Tratado descritivo do Brasil em 1587 por Gabriel Soares de Sousa - Versão HTML
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378
110. Cobras grandes que se criam nos rios ............................. 259
184
378
111. Das cobras-de-coral e das jereracas ................................... 260
185
378
112. Que cobras s5o as de cascavel e as dos formigueiros_______ 261
186
378
113 Cobras diversas ....................................*.................................. 262
187
378
114. Dos lagartos e camaleões ........................................................ 263
188
378
115. Diversidade das rãs e sapos .................................................. 264
189
378
116. Das lagartas ............................................................................ 266
190
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117. Das lucernas e de outro bicho estranho ....................... 2S7
191
379
118. Das aranhas e lacrau ............................................................. 268
192
379
TÍTULO 14 — De vários himenópteros, etc
119. Das formigas que mais dano fazem ...................................... 269
193
379
120. Das formigas-de-passagem ...................................................... 270
194
379
121. De certas formigas grandes ................................................... 271
195
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PÁG.
COM.
PÁG.
DO COM.
122. Diversas castas de formigas ............................................................... 272
196
S79
123. Do cupim e dos carrapatos................................................................... 272
197
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124. De vários insetos sevandijas ......................................................... 274
198
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TÍTULO 15 — Dos mamíferos marinhos e dos peixes do mar,
camarões, etc.
125. Das baleias ........................................................................................... 275
199
379
126.Do espadarte e de outro peixe não conhecido que deu
à costa ................................................................................................... 276
200
379
127. Do que o autor julgava homens marinhos ....................................... 277
201
379
128. Do peixe-serra, tubarões, toninhas e lixas .................................... 278
202
380
129. Do peixe-boi ...................................................................................... 279
203
380
130. Dos peixes prezados e grandes ........................................................... 280
204
380
131. Dos meros, cavalas, pescadas e xaréus ..................................... 281
205
380
132. Dos peixes de couro .............................................................................. 282
206
380
133. Das albacoras, bonitos, dourados, corvinas, etc ......................... 283
207
380
134. Feixes que se tomam em redes ............................................................ 284
208
380
135. Algumas castas de peixe medicinal ................................................... 285
209
381
136.De alguns peixes que se criam na lama e andam sempre
no fundo................................................................................................ 286
210
381
137. Da qualidade de alguns peixinhos e dos camarões ....
288
211
381
TÍTULO 16 — Dos crustáceos, moluscos, zoófitos, equinoodermos, etc, e dos
peixes de água doce
138. Dos lagostins e uçás .......................................................................... 289
212
381
139. Diversas castas de caranguejos ......................................................... 290
213
381
140. Das ostras ............................................................................................ 291
214
381
141. De outros mariscos ......................................................................... 292
215
382
142. Da diversidade de búzios .................................................................... 293
216
382
143. Estranhezas que o mar cria na Bahia ............................................... 294
217
382
144. Dos peixes de água doce ..................................................................... 295
218
382
145. Do marisco que se cria na água doce ............................................... 297
219
382
146. Dos caranguejos-do-mato .................................................................. 298
220
382
TÍTULO 17 — Noticia etnográfica do gentio tupinambá que
povoava a Bahia
147. Que trata de quais foram os primeiros povoadores da
Bahia...................................................................................................... 299
221
382
148. Proporção e feição dos tupinambás e como se dividiram
logo .................................................................................................... 300
222
382
149. Como se dividiram os tupinambás ................................................... 301
223
383
150. Linguagem dos tupinambás .......................................................... 302
224
383
151. Das aldeias e seus principais ......................................................... 303
225
383
152. Maneiras dos casamentos dos tupinambás e seus amores
304
226
383
153. Dos enfeites deste gentio ..................................................................... 305
227
383
34
Tratado descritivo do Brasil em 1587
pág.
COM.
PÁG.
DO COM.
154. Da criação que os tupinambás dão aos filhos e o que
fazem quando lhes nascem ,............................................................
306 228
383
155.O com que os tupinambás se fazem bizarros ............................... 307 229
383
156.Da luxúria destes bárbaros ............................................................ 308 230
383
157.Das cerimônias que usam os tupinambás nos seus parentescos ....... 309 231
384
158.Do modo de comer e beber dos tupinambás ................................. 310 232
384
159.Modo da granjearia dos tupinambás e de suas habilidades
311
233
384
160.De algumas habilidades ,e costumes dos tupinambás _____________ 313 234
384
161.Dos feiticeiros e dos que comem terra para se matarem
314 235
384
162.Das saudades dos tupinambás e como choram e cantam
315 236
385
163.Como os tupinambás agasalham os hóspedes ............................ 316 237
385
164.Do uso que os tupinambás têm em seus conselhos e das
cerimônias que neles usam ...........................................................
317 238
385
165.De como este gentio se cura em suas enfermidades ....
318 239
385
166.Do grande conhecimento que os tupinambás têm da terra
319 240
385
167.Como os tupinambás se apercebem para irem à guerra
320 241
385
168.Como os tupinambás dão em seus contrários .................................. 321 242
385
169.Como os contrários dos tupinambás dão sôbre eles, quando
se recolhem .........................................................................................
322 243
385
170. Como o tupinambá que matou o contrário toma logo
nome e as cerimónias que nisso fazem ............................................
323 244
385
171. Do tratamento que os tupinambás fazem aos que cativam
e a mulher que lhes dão ........................................................................
