirão para o
projeto. Vagabundos e desabrigados que não farão
falta a sociedade. Na verdade estamos fazendo um
favor a ela. Dois adultos caucasianos que estão bem
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debilitados e um jovem também caucasiano em estado
um pouco melhor...
Devido à má qualidade dos dados a imagem algumas
vezes se perdia o que fazia com que Zappa procurasse
outro ponto inteligível novamente.
“Vigésimo dia da pesquisa Ambrosia. Depois de vários
testes o único espécime que se mostrou adequado as
nossas expectativas foi o jovem caucasiano, os demais
foram descartados. Dentro de mais alguns dias
iniciaremos o processo de suspensão criogênica
amniótica que consiste na criogenização do indivíduo
ainda vivo utilizando o líquido amniótico modificado
geneticamente juntamente com nitrogênio líquido para
aperfeiçoar o sistema de criogenia.
No modelo antigo o indivíduo deveria estar morto
então se removia a água das células substituindo-a com
uma mistura química à base de glicerina o crioprotetor
- um tipo de anticongelante. Para proteger os órgãos e
tecidos da formação de cristais de gelo a temperaturas
extremamente baixas. Em seguida o indivíduo era
resfriado em uma cama de gelo seco até que atinja -
130ºC, completando o processo de vitrificação. Então
era colocado na cápsula de metal com nitrogênio
líquido a uma temperatura de aproximadamente -
196ºC.
Com o novo processo a agressão aos órgãos é muito
menor
e
possibilitara,
futuramente
com
o
desenvolvimento da nanotecnologia, que o indivíduo
possa ser ressuscitado de forma muito menos
traumática e com um período de reabilitação muito
menor.
Mais uma vez Zappa tem dificuldades para continuar
acessando os dados.
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- Desculpe professor, mas os dados estão muito
corrompidos. Eles continuam assim até o ano de 2199.
Vou reproduzi-lo para o senhor.
Aparece o mesmo homem, ainda na mesma sala, só
que muito mais velho e com um ar muito preocupado
olhando várias vezes para trás com medo de que
alguém entre a qualquer momento.
“Diário da Pesquisa Ambrosia. Fomos descobertos e a
qualquer momento seremos invadidos e presos, mas
esses idiotas sem visão nunca descobrirão onde
escondemos nosso maior triunfo. Suas mentes obtusas
não compreendem a grandeza de nossa pesquisa se
atendo a miudezas. Idiotas dos direitos humanos e
religiosos hipócritas sempre atrasando os progressos
da ciência. Deixo nossa descoberta para que os
cientistas futuros possam aproveitar seus benefícios.
Agora nos igualamos aos Deuses. Somos imortais.”
A gravação é interrompida bruscamente.
- Esta é a última informação que existe professor.
- Meu Deus que coisa horrível! Utilizar seres humanos
que não tinham como se defender, que já estavam em
situação de degradação, como cobaias para pesquisas.
Às vezes credito que o mundo realmente está melhor
agora, mesmo com nossa falta de liberdade, do que
antes.
Chama o Robô operário manda que ele faça uma
varredura no local e recolha todos os dados e objetos
possíveis além é claro da cápsula e seu ilustre morador
e os envie ao seu laboratório. Mas antes dá um aviso
ao robô.
- A partir de agora estamos sob artigo 139 do código
arqueológico. Repita-o para mim.
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-
Artigo
139
do
código
arqueológico,
fica
expressamente proibido divulgar qualquer informação
sobre as descobertas encontradas mesmo que para isso
seja necessária a autodestruição.
- Excelente. Vamos.
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A Cada Suspiro Seu
No laboratório o professor contempla extasiado sua
grande descoberta. Deitada diante de seus olhos anos
de história viva, o que era ainda mais incrível.
Percebendo a excitação de seu dono Zappa comenta.
- E agora professor o que faremos? Devo tentar
escanear novamente a mente dele?
- Não meu amigo. Acredito que não teríamos
resultados positivos. Temos que arranjar um jeito de
abrir esta cápsula sem danificar o espécime. -
colocando a mão na boca como se tivesse dito um
palavrão. – Estou apenas alguns dias com ele e já estou
lhe chamando de espécime, que coisa horrível.
- Vamos necessitar de um robô médico para isso
professor. Ele será capaz de ressuscitá-lo já que
aparentemente para isso são necessários nanorobôs.
Só que como manda a lei todos os robôs médicos
necessitam fazer um relatório para Ordem de qualquer
tipo de atendimento realizado. O que denunciará a
existência de nosso amigo congelado.
- Você tem razão Zappa. Vamos chamar o robô médico.
E não se preocupe eu dou um jeito no que diz respeito
a mantermos nosso segredinho. – sorrindo como
criança que fez coisa errada.
Após alguns minutos o robô médico está parado diante
da cápsula. Ele era muito diferente de Zappa que tinha
forma humana só que todo prateado como se fosse
cromado. Já o Robô médico parecia mais um latão
branco preso a esteiras rolantes. Após rápida análise da
cápsula, do corpo do robô médico começam a sair
vários pequenos braços com os mais variados tipos de
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ferramentas. Com uma voz metálica olha para o
professor e fala sem expressar emoção.
- É necessário que ele seja retirado do recipiente. Já fiz
todas as análises necessárias e não há risco.
- Por favor, Zappa. – fala o professor indicando a
cápsula.
O meta robô olha espantado para o professor sem
saber direito como agir.
- Você ouviu nosso amigo metálico, não há risco. Pode
abrir, mas muito cuidado, por favor.
Com extrema cautela o robô se aproxima da cápsula,
pede para o professor se afastar e sua mão direita se
transforma em uma espada prateada muito afiada.
Com um único golpe extremamente rápido, tão rápido
que o professor quase não o viu, e preciso, ela corta
todo o espesso vidro.
Durante
alguns
segundo
absolutamente