324 245
385
172.Da festa e aparato que os tupinambás fazem para matarem em terreiro a seus contrários
326.................................................................................................246385
173.De como se enfeita e aparata o matador ............................................. 327 247
386
174.O que os tupinambás fazem do contrário que mataram
328 248
386
175.Das cerimônias que os tupinambás fazem quando morre
algum e como o enterram ....................................................................
329 249
386
176. Sucessor ao principal que morreu e das cerimónias que
faz sua mulher e as que se fazem por morte dela também
330 250
386
177. De como entre os tupinambás há muitos mamelucos que
descendem dos franceses e de um índio que se achou,
muito alvo ..........................................................................................
331 251
386
TÍTULO 18 — Informações etnográficas acerca de outras nações
vizinhas da Bahia, como tupinaés, aimorés,
amoipiras, ubirajaras, etc.
178.Dos tupinaés ..................................................................................... 332
252
386
179.Costumes e trajes dos tupinaés ......................................................... 333
253
387
180.Quem são os amoipiras e onde vivem ................................................. 334
254
387
181.Vida e costumes dos amoipiras ........................................................... 335
255
387
182.Da vivenda dos ubirajaras e seus costumes .................................. 336
256
387
183.Da terra que os tapuias possuíram..................................................... 337
257
387
184.De quem são os maracás ................................................................... 338
258
387
185.Sitio em que vivem outros tapuias e parte de seus costumes
340
259
387
186.Alguns outros costumes ...................................................................... 341
260
387
187 188 189 190 191 192
TÍTULO 19 — Recursos da Bahia para defender-se
pág.
COM.
PÁG .
DO COM.
Pedra para fortificações .................................................................. 342 261
387
Cômodo para se poder fazer cal, e como se faz ................................ 343
262
387
Dos aparelhos para se fazerem grandes armadas .............................. 344 263
388
Mais aparelhos para se fazerem armadas ................................... 345 264
388
Aparelhos que faltam para as embarcações ................................ 346 265
388
Dito para se fazer pólvora, picaria e armas ......................................... 347 266
388
TÍTULO 20 — Metais e pedras preciosas
193.Do ferro, aço e cobre ............................................................................ 348 267
388
194.Das pedras verdes e azuis do sertão ........................................... 349 268
388
195.Das esmeraldas e outras pedras ..................................................... 350 269
388
196.Da quantidade de ouro e prata ........................................................... 351
270
388
P R I M E I R A PARTE
ROTEIRO GERAL DA COSTA
BRASÍLICA
Roteiro geral, com largas informações de toda
a costa do Brasil
P r o ê m i o
Como todas as coisas têm fim, convém que tenham princípio, e
como o de minha pretensão é manifestar a grandeza, fertilidade e outras
grandes partes que tem a Bahia de Todos os Santos e demais Estados do
Brasil, do que os reis passados tanto se descuidaram, a el-rei nosso
senhor convém, e ao bem do seu serviço, que lhe mostre, por estas
lembranças, os grandes merecimentos deste seu Estado, as qualidades e
estranhezas dele, etc, para que lhe ponha os olhos e bafeje com seu
poder, o qual se engrandeça e estenda a felicidade, com que se
engrandeceram todos os Estados que reinam debaixo de sua proteção,
porque está muito desamparado depois que el-rei D. João III passou
desta vida para a eterna, o qual principiou com tanto zelo, que para o
engrandecer meteu nisso tanto cabedal, como é notório, o qual se vivera
mais dez anos deixara nele edificadas muitas cidades, vilas e fortalezas
mui populosas, o que se não efetuou depois do seu falecimento, antes se
arruinaram algumas povoações que em seu tempo se fizeram. Em reparo
e acrescentamento estará bem empregado todo o cuidado que Sua
Majestade mandar ter deste novo reino, pois está capaz para se edificar
nele um grande império, o qual com pouca despesa destes reinos se fará
tão soberano que seja um dos Estados do mundo porque terá de costa
mais de mil léguas, como se verá por este Tratado no tocante à
cosmografia dele, cuja terra é quase toda muito fértil, mui sadia, fresca e
lavada de bons ares e regada de frescas e frias águas. Pela qual costa tem
muitos, mui seguros e grandes portos, para nele entrarem grandes
armadas, com muita facilidade, para as quais tem
mais quantidade de madeira que nenhuma parte do mundo, e outros
muitos aparelhos para se poderem fazer.
É esta província mui abastada de mantimentos de muita substância
e menos trabalhosos que os de Espanha. Dão-se nela muitas carnes,
assim naturais dela, como das de Portugal, e maravilhosos pescados;
onde se dão melhores algodões que em outra parte sabida, e muitos
açúcares tão bons como na ilha da Madeira. Tem muito pau de que se
fazem as tintas. Em algumas partes dela se dá trigo, cevada e vinho
muito bom, e em todas todos os frutos e sementes de Espanha, do que
haverá muita qualidade, se Sua Majestade mandar prover nisso com
muita instância e no descobrimento dos metais que nesta terra há, porque
lhe não falta ferro, aço, cobre, ouro, esmeralda, cristal e muito salitre; e
em cuja costa sai do mar todos os anos muito bom âmbar; e de todas
estas e outras podiam vir todos os anos a estes reinos em tanta abastança,
que se escusem os que vêm a eles dos estrangeiros, o que se pode
facilitar sem Sua Majestade meter mais cabedal neste Estado que o
rendimento dele nos primeiros anos; com o que pode mandar fortificar e
prover do necessário à sua defesa, o qual está hoje em tamanho perigo,
que se nisso caírem os corsários, com mui pequena armada se
senhorearão desta província, por razão de não estarem as povoações dela
fortificadas, nem terem ordem com que possam resistir a qualquer
afronta que se oferecer, do que vivem os moradores dela tão
atemorizados que estão sempre com o fato entrouxado para se
recolherem para o mato, como fazem com a vista de qualquer nau
grande, temendo-se serem corsários, a cuja afronta Sua Majestade deve
mandar acudir com muita brevidade, pois há perigo na tardança, o que
não convém que haja, porque se os estrangeiros se apoderarem desta
terra custará muito lançá-los fora dela pelo grande aparelho que têm para
nela se fortificarem, com o que se inquietará toda Espanha e custará a
vida de muitos capitães e soldados, e muitos milhões de ouro em arma-
das e no aparelho delas, ao que agora se pode atalhar acudindo-lhe com a
presteza devida. Não se crê que Sua Majestade não tenha a isto por falta
de providência, pois lhe sobeja para as maiores empresas do mundo, mas
de informação do sobredito, que lhe não tem dado quem disso tem
obrigação. E como a eu também tenho de seu leal vassalo, satisfaço da
minha parte com o que se contém neste Memorial, que ordenei pela
maneira seguinte.
C A P I T U L O I
Em que se declara quem foram os primeiros
descobridores da província do Brasil, e como está
arrumada.
A província do Brasil está situada além da linha equinocial da parte
do sul, debaixo da qual começa ela a correr junto do rio que se diz das
Amazonas, onde se principia o norte da linha de demarcação e
repartição; e vai correndo esta linha pelo sertão desta província até 45
graus, pouco mais ou menos.
Esta terra se descobriu aos 25 dias do mês de abril de 1500 anos por
Pedro Álvares Cabral, que neste tempo ia por capitão-mor para a Índia
por mandado de el-rei D. Manuel, em cujo nome tomou posse desta
província, onde agora é a capitania de Porto Seguro, no lugar onde já
esteve a vila de Santa Cruz, que assim se chamou por se aqui arvorar
uma muito grande, por mando de Pedro Álvares Cabral, ao pé da qual
mandou dizer, em seu dia, a 3 de maio, uma solene missa, com muita
festa, pelo qual respeito se chama a vila do mesmo nome, e a província
muitos anos foi nomeada por de Santa Cruz e de muitos Nova Lusitânia;
e para solenidade desta posse plantou este capitão no mesmo lugar um
padrão com as armas de Portugal, dos que trazia para o descobrimento
da Índia para onde levava sua derrota.
A estas partes foi depois mandado por Sua Alteza Gonçalo Coelho
com três caravelas de armada, para que descobrisse esta costa, com as
quais andou por elas muitos meses buscando-lhe os portos e rios, em
muitos dos quais entrou e assentou marcos dos que para este
descobrimento levava, no que passou grandes trabalhos pela pouca
experiência e informação que se até então tinha de como a costa corria, e
do curso dos ventos com que se navegava. E recolhendo-se Gonçalo
Coelho com perda de dois navios, com as informações que pôde
alcançar, as veio dar a el-rei D. João, o III, que já neste tempo reinava, o
qual logo ordenou
outra armada de caravelas que mandou a estas conquistas, a qual
entregou a Cristóvão Jacques, fidalgo da sua casa que nela foi por
capitão-mor, o qual foi continuando no descobrimento desta costa e
trabalhou um bom pedaço sobre aclarar a navegação dela, e plantou em
muitas partes padrões que para isso levava.
Contestando com a obrigação do seu regimento, e andando
correndo a costa, foi dar com a boca da Bahia, a que pôs o nome de
Todos os Santos, pela qual entrou dentro, e andou especulando por ela
todos os seus recôncavos, em um dos quais — a que chamam o rio do
Paraguaçu — achou duas naus francesas que estavam ancoradas
resgatando com o gentio, com as quais se pôs às bombardas, e as meteu
no fundo, com o que se satisfez e se recolheu para o Reino, onde deu
suas informações a Sua Alteza, que, com elas, e com as primeiras e
outras que lhe tinha dado Pedro Lopes de Sousa, que por esta costa
também tinha andado com outra armada, ordenou de fazer povoar essa
província, e repartir a terra dela por capitães e pessoas que se ofereceram
a meter nisso todo o cabedal de suas fazendas, do que faremos particular
menção em seu lugar.
C A P Í T U L O II
Em que se declara a repartição que fizeram os reis
católicos de Castela com el-rei D. João III de
Portugal.
Para se ficar bem entendendo aonde demora e se estende o Estado
do Brasil, convém que em suma declaremos como se avie-ram os reis na
repartição de suas conquistas, o que se fez por esta maneira. Os reis
católicos de Castela, D. Fernando e D. Isabel, sua mulher, tinham
começado de entender no descobrimento das Índias Ocidentais e
algumas ilhas, e porque esperavam de ir este descobrimento em tanto
crescimento como foi, por atalharem as diferenças que sobre isso se
podiam oferecer, concertaram-se com el-rei D. João o III de Portugal, se
fizesse uma repartição líquida, para cada um mandar conquistar para sua
parte livremente, sem escrúpulo de se prejudicarem. E acordados os reis
desta maneira, deram conta deste concerto ao Papa, que além de aprovar,
o louvou muito. E como tiveram o consentimento de Sua Santidade,
ordenaram a repartição desta concordância, fazendo baliza na ilha das do
Cabo Verde, de barlavento mais ocidental, que se
entende a de Santo Antão, e contando dela 21 graus e meio equinociais
de dezessete léguas e meia de cada grau, e lançada daqui uma linha
meridiana de norte sul, que ficassem as terras e ilhas que estavam por
descobrir para a parte do oriente, da coroa de Portugal; e lançada essa
linha mental como está declarado, fica o Estado do Brasil da dita coroa,
qual se começa além da ponta do rio das Amazonas da banda de oeste,
pela terra dos caraíbas, donde se principia o norte desta província, e indo
correndo esta linha pelo sertão dela ao sul parte o Brasil e conquistas
dele além da baía de São Matias, por 45 graus pouco mais ou menos,
distantes da linha equinocial, e altura do pólo antárctico, e por esta conta
tem de costa mil e cinquenta léguas, como pelas cartas se pode ver
segundo a opinião de Pedro Nunes, que nesta arte atinou melhor que
todos os do seu tempo.
C A P Í T U L O III
Em que se declara o princípio de onde começa
a correr a costa do Estado do Brasil.
Mostra-se claramente, segundo o que se contém neste capítulo
atrás, que se começa a costa do Brasil além do rio das Amazonas da
banda de oeste pela terra que se diz dos caraíbas do rio de Vicente
Pinzon. Desse rio de Vicente Pinzon à ponta do rio das Amazonas, a que
chamam o cabo Corso, são quinze léguas, a qual ponta está debaixo da
linha equinocial; dessa ponta do rio à outra ponta da banda de leste são
trinta e seis léguas. E ao mar doze léguas da boca desse rio estão ilhas,
as quais demoram em altura de um terço de grau da banda do sul. Essas
ilhas se mostram na carta mais chegadas à terra, o que é erro manifesto.
Nessas ilhas há bons portos para surgirem navios, mas para bem hão se
de buscar de baixa-mar, nordeste-sudoeste, porque nesta conjunção se
descobre melhor o canal. A este rio chama o gentio de Mar Doce, por ser
um dos maiores do mundo, o qual é muito povoado de gentio doméstico
e bem acondicionado, e segundo a informação que se deste rio tem, vem
do sertão mais de mil léguas até o mar; pelo qual há muitas ilhas grandes
e pequenas quase todas povoadas de gentio de diferentes nações e
costumes, e muito dele costuma pelejar com setas ervadas. Mas toda a
gente que por estas ilhas vive, anda despida ao modo do mais gentio do
Brasil e usam dos mesmos mantimentos e muita parte dos seus
costumes; e na boca deste rio, e por ele acima algumas léguas, com
parte da costa da banda de leste, é povoado de tapuias, gente branda e
mais tratável e doméstica que o mais gentio que há na costa do Brasil,
de cujos costumes diremos adiante em seu lugar.
C A P Í T U L O IV
Em que se dão em suma algumas informa-ções que
se têm deste rio das Amazonas.
Como não há coisa que se encubra aos homens que querem cometer
grandes empresas, não pôde estar encoberto este rio do mar Doce ou das
Amazonas ao capitão Francisco de Orellana que, andando na conquista
do Peru em companhia do governador Francisco Pizarro, e indo por seu
mandado com certa gente de cavalo descobrindo a terra, entrou por ela
adentro tanto espaço que se achou perto do nascimento deste rio. E
vendo-o caudaloso, fez junto dele embarcações, segundo o costume
daquelas partes, em as quais se embarcou com a gente que trazia e se
veio por esse rio abaixo, em o qual se houveram de perder por levar
grande fúria a correnteza, e com muito trabalho tornou a tomar porto em
povoado, na qual jornada teve muitos encontros de guerra com o gentio
e com um grande exército de mulheres que com ele pelejaram com arcos
e flexas, de onde o rio tomou o nome das Amazonas. Livrando-se este
capitão deste perigo e dos mais por onde passou, veio tanto por este rio
abaixo até que chegou ao mar; e dele foi ter a uma ilha que se chama a
Margarita, donde se passou à Espanha. Dando suas informações ao
imperador Carlos V, que está em glória, lhe ordenou uma armada de
quatro naus para cometer esta empresa, em a qual partiu do porto de S.
Lucar com sua mulher para ir povoar a boca deste rio, e o ir conquis-
tando por ele acima, o que não houve efeito por na mesma boca deste rio
falecer este capitão de sua doença, de onde sua mulher se tornou com a
mesma armada para a Espanha.
Neste tempo — pouco mais ou menos — andava correndo a costa
do Brasil em uma caravela, como aventureiro, Luís de Melo, filho do
alcaide-mor de Elvas, o qual, querendo passar a Pernambuco, desgarrou
com o tempo e as águas por esta costa abaixo, e vindo correndo a
ribeira, entrou no rio do Maranhão, e neste das Amazonas, de cuja
grandeza se contentou muito; e tomou língua do gentio de cuja
fertilidade ficou satisfeito e muito mais
das grandes informações que na ilha da Margarita lhe deram alguns
soldados, que ali achou, que ficaram da companhia do capitão Francisco
de Orellana, os quais facilitaram a Luís de Melo e navegação deste rio, e
que com pouco cabedal e trabalho adquirisse por ele acima muito ouro e
prata. Do que movido Luís de Melo, se veio à Espanha, e alcançou
licença de el-rei D. João III de Portugal para armar à sua custa e
cometer esta empresa, para o que se fez prestes na cidade de Lisboa; e
partiu do porto dela com três naus e duas caravelas com as quais se
perdeu nos baixos do Maranhão, com a maior parte da gente que levava;
e ele com algumas pessoas escaparam nos batéis e uma caravela em que
foi ter às Antilhas. E depois deste fidalgo ser em Portugal, se passou à
Índia, onde acabou valorosos feitos; e vin-do-se para o Reino muito rico
e com tenção de tornar a cometer esta jornada, acabou no caminho em a
nau São Francisco, que desapareceu sem até hoje se saber novas dele.
C A P Í T U L O V
Que declara a costa da ponta do rio das Amazonas
até o do Maranhão.
A ponta do leste do rio das Amazonas está em um grau da banda do
sul; dessa ponta ao rio da Lama há 35 léguas, a qual está em altura de
um grau e três quartos; e ainda que este rio se chame da Lama, podem
entrar por ele adentro e estarem muito seguras de todo o tempo, naus de
200 tonéis, o qual rio entra pela terra adentro muitas léguas.
Deste rio à ponta dos baixos são nove léguas, a qual está na mesma
altura de um grau e . Nessa ponta há abrigada para os barcos da costa
poderem ancorar.
Da ponta dos baixos à ponta do rio Maranhão são dez léguas, onde
chega a serra Escalvada, e entre ponta e ponta tem a costa algumas
abrigadas, onde podem ancorar navios da costa, a qual ponta está em
dois graus da banda do sul.
Até aqui se corre a costa noroeste-sueste e toma da quarta de leste-
oeste; e dessa ponta do rio a outra ponta são 17 léguas, a qual está em
altura de dois graus e três quartos. Tem este rio do Maranhão na boca —
entre ponta e ponta delas para dentro — uma ilha que se chama das
Vacas, que será de três léguas, onde
esteve Aires da Cunha quando se perdeu com sua armada nestes baixos;
e aqui nessa ilha estiveram também os filhos de João de Barros e aí
tiveram povoado, quando também se perderam nos baixos deste rio,
onde fizeram pazes com o gentio tapuia, que tem povoado parte desta
costa, e por este rio acima, onde mandavam resgatar mantimentos e
outras coisas para remédio de sua mantença.
Por este rio entrou um Bastião Marinho, piloto da costa, com um
caravelão, e foi por ele acima algumas vinte léguas, onde achou muitas
ilhas cheias de arvoredo e a terra delas alcantilada com sofrível fundo; e
muitos braços em que entram muitos rios que se metem neste, o qual
afirmou ser toda a terra fresca, cheia de arvoredo e povoada de gentio, e
as ilhas também. Neste rio entra o de Pindaré, que vem de muito longe.
Para se entrar neste rio do Maranhão, vindo do mar em fora, há de
se chegar bem à terra da banda de leste por fugir dos baixios e do
aparcelado, e quem entrar por entre ela e a ilha entra seguro.
Quem houver de ir deste rio do Maranhão para o da Lama ou para o
das Amazonas, há de se lançar por fora dos baixios com a sonda na mão,
e não vá por menos de doze braças, porque esta costa até aqui dez léguas
ao mar, vaza e enche nela a maré muito depressa, e em conjunção de
Lua tem grandes macaréus; mas para bem não se há de cometer o canal
de nenhum destes rios senão de baixa-mar na costa, o que se pode saber
pela Lua, o que convém que seja, pelos grandes perigos que nesta
entrada se oferecem, assim de macaréus, como por espraiar e esparcelar
o mar oito e dez léguas da terra, pelo que é forçado a chegar-se à terra de
baixa-mar, pois então se descobre o canal mui bem; e neste rio do
Maranhão não podem entrar, por este respeito, navios grandes.
C A P Í T U L O VI
Em que se declara a costa do rio do Mara-nhão
até o rio Grande.
Atrás fica dito como a ponta de sueste do rio do Maranhão, que se
chama esparcelada, está em dois graus e . Desta ponta à baía dos
Santos são treze léguas, a qual está na mesma altura, e esta baía é muito
suja e tem alguns ilhéus; mas também entram
Roteiro geral da costa brasílica
nela muitos navios da costa, onde têm surgidouro e boa abrigada e
maneira para se fazer aguada nela. Desta baía dos Santos ao rio de João
de Lisboa são quatro léguas, o qual está na mesma altura, onde também
entram caravelões, por terem nele grande abrigada. Do rio de João de
Lisboa à baía dos Reis são nove léguas, a qual está em dois graus. Nesta
baía estão algumas ilhas alagadas da maré de águas vivas por entre as
quais entram caravelões e surgem à vontade. Desta baía ao rio do Meio
são 17 léguas, o qual está na mesma altura de dois graus, onde também
entram caravelões. Entre este e a baía dos Reis entra outro rio que se
chama do Parcel, onde também os navios da costa têm boa colheita.
Deste rio do Meio à baía do Ano Bom são 11 léguas, a qual costa está na
mesma altura de dois graus, aonde entram navios da costa e têm muito
boa colheita, a qual baía tem um grande baixo. No meio e dentro dela se
vêm meter no mar o rio Grande dos tapuias, e se navega um grande
espaço pela terra adentro e vem de muito longe; o qual se chama dos
tapuias por eles virem por ele abaixo em canoas a mariscar ao mar desta
baía, da qual à baía da Coroa são 10 léguas; e está na mesma altura onde
entram e surgem caravelões da costa. Da baía da Coroa até o rio Grande
são três léguas, onde começaremos o capítulo que segue. E corre-se a
costa até aqui leste-oeste.
C A P Í T U L O VII
Em que se declara a costa do rio Grande até a do
Jagoarive.
Como fica dito, o rio Grande está em dois graus da parte do sul, o
qual vem de muito longe e traz muita água, por se meterem nele muitos
rios; e, segundo a informação do gentio, nasce de uma lagoa em que se
afirma acharem-se muitas pérolas. Per-dendo-se, haverá dezesseis anos,
um navio nos baixos do Mara-nhão, da gente que escapou dele que veio
por terra, afirmou um Nicolau de Rezende, desta companhia, que a terra
toda ao longo do mar até este rio Grande era escalvada a maior parte
dela, e outra cheia de palmares bravos, e que achara uma lagoa muito
grande, que seria de 20 léguas pouco mais ou menos; e que ao longo
dela era a terra fresca e coberta de arvoredo; e que mais adiante achara
outra muito maior a que não vira o fim, mas que a terra que vizinhava
com ela era fresca e escalvada, e que em
uma e em outra havia grandes pescarias, de que se aproveitavam os
tapuias que viviam por esta costa até este rio Grande, dos quais disse que
recebera com os mais companheiros bom tratamento. Por este rio Grande
entram navios da costa e têm nele boa colheita, o qual se navega com
barcos algumas léguas. Deste rio Grande ao dos Negros são sete léguas,
o qual está em altura de dois graus e um quarto; e do rio dos Negros às
Barreiras Vermelhas são seis léguas, que estão na mesma altura; e numa
parte e noutra têm os navios da costa surgidouro e abrigada. Das
Barreiras Vermelhas à ponta dos Fumos são quatro léguas, a qual está
em dois graus e 1/3. Desta ponta do rio da Cruz são sete léguas e está em
dois graus e meio em que também têm colheita os navios da costa.
Afirma o gentio que nasce este rio de uma lagoa, ou junto dela, onde
também se criam pérolas, e chama-se este rio da Cruz, porque se metem
nele perto do mar dois riachos, em direito um do outro, com que fica a
água em cruz. Deste rio ao do Parcel são oito léguas, o qual está em dois
graus e meio; e faz-se na boca deste rio uma baía toda esparcelada. Do
rio do Parcel à enseada do Macorive são onze léguas, e está na mesma
altura, a qual enseada é muito grande e ao longo dela navegam navios da
costa; mas dentro, em toda, têm bom surgidouro e abrigo; e no rio das
Ostras, que fica entre esta enseada e a do Parcel o têm também. Da
enseada do Macorive ao monte de Li são quinze léguas e está em altura
de dois graus e dois terços, onde há porto e abrigada para os navios da
costa; e entre este porto e a enseada de Macorive têm os mesmos navios
surgidouro e abrigada no porto que se diz dos parcéis. Do monte de Li ao
rio Jagoarive são dez léguas, o qual está em dois graus e 3/4, e junto da
barra deste rio se mete outro nele, que se chama o rio Grande, que é
extremo entre os tapuias e os potiguares. Neste rio entram navios de
honesto porte até onde se corre a costa leste-oeste; a terra daqui até o
Maranhão é quase toda escalvada; e quem quiser navegar por ela e entrar
em qualquer porto dos nomeados há de entrar neste rio de Jagoarive por
entre os baixos e a terra porque tudo até o Maranhão defronte da costa
são baixos, e pode navegar sempre por entre eles e a terra, por fundo de
três braças e duas e meia, achando tudo limpo, e quanto se chegar mais à
terra se achará mais fundo. Nesta boca do Jagoarive está uma enseada
onde navios de todo o porte podem ancorar e estar seguros.
C A P Í T U L O VIII
Em que se declara a costa do rio de Jagoa-rive até
o cabo de São Roque.
Do rio Jagoarive de que se trata acima até a baía dos Arrecifes são
oito léguas, a qual demora em altura de três graus. Nesta baía se
descobrem de baixa-mar muitas fontes de água doce muito boa, onde
bebem os peixes-bois, de que aí há muitos, que se matam arpoando-os
assim o gentio potiguar, que aqui vinha, como os caravelões da costa,
que por aqui passam desgarrados, onde acham bom surgidouro e
abrigada.
Desta baía ao rio S. Miguel são sete léguas, a qual está em altura de
três graus e 2/3, em a qual os navios da costa surgem por acharem nela
boa abrigada. Desta baía ao rio Grande são quatro léguas o qual está em
altura de quatro graus. Este rio tem duas pontas saídas para o mar, e
entre uma e outra há uma ilhota, que lhe faz duas barras, pelas quais
entram navios da costa. Defronte deste rio se começam os baixos de São
Roque, e deste rio Grande até ao cabo de São Roque são dez léguas, o
qual está em altura de quatro graus e um seismo; entre este cabo e a
ponta do rio Grande se faz de uma ponta a outra uma grande baía, cuja
terra é boa e cheia de mato, em cuja ribeira ao longo do mar se acha
muito sal feito. Defronte desta baía estão os baixos de S. Roque, os quais
arrebentam em três ordens, e entra-se nesta baía por cinco canais que
vêm ter ao canal que está entre um arrecife e outro, pelos quais se acha
fundo de duas, três, quatro e cinco braças, por onde entram os navios da
costa à vontade.
C A P Í T U L O IX
Em que se declara a costa do cabo de São Roque
até o porto dos Búzios.
Do cabo de São Roque até a ponta de Goaripari são seis léguas, a
qual está em quatro graus e 1/4, onde a costa é limpa e a terra escalvada,
de pouco arvoredo e sem gentio. De Goaripari
à enseada da Itapitanga são sete léguas, a qual está em quatro graus e
1/4; da ponta desta enseada à ponta de Goaripari são tudo arrecifes, e
entre eles e a terra entram naus francesas e surgem nesta enseada à
vontade, sobre a qual está um grande médão de areia; a terra por aqui ao
longo do mar está despovoada do gentio por ser estéril e fraca. Da
Itapitanga ao rio Pequeno, a que os índios chamam Baquipe, são oito
léguas, a qual está entre cinco graus e um seismo. Neste rio entram
chalupas fran-cesas a resgatar com o gentio e carregar do pau de tinta, as
quais são das naus que se recollhem na enseada de Itapitanga.
Andando os filhos de João de Barros correndo esta costa, depois
que se perderam, lhes mataram neste lugar os potiguares, com favor dos
franceses, induzido,, deles muitos homens. Deste rio Pequeno ao outro
rio Grande são três léguas, o qual está em altura de cinco graus e 1/4;
nesse rio Grande podem entrar muitos navios de todo o porte, porque
tem a barra funda de dezoito até seis braças, entra-se nele como pelo
arrecife de Pernambuco, por ser da mesma feição. Tem este rio um
baixo à entrada da banda do norte, onde corre água muito à vazante, e
tem dentro algumas ilhas de mangues, pelo qual vão barcos por ele
acima quinze ou vinte léguas e vem de muito longe. Esta terra do rio
Grande é muito sofrível para esse rio haver de se povoar, em o qual se
metem muitas ribeiras em que se podem fazer engenhos de açúcar pelo
sertão. Neste rio há muito pau de tinta, onde os franceses o vão carregar
muitas vezes.
Do rio Grande ao porto dos Búzios são dez léguas, e está em altura
de cinco graus e 2/3; entre este porto e o rio estão uns lençóis de areia
como os de Itapuã, junto da baía de Todos os Santos. Neste rio Grande
achou Diogo Pais de Pernambuco, língua do gentio, um castelhano entre
os potiguares, com os beiços furados como eles, entre os quais andava
havia muito tempo, o qual se embarcou em uma nau para a França
porque servia de língua dos franceses entre os gentios nos seus resgates.
Neste porto dos Búzios entram caravelões da costa num riacho que neste
lugar se vem meter no mar.
C A P Í T U L O X
Em que se declara a terra e costa do porto dos
Búzios até a baía da Traição, e como João de
Barros mandou povoar a sua capitania.
Do porto dos Búzios a Itacoatigara são nove léguas, e este rio se
chama deste nome por estar em uma ponta dele uma pedra de feição de
pipa como ilha, a que o gentio por este respeito pôs este nome, que quer
dizer "ponta da pipa". Mas o próprio nome do rio é Garatuí, o qual está
em altura de seis graus. Entre esta ponta e porto dos Búzios está a
enseada de Tabatinga, onde também há surgidouro e abrigada para
navios em que detrás da ponta costumavam ancorar naus francesas e
fazer sua carga de pau de tinta. De Itacoatigara ao rio de Goaramataí são
duas léguas, o qual está em seis graus esforçados; de Goaramataí ao rio
de Caramative são duas léguas, o qual está em seis graus e 1/4, e entre
um e outro rio está a enseada Aratipicaba, onde dos arrecifes para dentro
entram naus francesas e fazem sua carga.
Deste porto para baixo, pouco mais ou menos, se estende a
capitania de João de Barros, feitor que foi da casa da Índia, a quem el-rei
D. João III de Portugal fez merce de cinquenta léguas de costa partindo
com a capitania de Pero Lopes de Sousa, de Itamaracá. Desejoso João de
Barros de se aproveitar desta mercê, fêz à sua custa uma armada de
navios em que embarcou muitos moradores com todo o necessário para
se poder povoar esta sua capitania e em a qual mandou dois filhos seus
que partiram com ela, e prosseguindo logo sua viagem em busca da
costa do Brasil foram tomar terra junto do rio do Maranhão, em cujos
baixos se perderam. Deste naufrágio escapou muita gente, com a qual os
filhos de João de Barros se recolheram em uma ilha que está na boca
deste rio do Maranhão, aonde passaram muitos trabalhos, por se não
poderem comunicar desta ilha com os moradores da capitania de
Pernambuco, e das demais capitanias, os quais depois de gastarem
alguns anos, despovoaram e se vieram para este Reino. Nesta armada, e
em outros navios que João de Barros depois mandou por sua conta em
socorro de seus filhos, gastou muita soma de mil cruzados, sem desta
despesa lhe resultar nenhum proveito, como fica dito atrás. Também lhe
mataram os potiguaras muita gente onde se chama o rio Pequeno.
C A P Í T U L O XI
Em que se declara a costada baía da Traição até
Paraíba.
Do rio de Camaratibe até a baía da Traição são duas léguas, a qual
está em seis graus e 1/3, onde ancoram naus francesas e entram dos
arrecifes para dentro. Chama-se esta baía pelo gentio potiguar
Acajutibiró, e os portugueses, da Traição, por com ela matarem uns
poucos de castelhanos e portugueses que nesta costa se perderam. Nesta
baía fazem cada ano os franceses muito pau de tinta e carregam dele
muitas naus. Desta baía da Traição ao rio Maguape são três léguas, o
qual está em seis graus e meio. Do rio de Maguape ao da Paraíba são
cinco léguas, o qual está em seis graus e três quartos; a este rio chamam
— na carta de marear — de São Domingos, onde entram naus de 200
tonéis, e no rio de Maguape entram caravelas da costa; mas o rio de São
Domingos se navega muito pela terra adentro, de onde ele vem de bem
longe. Tem este rio um ilhéu da boca para dentro que lhe faz duas
barras, e pela que está da banda do norte entram caravelões que
navegam por entre a terra e os arrecifes até Ita-maracá, e pela outra barra
entram as naus grandes; e porque entravam cada ano neste rio naus
francesas a carregar o pau de tinta com que abatia o que ia para o Reino
das mais capitanias por conta dos portugueses e porque o gentio potiguar
andava mui levantado contra os moradores da capitania de Ita-maracá e
Pernambuco, com o favor dos franceses, com os quais fizeram nessas
capitanias grandes danos, queimando engenhos e outras muitas fazendas,
em que mataram muitos homens brancos e escravos; assentou Sua
Majestade de o mandar povoar e fortificar para o que mandou a isso
Frutuoso Barbosa com muitos moradores, o que se começou a fazer com
mui grande alvoroço dos moradores destas duas capitanias. Foi Deus
servido que lhe sucedesse mal com lhe matarem os potiguares (em cuja
companhia andavam muitos franceses), trinta e seis homens e alguns
escravos numa cilada, com o qual sucesso se descontentaram muito os
moradores de Pernambuco; e se desavieram com Frutuoso Barbosa, de
feição que se tornaram para suas casas, e eie ficou impossibilitado para
poder pôr em efeito o que lhe era encomendado, o que se depois efetuou
com o favor e ajuda que para isso deu Diogo Flores de Valdez, general
da armada que foi ao estreito de Magalhães.
C A P Í T U L O XII
Em que se trata de como se tornou a cometer a
povoação do rio da Paraíba.
Na baía de Todos os Santos soube o general Diogo Flores, vindo aí
do estreito de Magalhães, com seis naus que lhe ficaram da armada que
levou, como os moradores de Pernambuco e Ita-maracá pediam muito
afincadamente ao governador Manuel Teles Barreto, que era então do
Estado do Brasil, que os fosse socorrer contra o gentio potiguar que os ia
destruindo, com o favor e ajuda dos franceses, os quais tinham neste rio
da Paraíba quatro navios para carregar de pau de tinta; e, posto este
negócio em conselho, se assentou que o governador, naquela conjunção,
não era bem que saísse da Bahia, pois não havia mais de seis meses que
era a ela chegado, onde tinha por prover em grandes negócios
convenientes ao serviço de Deus e de el-rei e do bem comum, mas que,
pois naquele porto estava o general Diogo Flores, com aquela armada, e
Diogo Vaz da Veiga com duas naus portuguesas da armada em que do
Reino fora o governador, das quais vinha por capitão para o Reino, que
um capitão e outro fossem fazer este socorro, indo por cabeça principal
o capitão Diogo Flores de Baldez, o qual chegou a Pernambuco com a
armada toda junta, com que veio o ouvidor geral Martim Leitão e o
provedor-mor Martim Carvalho para, em Pernambuco, a favorecerem
com gente e mantimentos, como o fizeram, a qual gente foi por terra e o
general por mar com esta armada, com a qual ancorou fora da barra, e
não entrou dentro com mais que com a sua fragata e uma nau das de
Diogo Vaz da Veiga, de que era capitão Pedro Correia de Lacerda, em a
qual o mesmo Diogo Vaz ia, e com todos os batéis das outras naus. Em
os franceses vendo esta armada puseram fogo às suas naus e lançaram-se
com o gentio, com o qual fizeram mostras de quererem impedir a
desembarcação, o que não lhes serviu de nada, que o general
desembarcou a pé enxuto, sem lho poderem impedir, e chegou a gente
de Pernambuco e Itama-racá por terra com muitos escravos e todos
juntos ordenaram um forte de terra e faxina onde se recolheram, no qual
Diogo Flores deixou cento e tantos homens dos seus soldados com um
capitão para os caudilhar, que se chamava Francisco Castrejon que se
amassou tão mal com Frutuoso Barbosa não o querendo
conhecer por governador, que foi forçado a deixá-lo neste forte, só, e ir-
se para Pernambuco, de onde se queixou a Sua Majestade para que
provesse sobre o caso, como lhe parecesse mais seu serviço. E sendo
ausente Frutuoso Barbosa, veio o gentio por algumas vezes afrontar este